sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Coisas que me fazem sempre parar



aqui escrevi sobre isto. Como eu amo o azul-do-final-dia-e-começo-da-noite! Nas últimas quintas-feiras, ele sempre está ali antes das minhas últimas aulas: cumprimenta-me, eu sorrio-lhe, agradeço a sua presença, e ali ficamos, em silêncio, em comunhão por alguns minutos. Não há coisa melhor do que a natureza, os milagres de beleza com que nos cruzamos todos os dias para nos trazer de volta ao centro. Um olhar, um suspiro e tudo pára. O próprio tempo fica suspenso. Não é mágico? Se o truque para ser feliz, dizem, é nos mantermos presentes, aqui e agora e educar a mente a parar de pulular entre o passado e o presente, com certeza uma das ferramentas mais eficazes para isso passa pela contemplação. Uma das minhas preferidas é este azul. A outra, já sabem, é o meu filho. Não encontro na vida maior nem mais belo milagre.
Agora passaram quase quatro anos desde que estou aqui e aprendi que o céu é azul em todo o lado, à sua maneira e, mesmo o nosso azul preferido, pode aparecer de vez em quando, basta que estejamos dispostos a olhar para cima com coração de ver.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Eu e os tempos que correm



Esta frase estava colada num ponto de ônibus há umas semanas. Não resisti a fotografar. Esta desumanização sente-se entranhar na pele todos os dias em São Paulo: não só a vemos como, infelizmente, a vivenciamos. Temos medo de falar com estranhos, medo quando um estranho nos encara, medo se alguém nos pergunta as horas ou uma direção, fingimos não ver o mendigo a procurar comida no lixo ou o outro a dormir descalço no chão. Desviamo-nos deles, como se não fossem pessoas ali deitadas no chão. Seguimos o nosso caminho. Finjo não ver, mas sinto essa desumanização abater-se sobre mim, corroer a minha sensibilidade e todos os valores que prezo. Sigo em frente, e levo em cada passo seguinte o peso da impotência.
E no meio deste cenário, a semana passada presenciei o oposto. Estava à espera de um táxi. Avisto um. Está ocupado. Uma senhora desce do táxi e o taxista faz-me sinal de que está livre. Entro e ele começa a contar-me: "coitada dessa senhora...estava ali parada no ponto de ônibus lá atrás e um sem teto estava mexendo com ela. Não mexendo mexendo, sabe? Mas, claro, nenhuma mulher fica confortável naquela situação e eu vi que ela estava constrangida, então, falei "sobe aí que te deixo no ponto la na frente". Ela ficou me olhando, desconfiada. São os tempos que a gente vive, sabe? Ninguém confia em ninguém, ninguém acredita em ninguém. Ela me perguntou "mas eu vou entrar aí? Assim? Eu não tenho dinheiro não, moço". Eu falei para ela "não estou pedindo dinheiro, minha senhora, não vou lhe cobrar não. Fique tranquila. Eu vou fazer este caminho mesmo e não tenho nenhum cliente aqui no carro, então, posso deixar a senhora lá na frente, no próximo ponto. Para mim não faz qualquer diferença, e ajudo a senhora." Ela entrou, ainda meio desconfiada. Aí, no final, me agradeceu muito, e desceu aqui e a senhora entrou."
Fez uma pausa na sua história, e continuou: " Sabe, eu fico muito triste de ver o mundo em que a gente vive agora. Um mundo em que a gente não consegue nem fazer um gesto de bondade, pois é mal interpretado, um mundo em que toda a gente se olha de lado ou todo o mundo vira a cara para todo o mundo. Eu acho muito feio esse mundo aqui." Concordei. "É que a gente vê muita maldade por aí, eu sei. Entendo isso", continuou ele, "Mas...nem toda a gente é má, e nem tudo é mal intencionado. Ainda há gente boa por aí. Eu me lembro de um tempo em que se respeitava as mulheres, se respeitava as pessoas idosas, em que se dizia "bom dia" e "boa tarde". E mesmo neste tempo que a gente vive em que impera a maldade e a falta de educação, ainda há gente educada e que quer o bem dos outros."
Curiosamente hoje, no ônibus, sentei-me ao lado de uma senhora idosa que, a dada altura na pequena conversa que tivemos, disse-me "Eu sou de um outro tempo, menina. Eu sou de um tempo em que as pessoas eram bem educadas, gentis umas com as outras. Não foi sempre assim, sabe?"
Sei. Imagino. E embora nós não possamos resolver o problema ou ajudar todos os mendigos do bairro - que dirá da cidade inteira- , podemos, ao menos, ter pequenos gestos de solidariedade de vez em quando e atitudes cordiais o tempo inteiro. Eu, por exemplo, faço questão de dizer "bom dia" e "boa tarde" a todos os motoristas e cobradores de ônibus. É um gesto que muda o mundo? Nem de perto. É uma coisa absolutamente insignificante e banal, mas para cada um deles é uma vez a menos que foram ignorados e para mim, são pequenos nadas que me fazem continuar a ser eu mesma, mesmo neste mundo que nos impele a erguer muros bem altos e que nos distanciem de todos.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Eu e o depois



Os portugueses têm o hábito de dizer "depois". E depois da eventualidade do "depois" vem a possibilidade do "a ver".

Depois a ver se vou lá.
Depois a ver se lhe ligo.
Depois a ver se faço isso.
Depois a ver se escrevo aquele texto.

Estive um mês de férias em Lisboa. Posso afirmar que tudo o que eu deixei para ver se fazia depois, não fiz. O "depois" tem esse impasse: se não o chamamos para "agora", ele existe eternamente, sem nunca deixar a ideia nele contida existir de facto. E quantas vezes ficamos a pensar no "e depois" e perdemos o que está a acontecer agora? Quantas coisas poderíamos estar a fazer agora? Enviar aquele e-mail, ler aquele livro, telefonar para aquela pessoa, arrumar aquela papelada, informar-se sobre aquele curso, dizer coisas que têm de ser ditas. Quantas coisas gostaríamos de fazer agora que deixamos para uma oportunidade melhor, para uma outra ocasião? Que outra ocasião pode ser melhor do que este momento, que é o único que temos por certo? É lugar-comum mas é uma verdade inequívoca e, até certo ponto, esmagadora: o que é realmente nosso é este momento. Este em que vos escrevo, em que o meu filho brinca aqui ao meu lado. O meu filho, no auge dos seus 5 anos e meio, tem muito para ensinar à maioria dos adultos nesse ponto de vista: ele vive agora, aproveita cada minuto das suas brincadeiras, não quer desprender-se delas, não perde tempo a pensar no que vai ser daqui a uma semana, um mês ou um ano. As datas mais longínquas em que pensa são o seu aniversário e o Natal, por motivações óbvias. Ainda assim, não sofre com isso. Tudo o que ele quer fazer, faz agora. O que o deixa triste, é agora. Não revive uma tristeza de ontem. A sua felicidade é agora. É genuinamente feliz nas coisas simples de todos os dias. Agora está a chamar-me para brincar com ele. Desculpem, por mais que vos queira falar de como acho que é importante não deixarmos as coisas para depois, tenho que ir. Agora vou brincar com o meu filho e os super-heróis dele. Depois? Depois vem outro agora e como bem diz a propaganda da Claro:





quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Coisas que me fizeram parar




Próximo ao Clube Paulistano, a primavera dá um ar da graça. Pena que as fotografias não lhe fazem justiça. Estão bonitas, mas nada comparado à beleza que nos entra pelos olhos adentro lá, bem perto daquelas lindas flores. O delicado e, simultaneamente, intenso cor-de-rosa que vestiu esta árvore não é captado pela singela câmara do meu celular. Ali, bem próximo da árvore, não há como a nossa atenção não ser captada. Eu estava com pressa, mas parei. Parei uns minutos. Observei. Apenas observei e, ao parar aqueles instantes, a vida correu em mim, nas minhas veias, pulsou no meu coração, arrepiou-me a pele. Por um momento, apenas ser, existir. Às vezes vale a pena parar por um minuto que seja, sair da rotina da vida e mergulhar no sentido dela. A vida acontece em nós, por mais que nós passemos a vida a correr atrás dela.
Parar por uns instantes, é um belo exercício para se fazer todos os dias. Eu faço-o observando uma árvore, uma flor, um pássaro, o céu ou o rosto do meu filho. Sempre que paro para o observar, cá dentro, tudo fica em paz: tudo faz sentido e isso, dá um sentido a tudo.