domingo, 29 de janeiro de 2017

Eu, os telemóveis e as novas tecnologias

Eu sou do tempo em que não existia telemóvel na nossa vida. Os primeiros que apareceram, eram aparelhos grandes, muito caros e que serviam - espantem-se! - para realizar e receber chamadas. Isso mesmo: o telemóvel servia para conversar. Só? Sim, num primeiro momento, digamos que substituiu o popular bip: mantinha as pessoas em contacto, permitia dar recados. Em pouco tempo, uma parte da população não dispensava o seu. Com o passar dos anos e a evolução dos aparelhos, o tamanho foi diminuindo: a grande moda eram os telemóveis pequenos, finos, leves. Os pequeninos eram os mais fashion. A variedade de aparelhos foi aumentando e, com isso, o preço de alguns foi-se tornando mais acessível. Cada vez mais pessoas tinham telemóvel. Lembro-me de ir a Londres em 1996, talvez - com o passar do tempo, a exatidão de alguns acontecimentos vai-se perdendo - e eu e os meus colegas de escola ficarmos espantados que até a florista que tinha a banca na rua tinha um telemóvel. Em Londres, já "toda a gente" tinha telemóvel.
Eu recebi, de prenda dos meus pais, o meu primeiro telemóvel no Natal do ano em que entrei para a Faculdade: 1999. Ia passar mais tempo para lá e para cá, entre o Direito e a Música, podia dar jeito, podia precisar, assim podiam falar comigo sempre que quisessem... Era um Nokia, relativamente pequeno, cinzento metalizado, com a pequena tela em cima e as teclas letras/numerais em baixo. Fazia e recebia chamadas, mandava e recebia mensagens de SMS, tinha toques simples, com sons computorizados e o jogo da cobra ao qual, confesso, dediquei um bom tempo daqueles anos. A concorrência ainda era pequena e, nesses anos, falar ao telemóvel saía caro. Utilizávamos quando era realmente necessário e, para longas conversas, recorríamos ao telefone fixo. Aos poucos, foram aparecendo os pacotes de voz ou SMS mais atrativos. Por esta altura, a moda já começava a ser os telemóveis que tiravam fotografias. "Para que é que eu preciso de um telemóvel que tire fotografias? Fotografias tiram-se com...máquina fotográfica...não?" Não sentia a menor necessidade disso.  Além do mais, para mim, o lema é "enquanto funciona bem, está ótimo."  O meu pequeno Nokia, bravo e resistente, ficou nas minhas mãos por muito anos. Acompanhou-me na Faculdade de Direito e, desde os primeiros dias de carta de condução, no meu twingo, nas saídas à noite com os amigos - desculpa, mãe, todas as vezes que te deixei preocupada porque ele não tinha sinal ou eu me esquecia de ligar- , nas milhares de mensagens trocadas com as melhores amigas, nas ilusões e desilusões amorosas - na época, não havia relatório de entrega das mensagens então, podíamos dizer a nós mesmas e umas às outras "se calhar ele não recebeu a mensagem, por isso é que não respondeu" - nas horas de estudo de piano, na mudança para a Escola Superior de Música. Honestamente, não me lembro de ter tido outro até o meu namorado-agora-marido me oferecer o Sony Eriksson no começo de 2008. Este já tirava fotografias - algumas delas, guardo com carinho até hoje - e fazia vídeos, tinha toques mais elaborados e, melhor, até dava para ter qualquer música da qual se fizesse o download para o telefone como toque e personalizar o toque para cada contacto, entre tantas e tantas outras, para mim, novidades. Era preto, com alguns detalhes em verde escuro, e era daqueles fechadinhos que se abria para utilizar o teclado, escondidinho lá para dentro enquanto o telefone estava fechado. A esta altura do campeonato, os melhores telemóveis já não eram os menores e a nova moda era o touch screen. O Eriksson não durou tanto: não chegou a três anos. Três anos de muita música, de muito namoro à distância, de algumas viagens, de sonhos realizados e... lá estão as fotos tiradas por ele a comprovar alguns desses momentos especiais: o casamento, a gravidez, o nascimento do Mateus. Foi por essa altura, precisamente, que ele perdeu o pio. Já só dava para ter uma conversa no alta voz, de outra forma, a pessoa do outro lado da linha não passava de um longínquo sussurro. Foi então que o Samsung me veio parar às mãos, desta vez, como prenda de dia das Mães do Mateus para mim. 2010. Era branco, um pouco maior que o antecessor, elegante e com touch screen. Tinha Wifi, que eu nunca utilizei em toda a sua longa vida de quase 8 anos. Documentou em fotos e vídeos o crescimento do Mateus - graças a Deus, tudo salvo em CDs e no cartão de memória. Acompanhou-me na mudança para São Paulo e mandou inúmeras mensagens transatlânticas. Conhecia a minha saudade de cor, nas palavras que enviava e nas fotos que eu nunca apaguei e que visitava de vez em quando. Numa era de redes sociais, televisão no telemóvel e todas essas coisas mirabolantes que a tecnologia, hoje em dia, permite, e que há 5 anos atrás pareciam ser coisa de filme futurista, o meu telefone servia para receber e fazer chamadas, receber e enviar mensagens de SMS, tirar fotos e fazer vídeos, e assim me serviu totalmente as minhas necessidades em todos estes anos. "Não tenho internet no meu celular." "Como assim, não tem internet no seu celular? Eu lhe dou a senha do wifi daqui." Os meus alunos, jovens adolescentes, não entendem sequer o conceito de "não ter internet no celular". "A Joana não tem Whatsapp?" "Não..." Diziam que era uma das únicas pessoas a não ter. Há uns meses atrás, a mãe de uma aluna dizia para a filha "Você conhece alguém que não tenha Whatsapp?" A menina abanou a cabeça. A mãe sorriu: "Conhece: a Joana!" O meu telemóvel tornou-se, com o passar dos anos, pequeno, perto dos aparelhos mais utilizados hoje em dia, com telas bem maiores, que permitem tirar maior partido da tal tecnologia. As minhas alunas diziam "o seu celular é tão fofo!..Assim pequenino. Adoro!"
Foi na semana passada que a tal tela touch screen deixou de colaborar comigo. Nada. Nenhum sinal. Nenhuma reação. Tanta coisa dentro daquele telemóvel, à distância de poucos toques na tela. E ela? Nada. Imóvel. Entra a mensagem nova. Nada: não abre. Há uns bons anos que ele andava com umas reações estranhas: quando lhe tirava a bateria, ou quando se desligava sozinho - o que, só de si, já não era um sinal de completa normalidade -, religava na incompreensível data de 5 de Janeiro de 1980, em que ainda nem era nascido - nem eu, sequer, só para que conste- e na exata hora de 22h00. Desde há dois meses para cá que a tela andava temperamental: de vez em quando parava de funcionar. Depois de inúmeras tentativas, voltava ao normal. Até há uma semana atrás. Parou, e não mais voltou. E foi assim que este novo Samsung me veio parar às mãos. Grande. Muito grande. Preto. As minhas alunas tinham razão: o meu outro Samsung, o branco, era pequeno e fofo. Ainda não me habituei ao tamanho da tela deste. Tão pouco aprendi a trabalhar com todas as funcionalidades dele. Os telemóveis, hoje em dia, fazem de tudo e, tendo internet, há aplicativos para as mais variadas coisas: pedir táxi, pedir comida, ver a previsão do tempo, ver e-mail, navegar nas redes sociais, saber o horário em que vai passar o transporte público, efetuar pagamentos de contas, saber o nome daquela música que já ouvimos tanta vez e não sabemos quem canta, etc, etc, etc. Eu diria que, atualmente, o limite é a imaginação e, diga-se, há coisas que até nos espantamos que existam! Uma coisa, certamente, mudou para mim: vivo longe do meu país e, estas tecnologias de hoje, encurtam as distâncias. Depois das nossas primeiras videochamadas com Lisboa, eu e o Mateus olhámos um para o outro e dissemos: "é bom poder ver a família, de vez em quando". Então, nem tudo é fútil, e devo um grande bem haja às novas tecnologias. O meu lema, esse sim, mantém-se: "enquanto funcionar bem, está ótimo", por isso, torço para que este aparelho me acompanhe por muitos e bons anos e que registre muitos e muitos momentos especiais.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Eu e brincar

Eu não fui uma criança que brincasse muito. Ou melhor, não com as coisas que, normalmente, fazem parte do universo de uma menina ou, até mesmo, de uma criança pequena. Gostei de Barbie por, talvez, dois anos. Tinha a família toda - Barbie, irmã e Ken- e uma linda e enorme casa de madeira construída pelos meus pais e avô e que eu ganhei de um Pai Natal generoso. Troquei-os por Micromachines, Lego e alguns Pinypon - ou seria Playmobil?- com os quais também acho que não brinquei tanto assim. Adorava jogar Subbuteo e  brincar com pistas de carros - ficava furiosa quando perdia, amuava e dizia que nunca mais queria jogar! O Spectrum do meu pai também era um dos eleitos. Cruzava os dedos para ver se o jogo entrava. "Puxa, não foi desta..." O meu pai dizia-me que tivesse paciência. "Quem sabe agora?" Novos minutos de expectativa...Em alguns dias, não entrava mesmo. Depois de inúmeras tentativas, arrumávamos tudo outra vez, desiludidos. Outras vezes, a espera terminava em euforia "Entrou, entrou, entrou!!!"
Do que eu gostava mesmo, aquilo que me divertia por horas era fazer ginástica! Essa sim, embora não fosse propriamente uma brincadeira, era a minha favorita. A sala da nossa casa - a primeira, da Póvoa de Santo Adrião-, lembro-me como se fosse hoje, era um imenso ginásio na minha cabeça, e ali aconteciam enormes e importantes competições. Eu fazia as vezes de todas as ginastas: daquelas que eu queria que ganhassem, e das outras. O tapete da sala era o solo. O sofá pequeno era o salto de cavalo: eu corria, corria, e passava por cima dele para o outro lado das formas mais mirabolantes. A parte de trás do sofá grande que estava encostada à parede e tinha alguns centímetros de largura, era a trave: eu passeava ali por cima, dava uns saltinhos e imaginava que estava a fazer as acrobacias mais difíceis do código de pontuação. Só para as paralelas não tinha imaginação que chegasse. Era no chão que me imaginava agarrada à barra e a girar de um lado para o outro. No final, havia subida ao pódio, hino e bandeiras a erguer-se!
Já o meu irmão Pedro, sim, dominava a arte de brincar, daquela forma mais tradicional, como ninguém! Eu gostava de o observar a espalhar os carrinhos pelo corredor da casa, a criar diálogos e enredos elaborados com todos os personagens espalhados no chão do quarto dele. De vez em quando, ele percebia a minha presença, interrompia a fala de algum personagem e perguntava-me, um pouco irritado: "o que é que foi?..", seguido de um enternecedor "só estou a brincar..." Ele era tão especialista nessa arte de brincar que, qualquer peça de qualquer brinquedo que nós encontrássemos pela casa, era só recorrer a ele: "Pedro, sabes o que é isto?" Ele olhava, e logo enunciava minuciosamente de qual brinquedo aquilo fazia parte. Eu admirava a forma como ele brincava. Como eu disse, eu nunca fui muito disso de espalhar bonecos e pô-los a interagir uns com os outros. Eu...fazia ginástica e, com o meu irmão, jogava futebol, basquete, fazia cabanas ou jogava na Playstation.
O meu filho, Mateus, é como o tio: ama brincar e, como o tio, é um verdadeiro especialista nessa arte! Às vezes ouço-o a brincar e parece que estou a ver o meu maninho a brincar. Ele mistura playmobil com lego, constrói bases - leia-se casas - para todos e, para isso, utiliza o castelo, legos, casas do playmobil, blocos de madeira ou até mesmo o espaço por baixo da escrivaninha dele. Cria diálogos, faz efeitos sonoros ( de batidas, pancadas, quedas, sustos, etc) e até banda sonora - sim, ele entoa uma música estilo épico enquanto os super-heróis vão a caminho da missão ou depois de uma grande vitória deles. O Mateus gosta tanto de brincar que até nos jogos do videogame ele brinca. Passo a explicar: aqueles jogos de hoje que têm o chamado jogo livre, em que os personagens podem passear livremente por algum espaço do jogo e em que há pequenas missões para cumprir, ele gosta de inventar as suas próprias brincadeiras lá dentro. Não raras vezes eu fui companheira dele nesses momentos e ele inventou histórias das mais variadas: ele era o polícia e eu o ladrão, ou vice-versa, e um tinha de apanhar o outro; eu era a mãe e ele o filho e, com essa premissa, diversas peripécias aconteceram. É como se costuma dizer: o limite é a imaginação, e a do Mateus é bem prodigiosa. Neste mês que passou, de férias escolares dele, eu tenho a sensação que brinquei mais do que em toda a minha infância com este tipo de brinquedos. Passamos horas no quarto dele, com o que ele nomeou - ele adora esta palavra - "brincadeira infinita do Mine-ninja" (uma mistura de Minecraft com Ninjago) que, a cada dia que arrumávamos as coisas - para um cantinho do quarto, confesso, até para não estragar a brincadeira - dizíamos "amanhã: próximo capítulo!"
O capítulo de hoje, inclui o regresso às aulas do Mateus mas, com disciplina e organização, vamos garantir que ele continue a ter o tempo dele para cultivar este bem mais precioso que ele tem: ser criança. Vai ter o resto da vida para ser outras coisas, por isso, agora ainda é o momento de ele continuar com as suas "brincadeiras infinitas" que tanto o fazem feliz.


terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Eu e os meus patrícios

Quando vivemos longe do nosso país, temos um sistema de alerta que dispara o sensor de aviso quando ouvimos uma palavra dita em português perto de nós. No meu caso, uma palavra portuguesa pronunciada no português de Portugal.
Sei que esse sensor não é exclusivo meu: já presenciei várias vezes aquele quase sobressalto quando olham repentinamente na minha direção e exclamam aquele "é portuguesa!" que, bem no finalzinho da palavra, tem um quê de interrogação. Como aquela senhora que estava com a filha pequena e entrou no mesmo elevador que eu. Depois do meu "boa tarde", com os olhos arregalados, disse o tal "é portuguesa?" e, em seguida, disse animada para a filha "olha, filha, a senhora também é portuguesa!" Fiquei a saber que vivia aqui há anos, que também é de lisboa, que vieram a trabalho. Falamos um pouco da experiência de viver aqui, partilhamos como foi difícil a adaptação no começo e de como acabamos por nos integrar bem aqui. Basta ouvir o mesmo sotaque, e parece que encontramos um primo distante ou um colega da escola que não víamos há anos e com quem, rapidamente, em 3 ou 4 frases, pomos a conversa em dia. Como aquela família que encontrei a passear na Oscar Freire, ou aquela senhora que levou os filhos ao parque e que diziam para as outras crianças "apanhei-te", por oposição ao "te peguei" deles, ou a simpática senhora que encontro na feira quase todas as sextas-feiras e me pergunta "está bem, filha? tudo bem?", como quem fala, zelosa, com uma prima ou uma sobrinha. Na primeira vez que nos encontramos, disse aquele mesmo "é portuguesa?" Perguntou de que cidade sou. "Lisboa". "Ah, então temos aqui uma alfacinha e uma tripeira!", respondeu-me com um sorriso cúmplice de quem sabe que ali, provavelmente, seríamos as duas únicas a saber o que isso significa. Há umas semanas atrás, conheci o marido dela. Vivem aqui há quarenta anos. O senhor contou-me que também é do Porto, que só foi a Lisboa uma vez e tenciona lá voltar para conhecer tudo a pé "que só andando a pé é que se conhece bem uma cidade", disse ele, sabiamente. Há também o senhor que vive aqui na rua e, no brasil, também há décadas, e me cumprimenta sempre "tudo bem, patrícia?"
Quando tenho estes breves encontros, fica a reflexão: não deixa de ser estranha a identidade que sentimos com "qualquer" português longe do nosso país quando, em Portugal, cruzamo-nos uns com os outros nas ruas todos os dias e mal nos olhamos nos olhos - assim como os brasileiros fazem uns com os outros aqui e, imagino, sintam a mesma identidade se se encontrarem em Portugal ou na China. Depois pensei: se uma mulher vivesse num mundo cheio de homens, quando encontrasse uma outra mulher, sentiria empatia. O Matt Damon, lá perdido em Marte, teria sentido empatia por qualquer ser humano que se cruzasse com ele. E, de uma forma mais realista e ainda mais flagrante: crianças sentem uma empatia natural por outras crianças. Veja-se a forma como, em cinco minutos de brincadeira no parque, parecem melhores amigos. A forma como, mesmo que seja em línguas diferentes, encontram uma forma de comunicar, brincar e se divertir. Talvez o que falte mais no mundo de hoje seja um pouco dessa empatia dos primeiros anos de vida que, por mil e uma razões, vamos perdendo ao longo do caminho.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Coisas que me fizeram parar













































Na minha opinião, a poluição mais bonita de São Paulo. São cartazes espalhados por aí, parece-me que, na maior parte dos casos em tapumes de obras. Na Avenida Paulista, próximo à Casa das Rosas, há uma parede deles que faz parar muita gente.