quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Pensamentos soltos

Uma das vantagens da televisão - leia-se canais abertos - aqui é o espaço de tempo que duram os intervalos. Um tempo razoável. Nem maravilhosamente curto nem aborrecidamente longo. É q.b. Por outro lado, é muito comum - mas muito mesmo - em programas de variedades o/a apresentador/a do programa dirigir-se a uma espécie de barraca onde está qualquer pessoa a apresentar qualquer produto fantástico e imperdível e, por vezes, são mesmo daqueles que "se ligar agora ainda recebe completamente grátis" qualquer outro apetrecho. Terminada a apresentação, o/a apresentador/a retoma o fio à meada do seu programa que, por outras tantas vezes, lá vai para intervalo...por, felizmente, um tempo (apenas) razoável.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

As dobragens e eu

Pelo título, um brasileiro que me leia irá julgar que estou a falar de origamis ou algo semelhante. Desenganem-se. Em Portugal, a dublagem designa-se dobragem. Os filmes são dobrados em português. Ou melhor, referindo-me ao que se passa aqui, quem diz filmes diz séries, documentários, entrevistas em programas de variedades ou em telejornais. Tudo. Absolutamente tudo é dobrado. E, se refletirmos bem, a designação é bem mais feliz: o original fica transformado, com a sua unidade e originalidade partidas...Dobradas ao meio, portanto, poder-se-ia dizer. Não gosto. Já me habituei. Felizmente o ser humano é um animal de hábitos! Já não me deixa os nervos em franja e os cabelos em pé. Mas não gosto, nunca gostei e jamais gostarei. Em entrevistas e documentários, embora não aprecie, posso aceitar que o dano não é grande. Em filmes e séries acho perfeitamente inconcebível. É literalmente partir o trabalho do ator ao meio. Só nos desenhos animados é aceitável, uma vez que os desenhos são idealizados sem a voz. É o trabalho do ator que vai dar forma a essa vertente do desenho. Tanto pode ser um grupo de atores americanos, como portugueses, brasileiros ou chineses a realizar esse trabalho de interpretação. Como hoje o nível de detalhe é elevadíssimo, o único senão é o facto de os bonequinhos mexerem os lábios consoante as palavras em inglês: outra dobragem ficará inexata nesse ponto. Ainda assim, não me choca. Apenas chateia um bocadinho, no caso específico do Brasil, ouvir a voz do McQueen na voz do Rango e do Humpty Dumpty - são, frequentemente os mesmos atores (e poucas vezes os "grandes nomes da praça") que fazem esse trabalho. Noutro género de filmes ou séries, é terrível. Ver o Tom Hanks ou o Jack Nicholson ou qualquer outro grande ator ou atriz e ouvir um/a brasileiro/a a falar dá um nó ao meu cérebro e um aperto no meu coração! Não se trata de filmes mudos em que os atores estão a trabalhar a mímica e a expressão, mas sim de filmes em que a voz, a entoação, a forma como cada palavra é dita e cada frase projetada, a respiração...tudo isso faz parte da construção que o ator fez da personagem. Não raras vezes, o ator chega mesmo a adaptar a sua própria voz, o seu sotaque em prol da personagem. Tudo isso tem de ser apreciado pelo espectador como um todo. Eu não quero ver metade da personagem, mas a personagem por inteiro, com todas as características que o ator lhe reconheceu e lhe concedeu através das suas ferramentas. A voz é, reconhecidamente, uma delas.
Um grande bem haja à Tv Cultura. Além de ter uma grade de programação muito interessante, prima por privilegiar a legendagem.

sábado, 22 de setembro de 2012

Eu e a minha avó

Hoje é o aniversário da minha avó. Há vários anos que não podemos comemorar com ela. Não temos esse privilégio. Mas temos o privilégio de a termos conhecido e, mais do que isso, lhe termos sido bem próximos. É desse privilégio que quero falar hoje. Porque hoje é o aniversário da minha avó e, apesar de não poder comemorar com ela, permitam-me que a comemore, a ela, uma das pessoas mais especiais que já conheci.

A minha avó é um exemplo. Exemplo de força e perseverança. Ficou viúva cedo e numa época em que estava doente. Contava-me que, pouco antes de o meu avô falecer, era ela que tinha a convicção de estar perto do fim. O meu avô faleceu, e ela ficou sozinha com as duas filhas. Disse-me que olhou para as pequenas e percebeu que não se podia entregar. Aquela era a hora! Agarrou-se à vida, e trabalhou o quanto pôde para dar sempre o melhor à minha mãe e à minha tia. E deu.  Era uma costureira (ou, denominava-se na altura, modista) muito talentosa. Nós próprios, da família mais chegada, tivemos muitas peças de roupa lindíssimas feitas por ela. Ainda tenho a última saia que me fez e que espero, em breve, poder vestir em recital meu. Algum tempo depois de o meu avô falecer realizou o sonho da minha mãe e ofereceu-lhe um piano. O mesmo piano onde, mais tarde, eu própria aprendi a tocar e onde me preparei para tantos exames e apresentações públicas.
Não voltou a casar. O casamento tinha-lhe roubado muito da sua individualidade e toda a sua independência. E ela era uma mulher independente, senhora de si. Aproveitou isso cada dia do resto da sua vida. Não gostava de "ninguém a dar ordens". Eram outros tempos, o casamento regia-se por outros moldes. Não se pode dizer que a minha avó tenha tido um casamento feliz, mas teve certamente uma viuvez muito feliz. Já avó, praticava ginástica, inscreveu-se na natação e aprendeu a nadar. Mais tarde, pensou inscrever-se numa universidade da terceira idade para, sobretudo, aprender inglês, mas as doenças não permitiram que cumprisse os seus planos. Apaixonou-se numas férias mas, ao saber que o senhor era casado, disse "toda a minha vida nunca cometi erros desse género, não seria agora depois de velha que o faria", e ficou só com a bela lembrança daquele fugaz encontro. Pouco se importava com o que os outros pensavam ou diziam dela. "Eu quero é ser feliz!" Era sem constrangimento algum que, por exemplo, chegava à praia ou qualquer piscina e colocava umas bóias nos braços. Adorava a água, e tirava o maior partido que lhe fosse possível dela, pensassem os outros o que pensassem. Nunca se sentia ridícula ou alvo de críticas. Sentia-se apenas feliz e grata por estar viva e poder fazer as coisas que mais gostava. Nem os problemas de saúde que começaram a persegui-la afetaram a sua forma de encarar a vida. Perdeu grande parte da capacidade auditiva muito jovem. Lidava com isso de forma serena e bem humorada. Quando falavam com ela avisava logo de caras "peço-lhe só que fale alto, por favor, porque eu sou surda." Inúmeras vezes perguntávamos-lhe por alhos e ela respondia em bugalhos!.. Olhava para nós, percebia a nossa expressão confusa e, sorrindo, dizia "não foi nada disso que me perguntaste, pois não? Vamos lá outra vez." Repetíamos, mais devagar e mais alto. "Ah, era isso!..Ai a tua avó..." , e lá vinha a gargalhada contagiante. Mais tarde vieram os problemas mais graves. Primeiro foi atropelada. Várias fraturas, uma longa internação no hospital, mais outro tanto de cama em casa, seguido de intensa fisioterapia. Diziam-lhe que não voltaria a andar. "Eu vou voltar a andar. Oh lá se vou!" E andou. Nunca mais teve a mesma mobilidade, precisava de uma bengala, mas tinha a sua independência e o orgulho - dela e nosso - de ter superado o que parecia insuperável. Depois teve uma doença gravíssima que acabou por lhe provocar um AVC. Ficou dois dias em coma. Os médicos diziam ser uma incógnita se acordaria ou não. Acordou. Durante uns dias não era ela mesma. Tinha alucinações, dizia coisas desconexas. Um belo dia, acordou bem. Tal e qual ela. Lembro-me de a visitar quando ela já sabia que tinha perdido a funcionalidade dos rins. Teria de fazer hemodiálise três vezes por semana. "Pelo menos estou aqui!", disse com o mesmo sorriso de sempre. Sofreu bastante com a hemodiálise. Uma das coisas que lhe custava era as restrições na comida. Ela própria reconhecia, a brincar, que "não comia para viver: vivia para comer." Aproveitava as horas do tratamento para se deliciar com o chocolatinho de que tanto gostava ou qualquer outro pequeno pecado que lhe estivesse, normalmente, vedado. Alguns dias de tratamento eram, fisicamente, quase uma tortura. Voltava bastante abatida. Durante toda a vida, sempre que recuperava de alguma fase de maior desânimo dizia-me com aquele sorriso encantador "a avó já está a avó outra vez!" "Para a frente é que é o caminho!", era uma das frases que mais dizia.  Foi assaltada à porta de casa, arrastada pelo chão. Mais uma cirurgia e um implante no ombro. Mas a avó voltava sempre a ser a avó. Até ao segundo AVC. Coma novamente. Esperança. Medo. Muita esperança. Muito medo. Perda. Dor. Muita dor. "Nunca mais" é uma coisa que custa a entrar na mente de quem ama. Nunca mais vou ver o sorriso. Nunca mais vou ouvir a voz. Nunca mais. Nos primeiros dias custa a acreditar. Não parece real. Depois vamos caindo em nós, e a realidade cai-nos em cima com um peso esmagador, e ali fica, todos os dias a corroer-nos mais um bocadinho. Mas o tempo é generoso com quem sofre uma perda. Atenua a dor. Até atenua a saudade. Mas elas estão  lá. Aqui. Sempre. Latentes. Dormentes. A pulsar forte em certas alturas. Normalmente nos picos: quando nos sentimos perdidos, sem rumo, desanimados e pensamos que as palavras dela viriam mesmo a calhar. Ou quando estamos tão felizes que só queríamos poder partilhar isso com ela. E partilho, à minha maneira, no meu silêncio, no nosso silêncio em que eu espero que ela esteja presente, comigo, de alguma forma. E eu sei que está. Jamais esquecerei o dia de um dos meus exames na Faculdade. Antes de sair de casa, olhei para a nossa fotografia que tinha pendurada num quadro de cortiça. Pensei nas palavras de força e ânimo que sempre me dizia nas vésperas de exames ou audições. "Ilumina-me, avó. Que corra tudo bem." A fotografia, que nunca por nunca, em anos, caiu dali, deslizou suavemente pelo piano até ficar bem próxima dos meus pés. Sorri com os olhos lacrimejantes e, enquanto colocava a fotografia novamente no seu lugar, agradeci o apoio e a certeza de que tudo iria correr bem.
Aqui, noutro país, longe das minhas raízes, a saudade é maior. De vez em quando olho para ela na fotografia para ver o seu sorriso. O tempo tem também esse lado ingrato: vai apagando da nossa memória os contornos do rosto, a nitidez do som da voz. Não apaga jamais o amor. É o mesmo. Imutável. Não apaga as memórias das vivências. Não apaga a admiração, o orgulho. A minha avó é um exemplo de como amar a vida, de como celebrar cada pequena conquista, cada pequena coisa de cada dia. Viver é uma benção, e só depende de nós sermos felizes. Só depende de nós escolher a forma como queremos viver. Essa lição eu levo comigo para o resto da minha vida. A forma como a minha avó ficava genuinamente feliz por fazer o seu bolo preferido e depois sentar-se na sala a saboreá-lo enquanto via a sua série preferida na televisão. A forma como ficava feliz por, pelas suas próprias pernas, sair para comprar os ingredientes com que depois iria cozinhar os seus pratos preferidos ou, mais ainda, os nossos pratos preferidos. A forma atenciosa e generosa com que tratava toda a gente. A sua forma de amar, incondicional, respeitando cada um como era, sem tentar mudar nada. O altruísmo que sempre a caracterizou: a mais pura felicidade que sentia era ao fazer alguém que gostava feliz. A alegria que levou a tantas pessoas. A alegria que continua a trazer-nos só pelo facto de a termos na memória. E porque hoje é o aniversário da minha avó, aqui a relembro, com todo o amor, carinho e admiração. Como gostava que tivesse conhecido o meu filho! Ele olha para a fotografia dela e diz "é a bisa Maiela" É com ele que tenho completado a aprendizagem que comecei com ela: é tão fácil ser feliz, nas pequenas coisas, a cada dia, a cada momento. Ser feliz é uma escolha que se faz, a cada instante. Ao despedir-se em cada telefonema, dizia-me "Quero muito que sejas feliz, filha". Eu também quero, avó. E, como aprendi contigo, "o que tem de ser, tem muita força", e querer, neste caso, é poder.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Jardins






Bairro de São Paulo.
Foge à típica paisagem de "selva de pedra", arranha-céus, trânsito formigante. Aqui respira-se o cheiro das folhas e ouve-se os passarinhos a cantar alegremente.
É a diversidade da cidade.
A beleza maravilha-me. Sempre fui assim. Pode ser em forma de música, de quadro, de edifício, de sorriso, de uma árvore ou de uma flor. É alimento para a minha alma. E, felizmente, também há disso aqui.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Nós e a festa da Achiropita


A festa da Achiropita realiza-se entre todas as sextas feiras e domingos do mês de agosto. No bairro da Bela Vista. Festa italiana num bairro em que os traços da forte imigração italiana perduram até hoje. "A cada esquina" há uma cantina italiana e, em cada rua, vivem descendentes de italianos. A própria casa que habitamos atualmente - e as que lhe são mais próximas -  foi erguida por um italiano: um dos bisavós do meu filhote.
No primeiro dia da festa era visível nas ruas próximas à 13 de Maio, onde ela se realiza, que era um dia diferente. Um formigueiro de gente nas ruas, vendedores ambulantes de todas as traquitanas que os miúdos gostam de pedir aos pais, as portas dos bares, cafés e afins tinham bancas com doces, principalmente espetadas de fruta coberta de chocolate ou aquelas maçãs caramelizadas que, em miúdos, a malta da minha geração comia na Feira Popular de Lisboa. Depois de caminhar alguns quarteirões, chegamos à festa propriamente dita. A longa rua totalmente decorada com pequenos enfeites brilhantes, a música alegre e festiva e, de ambos os lados da rua, as barracas montadas a vender todo o tipo de petisco, fez-me lembrar a festa dos Santos Populares em Lisboa. Um sorriso toma conta dos meus lábios e os meus olhos brilham ao ter um vislumbre de "casa". Suspiro. Quando se está longe, tudo o que nos remeta à pátria mãe aquece o nosso coração e, o meu, passeava alegre pela rua, bem acompanhado de quem mora nele: o pequenote impressiona-se com a quantidade de gente pela rua e salta para o colo do graúdo com quem sigo de mão dada em direção à barraca da fogazza. Dizem que é das melhores coisas da festa e a fila longamente serpenteada parece confirmá-lo. Com o pequenote já ao meu colo, chego ao fim da fila, e o rapaz diz-me que não teria precisado de ali estar: havia uma fila preferencial. (Regra geral, as filas preferenciais são bem mais respeitadas e eficazes que em Portugal.) Aprendemos a lição e, nos fins de semana seguintes, foi a essa fila - bem mais curta - que recorremos. Confirma-se: a fogazza é ótima! Uma espécie de calzone recheado com queijo e tomate. O esparguete à bolonhesa que experimentámos no fim de semana seguinte também. Até o pequenote - que nunca gosta de nada - aprovou! E do que ele mais gostou? Das barracas onde, por meio de qualquer jogo, se tentava ganhar algum boneco ou brinquedo. No último fim de semana o pai conseguiu: uma estrela azul, um carrinho com luzes e uma espécie de helicóptero movido a um balão.
Escusado será dizer que a festa é bem regada a cerveja e a outras bebidas típicas como o vinho quente - que eu não experimentei. Devido à forte procura das casas de banho dos restaurantes, cantinas e afins da rua, os estabelecimentos recorrem à prática de cobrar a utilização. A média é de um real para a masculina e dois reais para a feminina.
Conhecemos a amável e afamada no bairro pelos belos pratos italianos que confecciona, e já conhecida da família do meu marido, dona Celeste, portuguesa que vive em São Paulo desde menina. Diz-me que, apesar de ter vivido aqui toda a vida nunca quis obter a nacionalidade porque "eu continuo a ser mesmo é portuguesa!" Quem a ouve falar, no entanto, poderia jurar que é brasileira. Conta-me que não vai a Portugal há sessenta anos!  Digo-lhe que "Deus me livre e guarde de ficar tanto tempo sem lá ir! Eu vou, de certeza, já no próximo ano." Que esteve para ir algumas vezes, que quando finalmente se decidiu a ir com o marido, ele adoeceu. Acabou por falecer na sequência. Diz-me, entusiasmada, que vai, finalmente, no próximo Outubro. Chega a Lisboa, e parte novamente para São Paulo do Porto que, "assim dá para passear um pouco." Penso com os meus botões na emoção e felicidade que irá sentir e, talvez, por outro lado, na tristeza ou até desilusão, quando não a identificarem, à partida, como "alguém da terra", por causa do sotaque que adquiriu aqui. Desejo-lhe uma boa viagem e ela dá-me as boas vindas a "uma terra que é boa e também está no meu coração", acrescenta. Não foi só o sotaque que ganhou aqui: a simpatia e a alegria a transbordar para quem com ela contacta também.
O pequenote diverte-se e chega a casa estafado nos dias da festa. Dorme um sono tranquilo e merecido.
A festa acabou há duas semanas e ele continua a dizer, na sua forma muito particular: "acho que hoje vamos à festa da 'Chiopita."
Agora só para o ano, meu amor.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Eu e os chocolates

Se há coisa a que não ligo muito é a chocolates. Gosto de um ou outro, mas não sou de longe uma compulsiva a comê-los quando os tenho na mão. A minha onda é mais a dos gelados e alguns doces.
Aqui há todas as marcas e mais alguma de chocolate. Algumas existentes também em Portugal e outras não. Há um mercado forte e variado. Na Páscoa, então, é a "febre" dos ovos. Nunca tinha presenciado tal coisa. Até a Ferrero Rocher se rende e abandona o tao simpático e famoso "Ambrósio"! É publicidade aos ovos de todas as marcas, formas e feitios, em tudo quanto é lugar: cartazes, televisão, panfletos de supermercado.
Foi precisamente na Páscoa que fui, amavelmente, presenteada pelos pais dos meus alunos com um ovo da Kopenhagen. Eu e a minha família agradecemos. Muito. Que coisa divinal!.. E eu que nem sou fã de chocolates... Há pouco tempo, foi o maridão que me presentou com uma especialidade dessa marca. A tal da nhá benta. Na minha opinião, melhor ainda que o ovo! Simplesmente ma-ra-vi-lho-so.
Há que dizer que o preço condiz com a qualidade. É quase obsceno em algumas coisas. Mas que vale a pena, vale.







Eu e os amigos

Conforme a idade avança os amigos são cada vez menos e cada vez melhores. "Poucos mas bons" é um conceito que, na verdade, se materializa. Alguns tornam-se tão especiais que entram na categoria de "irmãos de alma." Eu tenho a sorte de ter duas. Muito diferentes. Eu própria tenho muita coisa em comum com cada uma, e outras tantas diferenças, e é a meio caminho entre o que nos une e o que nos distingue que se criou esse laço tão especial. E eis a mágica da coisa. Está cada uma num continente, e nenhum é aquele em que me encontro.  Eu aqui, elas lá, e a amizade é intocável. Às vezes até podemos ficar um bom tempo sem falar, mas só sabê-las lá, e elas me saberem aqui, já basta para aconchegar o nosso coração, às vezes, em sobressalto. Não há fuso horário que nos atrapalhe. A hora em que for preciso falar, é a hora. Seja ela qual for. E fala-se do que se tiver de falar. Sem preconceitos, sem constrangimentos. A melhor coisa da amizade - ou deste tipo muito particular de amizade - é essa transparência. É sermos nós mesmos, com todos os defeitos e vícios que isso inclui e sermos amados - sim, o verbo é esse mesmo: amar - mesmo assim, tal e qual como somos, pelo nosso melhor e apesar do nosso pior. É não estarmos sempre de acordo, mas acordarmos que estamos sempre com o outro. Haja o que houver, venha o que vier, seja onde for. É falarmos a mesma "língua". "É isso mesmo!" com tom de alívio, de quem sente que alguma alma no mundo o entende genuinamente, é uma frase que se torna recorrente quando a outra parte aprende a "ler-nos" mesmo que, se fosse ela a "escrever", o fizesse de uma forma diferente.
Depois temos os amigos. Também preciosos. Conhecem-nos bem, e confiamos neles. Divertimo-nos. Numa certa perspetiva têm mais sorte porque aquilo que mais conhecem é o nosso lado "bom". O "outro lado", para eles, fica, pelo menos em parte, do avesso. Não conhecem o nosso pior. Mas, por outro lado, também não conhecem verdadeiramente o nosso melhor. No rol de amigos - que é uma palavra tão facilmente passível de generalização-, de cada pessoa quantos deles não são meramente circunstanciais? Porque estuda na mesma escola ou faculdade, porque que é colega de trabalho, porque é vizinho, porque frequenta o mesmo ginásio. Dizemos que fulana ou sicrano são nossos amigos mas, por vezes, é à falta de palavra melhor - que, no caso, seria uma palavra não tão boa. Do conhecido ao amigo vai uma grande distância e nenhuma palavra que lhe faça jus a meio caminho. Quantos vínculos têm a sustentação de ir além da circunstância que os originou? Poucos. Principalmente porque a vida não o permite. A vida anda, o mundo gira e o tempo passa. E é tudo a correr. É tudo tão rápido. Podia dizer-se que os vínculos que se mantem são os que valem a pena. São aqueles que encaixam verdadeiramente na palavra "amigo". É verdade. São os que valem a pena. Mas a pena é que outros tantos que ficam pelo caminho também a teriam valido. Eram pessoas com as quais nos identificávamos, com quem nos divertíamos, a quem confiávamos mais de nós mesmos, ou com quem tínhamos conversas interessantes. Amigos. Faça-se uma mudança de conjugação verbal e passamos a ter pessoas que, recordamos com carinho, porque em algum momento nos identificámos, ou divertimos ou confiámos mais de nós mesmos ou tivemos conversas interessantes. A vida anda, o mundo gira  e o tempo passa. A verdade é que, por uma razão ou outra, não conseguimos manter tantos vínculos especiais quantos gostaríamos. O melhor a fazer é guardar no pote das "coisas boas" a lembrança daqueles que podiam-ter-sido-e-não-foram, ou daqueles que o foram por algum tempo,  e desfrutar,  dando graças por existirem, daqueles que estão no pote das "coisas melhores ainda." Com sorte, temos lá alguns amigos e... duas irmãs de alma.

domingo, 9 de setembro de 2012

Nós e o parque infantil

O parque infantil a que costumo levar o meu filhote é um bom espelho da cidade de São Paulo. De todas as vezes que lá vamos, há algum estrangeiro para além de mim. Já encontrámos argentinos, suecos, chineses e até tailandeses! Isso para além das variadas ascendências dos próprios brasileiros que o frequentam. Em São Paulo cabe o mundo todo lá dentro.
Também é visível a diferença de classes sociais. A maioria vai acompanhada da chamada "babá". Veja-se o caso das trigémeas que costumamos encontrar. Vão com a mãe (às vezes também o pai e uma avó) e mais duas babás. Uma miúda para cada adulto. Outros miúdos vão apenas com a babá. Alguns com o pai ou mãe ou avó.
Aos miúdos, tanto lhes faz com quem vão e de que nacionalidade é quem lá está. Brincam e pronto! Divertem-se e entendem-se. Para mim, é um privilégio poder observar e partilhar estes momentos com o meu pequenote.

Pensamentos soltos

Ia eu pela rua de mão dada com o meu filhote quando me surpreendi com mais uma manobra arriscada de um motociclista na estrada. Ao mesmo tempo, o meu pequenote comentava "o passarinho está a cantar."
E é assim a cidade de São Paulo. Repleta de contrastes. E se tivermos o olhar atento, como o de uma criança, podemos encontrar beleza onde menos esperamos.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Eu e os transportes públicos

Primeira aula particular na casa dos novos alunos. A internet é muito útil nestas coisas e anotei num papel todos os números e nomes dos autocarros que poderiam levar-me ao meu destino, tal como o nome das ruas mais próximas à da casa dos miúdos.
Confirmo 2 ou 3 vezes se o número do autocarro está na minha folha e entro. Peço ao cobrador - um moço ou moça que ficam junto à cancela a receber o dinheiro dos bilhetes - que me avise quando estiver perto da paragem antes da Av. Brasil. Ele diz que sim, que não me preocupe. Para meu grande azar, embirrei que precisava de procurar a Rua Uruguai. Engano meu. Não era um país da América do Sul mas sim da América Central que eu deveria ter procurado. E o moço deveria ter-me avisado da proximidade da minha saída, mas também não o fez. Resultado? Fui andando, andando, deambulando dentro do autocarro pela cidade de São Paulo. No início não estranhei. Não fazia ideia de quanto tempo era o o percurso. A dada altura comecei a achar que era tempo a mais. Não tinha ideia, pelo que tinha visto na internet, que pudesse ser tão demorado. A minha suspeita materializou-se quando comecei a ver placas indicativas com nomes de bairros que o Sé, meu marido, sempre me tinha dito que eram bairros distantes de onde vivemos. Abordei o cobrador. Gelou. Pediu ao motorista para parar ali mesmo, onde nem havia paragem e indicou-me a paragem a que deveria dirigir-me para voltar para trás." "Mas qual ônibus eu pego agora?" Disse vários nomes que não consegui fixar, e arrancaram. Pedi para parar o primeiro autocarro que apareceu. Disse ao motorista para onde queria ir. O motorista, felizmente educado e simpático, disse-me que passava lá, sim, que me indicava onde sair. Por sorte, novamente, chegámos à dita paragem e ele diz-me "saia agora e pegue o ônibus que está atrás da gente." Ora sim senhor! Sem hesitar lá fui eu. Saí já no bairro certo, mas com a terrível dúvida: e agora, vou para a frente, para trás, para a direita ou para a esquerda? Como quem tem boca vai onde quiser, lá fui perguntado a tudo e todos pelo nome das ruas que tinha anotado no papel. Ninguém sabia, ninguém conhecia. Eis que passo por duas jovens. Pergunto pela rua tal. Elas olham para mim a abanar a cabeça, com ar de quem não entendeu patavina do que eu disse e uma delas, miraculosamente, estende-me um mapa. "We´re not from here." "Can I take a look?" Acenaram com um sorriso. Thank you", disse eu. Situei-me, revi o percurso que tinha de fazer e lá fui eu.
Cheguei onde queria à hora marcada - como o trânsito em São Paulo é imprevisível, saí de casa com uma boa margem de erro - e com a certeza de que, no meio do azar, tive uma sorte tremenda!

sábado, 1 de setembro de 2012

Eu e aqui

Aqui a passadeira é faixa de pedestre e o autocarro é ônibus. O comboio é trem e o metro é metrô. Aqui o pastel de bacalhau é bolinho de bacalhau e o pastel de massa tenra é o pastel de feira. O gelado é sorvete, o sumo é suco e massa é macarrão. Aqui as uvas têm sementes e não grainhas. Aqui a chávena é xícara, o biberão é mamadeira, a chucha é chupeta e a alcofa é moisés. Aqui o frigorífico é geladeira e a casa de banho é banheiro. Aqui o cão é cachorro e o cachorro é filhote. Aqui pode ser hora de ponta, imprevisivelmente, a qualquer hora do dia ou da noite e raramente algum carro pára na passadeira. Aqui os prédios são preferencialmente arranha-céus. Aqui as folhas são verdes no outono, chove muito no verão e faz um calor estival no inverno. Aqui o "t" diz-se "tch" e o "r" no final das palavras é quase mudo. Dublado é dobrado - e é-o em quase 100% dos programas e/ou filmes. Aqui o voto é obrigatório e a classe política também, como em Portugal, é lamentavelmente medíocre. Aqui é tudo muito caro. Os supermercados estão abertos 24 horas por dia e muitas farmácias também. Aqui as pizzas são preferencial e deliciosamente feitas em forno de lenha. Aqui come-se tutu, farofa, mandioca e mandioquinha - tudo muito bom! Almoça-se e janta-se nos restaurantes seja a que hora do dia/noite for. A Coca-Cola é Coca-Cola e o Big Mac é Big Mac.
Aqui quem é rico é milionário e quem é pobre é chocantemente pobre. Aqui as pessoas são alegres mesmo de bolsos vazios.
Aqui vê-se gente do mundo todo, e brasileiros que poderiam ser de qualquer parte do mundo. Aqui recebem-nos (a nós estrangeiros) de braços abertos.
Aqui o céu também é azul, a lua cheia brilha resplandecente e o sol nasce todos os dias.
Aqui a esperança pinta o futuro e o amor o presente.