domingo, 27 de janeiro de 2013

Coisas que me fizeram parar

Rua Major Diogo

Avenida Paulista


Gosto. Arte de rua. Ressalto nesta expressão a palavra "arte". Em muitos casos, trata-se, acima de tudo, disso. É belo. Colorido. Chamativo.



Há quem, em absoluto, não concorde.




sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Eu e os reencontros

O pequenote acabou de se sair com esta, enquanto explicava, pacientemente, a um boneco: "A gente está aqui em Portugal, que é a terra da mamã e a que eu nasci. Estamos aqui a visitar toda a gente."
Sim, esta é a minha terra. E a terra em que nasceste e que, seja qual for o teu futuro, será sempre parte das tuas raízes também.

E é tão bom voltar à terra! Nestas semanas em Lisboa tive vários reencontros. O primeiro foi com a cidade. Bolas, a nossa cidade é mesmo bonita! Não sei se vocês, que continuam a viver aqui todos os dias, têm a noção do quão bonita é. Digo isto porque eu, enquanto aqui vivi, deixei de reparar em muitas coisas. Nestas semanas, eu fui uma turista em Lisboa. Uma turista na minha própria cidade. Continua a ser a minha cidade, mas já não é. Aqui, sinto-me quase uma turista, e em São Paulo, sinto-me muitas vezes quase uma extraterrestre. O que me deixa, percebi, uma cidadã sem cidade no mundo. Mas se há cidade no mundo em que me sinto em casa, é nesta, Lisboa. Foi aqui que nasci e vivi 30 anos. Dos meus pés saem raízes profundas bem fincadas aqui. Nestas semanas vi-a com outros olhos. Com aqueles olhos de quem nunca viu. Reparei em edifícios que nunca tinha reparado - aqueles com painéis de azulejos que se vêem aqui e ali mas nos passam totalmente despercebidos na correria do dia a dia. Passei em estações de metro que nunca tinha passado e detive-me a ler cada frase, a reparar em cada detalhe. Comi pastéis de Belém, queijadas de Sintra e pastéis de Santa Clara. Faltou o travesseiro de Sintra. Dei por mim a contar histórias ao meu filho que, claro, no auge dos seus 2 anos e quase 10 meses não entende. Ainda assim, ficava atento a ouvir-me dizer "a mamã andava muito neste metro, saía nesta estação para ir à Faculdade." E ele, na fase papagaio em que está, repetia "a mamã saía aqui." Sei que, um dia, hei-de contar-lhe essas e tantas outras coisas e ele vai responder-me "já me contaste essa história várias vezes, mamã" ou "você já me contou isso várias vezes, mamãe".
Para além da sua beleza, da imensidão do céu e do rio Tejo, Lisboa tem o que de melhor se pode ter nesta vida: as pessoas. Não há nada melhor que reencontrar alguém que se ama. Rever a mãe, o pai, o irmão, as grandes amigas. Eles coloriram a nossa estadia aqui. À distância, mantemos o contacto que nos é possível. O amor e a amizade não se detém com detalhes como os quilómetros que separam quem está unido nesses laços. Mas é tão bom ficar perto, mesmo que de vez em quando! Abraçar, beijar, passear, olhar nos olhos sem depender de uma câmara. Foi ótimo partilhar estes dias com vocês. É tão bom reencontrar aquelas pessoas que, mesmo não vendo há um ano ou mais, quando vemos, nada mudou. É como se tivéssemos estado juntos no dia anterior. É isso que sinto quando reencontro a minha família. Foi com vocês que primeiro conheci o significado da palavra amor. Um amor que está sempre comigo, esteja eu onde estiver. Um amor que é parte de mim, de quem sou. E depois há os amigos. Sim, vou dizer nomes. É isso que sinto também quando vos reencontro, Joana, Tânia e Inês. É por vocês e pela Raquel que sei e tenho entranhado na pele o significado da palavra Amizade, assim mesmo, com um A bem grande e gordo. Não há constrangimentos, não há falta de assunto. Há um enorme carinho e afeição. Há um espaço invisível, que conhecemos de cor, em que nos sentimos seguros para sermos nós mesmos, inteiros, sem receio de qualquer espécie de julgamento. Porque eu sei quem elas são, e elas sabem quem eu sou. Como costuma dizer a minha querida amiga Laura - curiosamente, uma lisboeta que conheci apenas em São Paulo - "quem tem um amigo nesta vida, tem tudo", e cada vez mais partilho essa certeza: do quão preciosas são as nossas amizades mais especiais. Rever a minha prima e a minha tia, que é também a minha madrinha- a minha Mami - foi das melhores coisas destas semanas. Teve o cheiro, a cor, o som das gargalhadas daqueles Natais em que nos juntávamos. Quase me pareceu que a minha avó estava na cozinha e ia entrar a qualquer momento para dizer uma das dela também e todos nos rirmos outra vez. As histórias que nos unem são...nossas. Fomos nós que as vivemos, juntos, e mais ninguém pode entendê-las e rir-se delas como nós ou sentir a mesma ternura por elas. Como quando recordámos o meu brinquedo favorito na casa da minha Mami. Ou os desenhos animados que via sentada no sofá com o candeeiro enorme que se erguia do chão e se estendia até quase por cima das nossas cabeças. Aquece o coração relembrar todas aquelas histórias. As histórias que fizeram a nossa infância e fazem parte de nós para sempre.

Reencontrei, por completo acaso, duas famílias de que tanto gosto. Ex-alunos. Uma enquanto procurava uns ténis para o Mateus, e a outra enquanto fazíamos compras no supermercado. Às duas (mães da família) pensei que queria e devia ligar, que gostava de as rever e aos miúdos, mas andava sempre na correria para lá e para cá. O destino ou o que seja, conspirou a nosso favor, e pudemos conversar 10 minutos e dar um abraço. Encontros fugazes mas tão agradáveis. E outros tantos, também agradáveis, pois é sempre bom rever ex-colegas, ex-treinadores, pessoas com quem, melhor ou pior, partilhámos uma parte dos nossos dias, em determinado momento da vida.

Vem, então, a parte má. A de ir embora. Ontem ensaiei um adeus com uma das minhas melhores amigas. Hoje não vou fazê-lo com mais ninguém. Dizer adeus é uma merda. O meu filho que me desculpe quando ler isto. Que me desculpem todos os demais. Mas é a palavra que melhor define. É uma merda. Custa. Custa pra...diabo - para não dizer outra palavra que definiria melhor. Até está tudo bem, dá-se um abraço apertado, deseja-se tudo de bom. Até que sentimos uma espécie de soco no estômago, sentimo-nos trespassados por uma onda de energia que nos percorre o corpo inteiro e nos empurra para baixo. Faltam-nos as forças, os braços congelam naquela posição, não queremos sair daquele abraço porque sabemos que só o vamos ter outra vez daqui a um tempo que não gostaríamos de ter de passar. O corpo não aguenta e rebenta em lágrimas. Queremos guardá-lo o maior tempo possível, como se assim o pudéssemos levar connosco. E levamos. Fica connosco durante todo o tempo em que não o podemos ter de verdade.

Dizer adeus é uma merda. Por isso, vou dizer só até amanhã, porque embora o sol nasça a horas diferentes para vocês e para mim, eu continuo aqui para vocês, e sei que vos tenho aí. Sempre.
Até um novo abraço. De verdade.

Eu e o meu marido

Faz hoje precisamente 3 anos e meio que comecei a poder utilizar esta expressão. Meu marido. Confesso que, entre nós, há muito que nos chamávamos de marido e mulher. Mais precisamente de maridão e esposa linda. Era a brincar, mas era a sério. Ainda hoje, com toda a seriedade, as utilizamos, carinhosamente, todos os dias. Faz hoje 3 anos e meio que pudemos fazê-lo, pela primeira vez, perante a lei portuguesa. Faz um bocadinho menos que pudemos também fazê-lo perante a lei brasileira. O meu marido. Soa tão bem. Não sei se soa melhor a parte do "meu" ou a do "marido". Claro, a do "marido", porque marido só pode, neste momento, ser meu, e "meu" pode ser, a qualquer momento, muita coisa. Pode ser, na verdade, qualquer substantivo masculino singular.
Parece que foi ontem que passou a ser meu. O meu Serginho, como lhe digo tantas vezes. Eu sinto como se tivesse sido dele a vida inteira.

Isto tudo para vos dizer que tenho saudades do meu Serginho que está lá em São Paulo e eu aqui, em Lisboa, prestes a ir para lá novamente. Tenho saudades de me sentar aninhada com ele no sofá a ver qualquer coisa na televisão. (O que quer que esteja a dar interessa muito menos do que o facto de estarmos juntos, enredados de pernas e braços a sentir a respiração um do outro, ou simplesmente a minha cabeça encostada ao seu corpo enquanto ele me envolve com o seu braço. Estarmos. Apenas isso. Juntos. A mão dele a acarinhar a minha perna, ou a minha a passar os dedos pelo seu cabelo.) Do sorriso dele quando entra em casa e me cumprimenta e ao nosso pequeno. Da alegria que traz para dentro de casa, independentemente de como correu o dia lá fora. Da forma carinhosa com que me pergunta o  que é para fazer com as minhas roupas que estão espalhadas pelo quarto em montinhos, a meu ver, bem organizados. Dos sustos que me prega e nos deixam em gargalhadas depois. Da sua mão quente no meu rosto. Dos seus mimos e carinhos inesperados, como um bilhete com lindas palavras de amor para começar bem o dia. De dormir de conchinha. De acordar com o seu bom dia e o seu beijo. Das brincadeiras que fazemos os três. De ouvir como correu o seu dia. De conversar. Sobre tudo e sobre nada. Dos conselhos e chamadas de atenção em relação ao nosso pequenote - sim, meu amor, tu sabes que, às vezes, és chato. Um chato zeloso e adorável. De partilhar todos os dias da minha vida com ele. Os bons, os maus e os mais ou menos - meus, dele e nossos. Não, não se pense que é sempre tudo fácil. Não é tudo um mar de rosas. Às vezes zangamo-nos, mas sabemos que no dia a seguir, a zanga ficou para trás. Por vezes deixamos que os problemas e angústias de cada um interfiram na forma com que tratamos o outro. Mas o outro está sempre lá, paciente e compreensivo. Fomos aprendendo, com a convivência, coisas importantes. A saber esperar. Pedir desculpa. Perdoar. A cada ano melhoramos como pessoas e somos mais felizes como casal. É trabalhoso: a rotina é inimiga de quem está sempre tão perto. É preciso cuidar, mimar,  aprender a respeitar as diferenças e alimentar o que de mais importante nos une: o amor. Percebemos melhor com o passar do tempo, a cada dificuldade, a cada conquista, que esse amor é maior que tudo, às vezes maior que nós mesmos. É um amor que nos dá força, ânimo, que continua a fazer-nos sonhar. É um amor que existe por si só, graças a tudo e a nada em especial. Não posso dizer que seja apenas pelos seus olhos castanhos penetrantes, pelo sorriso encantador que me cativou desde o primeiro momento, pelas qualidades humanas que lhe reconheço e admiro. É um amor que existe porque sim, e alimenta-se de si mesmo: amando-nos um ao outro, amamo-nos cada vez mais.

Sim, hoje tenho saudades dele, e um misto de alegria por estar perto de o rever, e tristeza por deixar os que amo aqui aqui - amanhã a minha saudade é deles-, e por deixar esta cidade que eu também adoro, mas a verdade é que nenhuma cidade do mundo é boa de se viver se não for com ele, com o meu Serginho.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Pensamentos soltos em Lisboa

Enquanto descia as escadas do metro vi o segurança a andar de um lado para o outro. Olhou para mim e para o meu filho. Olhou para mim outra vez. Eu também o reconheci. É o mesmo segurança de há anos atrás, do tempo em que eu vivia na casa da minha mãe e andava de metro todos os dias para ir para a Faculdade. Disse-me "boa tarde" e respondi. Trocámos as mesmas palavras que trocávamos há anos atrás. Os anos não passaram por ele, continua com a mesma aparência.

Entrei no metro. Desta vez com o meu filho pela mão. Sentámo-nos. Alguém cedeu gentilmente lugar por o ter ao colo. Passado alguns minutos reconheci o timbre de voz que me acompanhou em tantas viagens de metro de há quase 15 anos atrás, nos meus tempos de Faculdade: "o deficiente agradece a quem tiver a bondade de auxiliar com uma esmola." A mesma frase. O mesmo timbre. O mesmo arrastar de palavras como se cada uma custasse tanto a dizer como os passos lhe custam a dar. E custam mais, agora, 15 anos depois. Olhei para ele, para o seu rosto. Tem as marcas dos anos em cada ruga que não me recordo de lhe ver naquele tempo.

Ao sairmos do metro e voltarmos para casa da minha mãe reparo num arrumador de carros. Em um ano em São Paulo nunca vi um arrumador. Talvez por isso tenha reparado. Olhei, mas desviei o olhar. Reconheci-o também. Não imediatamente: a diferença é notória. Bem mais magro, barbudo, envelhecido. Bem mais magro. Desviei o olhar. É o mesmo de há anos atrás. Muitos anos. Anos que passaram por ele. Anos pelos quais ele, provavelmente, passou. Simplesmente passou. Perdendo quilos e saúde.

O senhor da farmácia é o mesmo. As senhoras também. O senhor do café que me conhece desde miúda e a senhora também. A vizinha. Todos têm fisionomias idênticas à de anos atrás. Digo-lhes isso e parecem ficar felizes. Toda a gente gosta de ouvir dizer "está na mesma." Como se todos aqueles minutos de vida tivessem sido menos ou tivessem ficado congelados e lhes restassem, por isso, agora, muitos mais. É como se não tivessem envelhecido. Como se não tivessem passado pelo que passaram. 

Mas passámos. E envelhecemos. E mudamos. Todos os dias mais um bocadinho.


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Eu e o azul

Passou-se um ano. Os dias ora correm ora custam a passar, as semanas sucedem-se umas às outras com alguma desenvoltura. Os meses demoram-se. Mas passou-se um ano. Quase sem se dar por isso, mas dando-se por isso a cada dia. Desde o primeiro dia deste ano que passou, sempre me fez confusão o céu de São Paulo. Não sei explicar. A sério que não. Por mais que tente procurar as palavras certas, ou descrever o que sinto. Já o disse, e volto a dizer da melhor forma que consigo: sinto-o muito perto da cabeça, e vejo-o menos do que gostaria. Há muitos prédios, muita coisa, a cidade é toda muito. Só o céu não é tanto assim. Ou melhor, é, mas não consegue demonstrá-lo, não tem muito por onde espreitar. Ele tenta, aparece, esgueira-se por onde pode e, às vezes, dá um ar da graça, como, de forma grata, já o constatei. Mas os obstáculos são muitos e impetuosos. A minha alma sossegou quando, passado um ano, se viu debaixo do céu de Lisboa. Aqui ele tem a plenitude que eu me lembro de ver num céu. Parece que nos cobre toda a cabeça, como uma cúpula muito alta, arredondada, ora muito azul, ora desenhada pelo branco das nuvens.
 Consigo ver as cores que o pintam no pôr-do-sol e rever o meu tão adorado azul-do-final-do-dia-e-começo-da-noite. Aquele azul forte, escuro, pura energia para o meu espírito. Recordo os dias de treino de futebol no Estádio Universitário. Calhava nesse horário e era num espaço aberto onde céu era o que não faltava!.. Não raras vezes, sentava-me a contemplar aquela cor. Tornou-se a minha preferida. Respirava fundo, suspirava e sorria. Naqueles momentos, sentia-me parte de tudo, sentia-me um com tudo. Só por ver aquele azul, já valia a pena estar viva! Muitos anos se passaram sobre aqueles finais de tarde. Muita vida aconteceu e deixou de acontecer, mas aquele azul ficou comigo para sempre. Mesmo quando não o tenho, tenho-o por não o ter, por não o poder ver mas o ter cravado na memória. Foi em alguns finais de tarde em São Paulo que o percebi, que ainda o tinha comigo. Foi quando percebi a falta que me faz. Nesses finais de tarde o azul do céu quase conseguiu chegar ao mesmo tom. Aquele tom.  Fez-me sorrir na mesma. Não era o meu azul, mas era quase. Saiu da minha memória, por momentos, e quase se materializou. Fiquei feliz por ter um vislumbre dele. Aqui, em Lisboa, vejo-o inequívoco. Aqui via-o inequívoco todos os dias, e nem sempre lhe dei o valor que devia. Não me apercebi da falta que me fazia, até me fazer a falta que fez. E assim corre a vida, tantas vezes. A falta das coisas, das pessoas, nem sempre é sentida da mesma maneira. Há aquela falta que nos consome por dentro, que quase nos envenena e, passado um tempo, nos deixa como que anestesiados. Sentimos-lhe tanta falta que já nem sentimos, arrumamos isso em algum cantinho pouco acessível e tentamos deixá-la adormecida. Se, por algum acaso, acedemos ao que nos faz falta, acorda essa maldita dor da falta de forma violenta. Entra tudo em ebulição. Dói. É melhor quando não temos acesso ao que nos faz falta. Quase conseguimos esquecer. É a falta que sinto da Música. Numa comparação interessante, dizia-me uma grande amiga que é um bocado como a fome: há aquele momento em que sentimos tanta fome, tanta fome, que até dói a barriga. Se deixamos passar esse momento, por mágica, parece que a fome passa. Basta começarmos a comer para nos apercebermos da fome de leão que realmente tínhamos. Depois há aquela falta que piora com o passar do tempo. No início custa. Depois custa mais ainda. Depois habituamo-nos. Mas custa na mesma. Sempre. E muito. É a falta que sentimos das pessoas que amamos. Sentia-a lá durante todo o ano, e sinto-a, hoje, nestas semanas, aqui. E há aquela falta que nós não sabíamos que sentíamos. É a falta do azul. Quando o vemos é que percebemos a falta que nos fazia.

Passou-se um ano. Este ano não tive o meu azul. Tive as cores das minhas saudades, todas elas, diversas e variadas. Tive as sombras dos meus medos. Tive os tons inúmeros, variados e luminosos que preenchem a nossa vida quando temos a felicidade de partilhar todos os dias com a pessoa que amamos e escolhemos para ter ao nosso lado. Tive a cor inesgotável da minha - da nossa - esperança.
Este ano não tive o meu azul mas tive o azul dos teus olhos, nosso pequeno e adorado filho. Talvez lá atrás no tempo, a minha alma já pressentisse que o azul iria ser tão importante na minha vida. Não há azul como o dos teus olhos. Nem mesmo no céu de Lisboa.