quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Coisas que me fizeram parar




O céu da Avenida Faria Lima. 
Sorrio à toa, respiro fundo e agradeço por fazer parte desta Pintura.


quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Eu e o meu irmão

Eu tinha 6 anos e meio quando o meu irmão Pedro nasceu. Tenho uma memória difusa de estarmos no quarto que tinha o papel de parede com desenhos em tom pastel quando me contaram que eu ia ter um irmão. Não me lembro que palavras escolheram para me dizer nem o que respondi mas lembro-me que me senti feliz e animada com a novidade. Também me lembro que fui eu que escolhi o nome: Pedro Miguel. (Espero que tenha aprovado a minha escolha...) As memórias que tenho do dia em que ele nasceu também são difusas. Lembro-me de acordar de manhã e alguém - talvez a Adelaide?- me dizer que os meus pais tinham ido para o hospital porque o meu irmão ia nascer. Faz hoje 32 anos. Tenho uma vaga ideia de entrar no quarto em que a minha mãe estava com ele ao colo. Também recordo que recebíamos visitas que iam conhecer o bebé lá a casa, e do Nero, o nosso dobberman, rosnar a quem tentasse entrar no quarto. Desde o primeiro momento, amei o meu irmão incondicionalmente, o mais próximo que senti na vida do amor que, bem mais tarde, encontrei no meu filho. Era - e continua a ser - com enorme orgulho que dizia "Este é o meu irmão!" Adorava empurrar o carrinho dele para que adormecesse. Sempre o achei a criança mais linda do mundo - posto que divide, agora, com o Mateus. Já um pouco mais velho, quando me batia ou era mais bruto comigo nas brincadeiras, a minha mãe dizia-me "Bate-lhe também, para ele perceber que dói e que não pode fazer isso aos outros", mas eu não conseguia. Achava-o indefeso e tão fofo e o que sempre quis foi protegê-lo. E protegi, da forma que pude e soube. É o meu maninho, como carinhosamente o chamo até hoje. Se tinha que levar a culpa por ele, levava, se tinha de ficar em casa para ele poder sair, ficava. Era com enorme prazer que dividia e partilhava tudo com ele.
Sempre admirei a forma como brincava, construía as suas histórias com os brinquedos e ficava totalmente absorto nesse mundo da imaginação. Eu nunca soube brincar assim, mas sempre brinquei com ele: construíamos tendas e cabanas nos sofás da sala, jogávamos futebol dentro do quarto - para grande irritação e infelicidade do nosso vizinho de baixo -, jogávamos jogos de tabuleiro e de cartas e, mais tarde, passávamos horas a jogar jogos de futebol na PlayStation. Também víamos filmes juntos. É de perder a conta as vezes que vimos os episódios das Tartarugas Ninja, dos Transformers, o filme da Bela e o Monstro, Jack Burton nas garras do mandarim, Regresso ao Futuro  (principalmente o 2), Indiana Jones e Star Wars. Nas férias do verão éramos igualmente companheiros de brincadeiras: na praia, na piscina e em casa, onde aguardávamos ansiosamente que passassem as horas da digestão.
As idas ao cinema eram religiosas para nós. Havia filmes que eu, simplesmente, não ia ver com mais ninguém porque tinha prometido que iria ver com o meu irmão - e ele fazia o mesmo. (Hoje em dia, alguns filmes que entram em cartaz fazem-me sempre pensar "Gostava de ver este com o mano" e tenho a certeza que ele pensa o mesmo.)
Eu sempre fui ver os jogos de futebol das equipas dele e ele sempre foi ver os meus, ou as minhas apresentações/provas de piano.
Sempre fomos cúmplices. De uma forma que nem mesmo nós saberemos explicar. Eu não preciso que me diga nada. Ele sabe tudo o que eu poderia dizer. Parece que, entre nós , as palavras tornaram-se quase desnecessárias: comunicamo-nos de formas subtis e indizíveis. Mesmo quando éramos crianças/adolescentes/jovens adultos, raramente tivemos de combinar o que dizer ou o que fazer para nos protegermos um ao outro (e sempre o fizemos, sem nenhum ter de pedir ao outro). Não raras vezes a nossa mãe dizia "Vocês são impressionantes: se um diz mata, o outro diz esfola!" Podemos ficar semanas, meses sem nos falar, anos sem nos ver, que o nosso amor e cumplicidade permanecem, magicamente, intocáveis. Sei que posso contar com ele e ele sabe que sempre estarei aqui para ele. É uma das pessoas que mais admiro no mundo e, certamente, o melhor homem que conheço: íntegro e puro, com um coração enorme e uma sensibilidade incrível que só quem o conhece bem tem o privilégio de ver. É mérito e conquista dele o ser humano especial que é, mas eu tenho orgulho e privilégio de ter participado da caminhada. Nós dois sabemos o quanto vivemos e crescemos juntos. Nem tudo foi perfeito: também tivemos os nossos momentos de luta em crianças, discussões parvas, disputas para ver quem utiliza o computador, etc, mas não consigo recordar-me de um único momento em que tenha ficado verdadeiramente zangada ou triste com ele. Ele sempre soube ouvir-me, incentivar-me, apoiar-me, às vezes com palavras, e outras à sua maneira, com gestos que recordo com carinho. A única coisa que lamento é não ter estado lá com ele em todos os momentos. Sinto a falta do meu irmão todos os dias, assim como sei que sente a minha, mas enche-me de felicidade vê-lo feliz, mesmo que seja de tão longe. A felicidade dele, a realização dele, é a minha. Hoje, especialmente, por ser o seu aniversário, gostaria de lhe dar um abraço apertado. Como hoje não é possível, abraço-o com estas raras palavras entre nós.


Adoro-te, maninho.
Feliz aniversário.
Que a vida te sorria sempre.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Eu e ser portuguesa

"O grande impedimento para as pessoas "verem" as coisas como elas são é a identificação que criamos com tantas coisas. No momento em que nos identificamos com alguma coisa, toda a mente entende que aquilo tem de ser protegido e trabalha nesse sentido. Na medida em que as identificações aumentam, o drama psicológico aumenta e "veremos" cada vez menos. Em algum momento, não veremos mais nada além disso e vamos afogar-nos nos nossos próprios pensamentos e emoções."

Sadhguru


Uma das primeiras identificações que criamos é com a nossa nacionalidade. Nascemos, por acaso (ou não), em um ponto geográfico específico, com determinadas fronteiras, nome, língua, cultura. Aprendemos a História desse pedacinho de terra: quem pisou ali primeiro, com quem os nossos antepassados lutaram ou não para que essa terra fosse nossa. Há sempre alguns vilões que tentaram (ou conseguiram) usurpar a nossa liberdade ou independência e nós, por outro lado, fomos vilões para outros tantos. (A identificação, nesse ponto, é tão complexa que, ainda hoje, vemos povos que se odeiam, após gerações e gerações de conflitos.) Aprendemos os símbolos dessa terra: bandeira e hino - que, muitas vezes, fala dos tais vilões que, heroicamente, derrotamos - e aprendemos a respeitá-los e até a sentir afeto por eles. Crescemos nesse  lugar e habituamo-nos ao tipo de alimentação, música, hobbies, histórias. Tudo isso começa a fazer parte de quem somos.
Um dia, resolvemos procurar outro pedacinho de terra para viver. Com outro nome, língua,  bandeira, hino, comidas, músicas, histórias e tradições. Logo a nossa mente, que se identifica com o outro lugar e que procura sempre o que lhe é familiar, começa a trabalhar arduamente. Para onde quer que olhemos, lá está ela a lançar-nos alertas "Não, não é assim que deve ser", "Não, não gosto disto" ou "No outro lugar é que é bonito e bom". Tudo se torna desconfortável e desafiante. A nossa identificação ganha força.  Parece que precisamos dessa referência para conseguir manter-nos inteiros ali, nesse lugar desconhecido. Tudo o mais desapareceu, mas ainda sabemos quem somos: somos de lá, do outro lugar onde deixamos (quase) tudo o que amamos. Dá vontade de gritar e bater no peito, com orgulho: Eu sou do outro lugar! As nossas raízes, estendem-se por quantos quilómetros forem necessários para nos manter no "nosso" lugar. No meu caso, cerca de 8000 km. Foi aqui no Brasil que me senti mais portuguesa do que nunca. Comecei a gostar de coisas que nunca me disseram nada enquanto vivia em Portugal, como o fado, por exemplo. Ouvir o sotaque de Portugal na rua fazia o meu coração disparar e ouvir o hino nacional deixava-me em lágrimas. E como era bom comer alguma coisa típica de Portugal, fechar os olhos e imaginar-me a saboreá-la lá. O tempo foi passando e comecei  a sentir-me mais confortável aqui. Aprendi, aos poucos, mais coisas sobre este outro pedacinho (bem maior, por sinal!) de terra, e comecei a gostar de várias coisas daqui e a aceitar com mais serenidade aquelas de que não gosto. Fui percebendo, a pouco e pouco que, ao mesmo que me sentia mais portuguesa, comecei, ainda que isso pareça totalmente paradoxal, a sentir-me cada vez mais uma cidadã do mundo. Não só por estar noutro país, mas por contactar aqui com pessoas de diversos países. Continuo a sentir-me afetivamente muito ligada a Portugal. Amo o meu país, admiro e respeito a nossa cultura, mas percebi que isso não é um factor excludente. Ser portuguesa não faz de mim melhor ou pior pessoa. Mais importante ainda: ser portuguesa, em última análise, não define nada do ser humano que sou. Eu sou quem sou seja em que lugar do Mundo for e "ser portuguesa"  certamente definiu parte das experiências que vivi e parte dos traços de personalidade que, eventualmente, adquiri por força de alguns hábitos e crenças estabelecidos mas entendi que, se me agarro com unhas e dentes a "eu sou portuguesa e isso, para mim, não é assim, não está certo" estou a fechar-me a outra série de experiências e aprendizagens.
Podemos sentir empatia com outras culturas, com pessoas das mais variadas origens, raças ou etnias. Isso não ameaça quem somos: enriquece-nos. Não  nos diminui em nenhum aspecto, mas liberta-nos de amarras que nos condicionam e permite-nos procurar quem realmente somos para além de todo e qualquer rótulo ou identificação que adquirimos com o tempo.  Deixamos de ser quem somos por adquirir uma nova nacionalidade, profissão, nome, peso ou o que quer que seja? Esqueçamos nacionalidade, género, idade, profissão, estado civil, signo ou qualquer outra coisa que achamos que nos define quando  começamos uma frase com "Eu sou...". O que resta? Somos todos feitos da mesma matéria, uma centelha do divino, guiados pelos mesmos ideais de felicidade. Somos todos uma única espécie e todos andamos com os pés na terra, com o céu, lua e estrelas sobre a cabeça. O mar é grandioso em qualquer lado e sempre existirão dias de chuva e dias de sol. Todos habitamos o mesmo pedacinho incrível: o planeta Terra. Não me tornei menos portuguesa: tornei-me mais humana. 



sábado, 30 de novembro de 2019

Lições que aprendi em São Paulo

Já vivemos em São Paulo há quase 8 anos. Aqui aprendi que adoro tapioca, jabuticaba, pitaia, açaí e cupuaçu. Não gosto especialmente de caqui chocolate, carambola e fruta do conde. Não gosto, de todo, de catupiry, castanha do Pará, água de coco e guaraná. Adoro fogazza, canoli e pastel de feira. Aprendi que aqui, se queremos limas, pedimos limões, e se queremos limões, pedimos limão siciliano. Aprendi a dizer "imagina" quando me pedem desculpa por esbarrar em mim na rua. Aprendi que aqui, ao invés de dois beijinhos, cumprimentamo-nos com um beijo só e, frequentemente, com um abraço. Aprendi que as crianças brincam de esconde-esconde quando estão a brincar às escondidas, de pega-pega quando jogam à apanhada e de amarelinha quando jogam à macaca. Aprendi que os bebés são bebês ou nenéns e lhes cantamos canções de ninar quando queremos embalá-los. Aprendi que aqui escutam, enquanto nós ouvimos, e assistem, enquanto nós vemos. Aqui pegam ônibus e metrô enquanto nós apanhamos o autocarro ou o metro. Aqui, vamos ao pronto-socorro quando queremos ir às urgências. Vamos ao banheiro, se queremos ir à casa-de-banho (e, na privada, damos descarga quando puxamos o autoclismo na sanita). Abrimos a geladeira ou o freezer para fazer o almoço, enquanto nós abrimos o frigorífico ou o congelador. Aqui não é o Pai Natal que chega no Natal, mas o Papai Noel. Aqui há palavras que em Portugal são comuns e aqui são inadequadas, e vice-versa, mas as palavras mais bonitas da nossa língua, são comuns aqui e aí: amor, saudade, amizade, sonho, esperança, fé.

Posso dizer, com toda a certeza, que não sou a mesma pessoa que chegou aqui no dia 31 de dezembro de 2011. Para ser mais exata, posso afirmar que hoje eu sou muito mais eu mesma do que naquele dia. Em 2011, com 30 anos, sentia-me velha e sem grandes perspetivas de nada. Tudo, absolutamente tudo, me remetia a casa, ao meu país, à minha cidade, à cultura com a qual me identificava, ao estilo de vida a que estava habituada. Para tudo eu tinha uma comparação - "lá em Portugal.." - e, em tudo, o lado de lá do oceano saía a ganhar. Não, eu não gostava de São Paulo, e praticamente tudo aqui me irritava, me tirava do sério, desde o sistema de entrada nos bancos que nos obriga a tirar toda e qualquer coisa dos bolsos, ao facto de ninguém parar nas passadeiras para o pedestre passar, à loucura e imprevisibilidade do trânsito, ao facto de se deixar os sacos de lixo na rua, encostados a um poste, à chuva torrencial que caía todos os dias naquele verão e que fazia com que o dia terminasse por volta das 15h, pois não queria arriscar ficar com uma criança de 2 anos presa nas recorrentes enchentes desses dias - numa dessas, chegamos a casa feito pintos molhados, e jurei para nunca mais! -, às incontáveis vezes que, decorrente dessas chuvadas, ficávamos sem luz por horas a fio.
Nas primeiras semanas eu só tinha uns milésimos de segundo de paz: aquele momento em que, nem acordada nem a dormir, eu ainda não me lembrava que estava aqui.
Foi então que senti na pele a primeira lição que São Paulo me ensinou:

- O que a nossa mente rejeita, o nosso corpo rejeita.

Nos primeiros meses em São Paulo, eu estive praticamente sempre doente. Comecei com uma gripe. A gripe evoluiu para umas secreções de cores que eu nunca tinha visto na minha vida! As dores de cabeça eram absolutamente insuportáveis. Pela primeira vez na minha vida, tive uma crise de sinusite. Fortíssima. A dor de cabeça era tal que descia pelos ossos da face e chegava aos dentes! Só passou com o segundo antibiótico. Concomitantemente a isso, andava com as pernas e braços cheios de bolotas enormes, inflamadas e doloridas das picadas dos insetos às quais, obviamente, eu fazia alergia. Também tive uma crise enorme de aftas em que, por alguns dias, mal conseguia comer. Depois veio uma infecção urinária. Eu não aceitava que estava em São Paulo, não aceitava a cidade, não aceitava a realidade em que estava, e o meu corpo refletia, de todas as formas, a minha rejeição. Realmente é verdade o que dizem: o corpo ouve tudo o que a nossa mente pensa e reage a isso. Viver aqui cansava-me. Sentia-me exausta, descrente. Depois de tempos e tempos de autocomiseração, cheguei a um ponto em que senti que não podia continuar assim. Tinha de escolher: continuar a definhar aos poucos ou mudar, e foi nesse momento que resolvi reerguer-me ("Bom, é aqui que estou, pois então, que seja! Se é aqui que vou ter de ser feliz, o melhor é começar à procura de razões para isso.") Nessa mudança de abordagem, o meu maior professor foi o meu filho, na época, com 2 anos de idade. Foi com ele que aprendi outra lição que apenas conhecia intelectualmente:


- É no presente que somos felizes.

Quem nunca ouviu estes clichês? Quem não os repete mesmo não lhes sentindo verdadeiramente o significado? Quem nunca ouviu dizer que qualquer criança no mundo tem tanto, mas tanto para nos ensinar sobre a simplicidade da vida?
Nos primeiros meses aqui em São Paulo, eu não trabalhava. Ficava em casa com o Mateus ou levava-o a passear um pouco - de manhã, fora do horário de perigo das chuvadas!
O Mateus, naquela época, estava muito dependente de mim. Às vezes, até ir à casa-de-banho era um drama: logo que eu saía do campo de visão dele, abria o berreiro. Se estava a cozinhar, chorava agarrado às minhas pernas que queria colo. Havia dias em que me sentia tão exausta que a sesta dele à tarde era uma benção para mim. No entanto, era o Mateus o meu principal alento todos os dias. O sorriso, as brincadeiras, o carinho. Tudo isso faz qualquer coisa valer a pena. Comecei a encarar cada dia perto dele como uma dádiva. Que mãe tem o privilégio de acompanhar o crescimento do filho de tão perto? Ver as conquistas diárias dele e partilhar momentos de alegria com ele mudou a minha forma de encarar a vida. A forma como ele encarava a vida mudou a minha visão do mundo. Já observaram uma criança a brincar? A correr? A forma como sorri, como cai na gargalhada? A forma maravilhada com que encaram cada descoberta, cada novidade, cada momento do seu dia. E não, não estamos a falar de coisas muito elaboradas. Pode ser o cachorro que passa na rua. A terra nas mãos. O passarinho a voar. O pulo que aprenderam a fazer. A panela em que conseguem entrar. O som de algum objeto. Uma música. Tudo capta a atenção delas, tudo é um pretexto para se sentirem felizes. Para uma criança tudo é intenso. É genuína a forma com que fazem tudo: rir, chorar, acarinhar, reclamar. Para uma criança, tudo o que importa é aquele momento, aquela bolacha, aquela brincadeira, aquela história, aquele carinho. Não importa ontem, nem amanhã. Nada disso existe verdadeiramente para uma criança de 2 anos. O que existe é o Agora. Presente. E elas fazem-se presentes. Entregam-se. Inteiras. E então eu percebi...

- A felicidade é uma escolha que se faz a cada momento.

Esta é uma lição difícil de aceitar. Estamos programados para viver de acordo com a crença oposta: quando eu tiver aquela casa, vou ser feliz. Quando eu tiver namorado, vou ser feliz. Quando eu tiver aquele emprego, vou ser feliz. Quando eu tiver saúde, vou ser feliz. Quando eu viver naquela cidade, vou ser feliz. Quando tiver um filho, vou ser feliz.
Eu decidi ser feliz Aqui e Agora. Como? Mudando a forma de ver a vida. Aprendi que a grande questão é: perspetiva. Nós podemos escolher focar-nos naquilo que não temos, e viver infelizes, ou focar-nos naquilo que temos, e viver felizes. Podemos escolher focar-nos em todas as coisas que achamos que merecemos, que devíamos ter e não temos (isso inclui não só coisas materiais, mas sentimentos como respeito, consideração, atenção, etc), e viver amargurados, ou focar-nos em todas as grandes e pequenas coisas pelas quais nos sentimos gratos, e sentir-nos abençoados. Isso é o poder da gratidão, que é outra grande lição que aprendi. Mudar a nossa perspetiva de "o que eu quero" para "o que eu tenho" faz-nos perceber, automaticamente, inúmeras coisas todos os dias pelas quais somos felizes.
Podemos e devemos escolher a melhor perspetiva para encarar a vida. Ninguém nem nada nos obriga a focar em um ou outro. Não estamos condenados a ter o nosso foco programado para uma ou outra perspetiva. É uma escolha.
 No meu caso, o primeiro passo para mudar a forma de olhar para São Paulo foi a busca da beleza. Já dizia Einstein: "O estudo em geral, a busca da verdade e da beleza são domínios em que nos é consentido ficar crianças toda a vida." E, lá está, ficar crianças, significa ter capacidade de nos maravilharmos perante tudo e nada. Isso mudou a minha forma de estar. As coisas são como nós as vemos. Eu podia continuar a ver São Paulo com os mesmos olhos e considerá-la uma cidade horrível, ou dar uma hipótese de vê-la sob outra perspetiva. Isso foi o grande ponto de viragem. Se pararem para pensar, as "lentes" com que observamos o mundo, afetam e determinam, em grande escala - ou mesmo totalmente -, a forma como o mundo se nos apresenta. Dou-vos um exemplo banal. Quando eu era criança e parti a perna, de repente, parecia-me que havia uma quantidade enorme de pessoas de perna/pé partido na rua a andar de muletas como eu, e quando estava grávida, da mesma forma, parecia-me que havia milhares de grávidas a passear por Lisboa. Certamente nem em uma nem em outra ocasião aumentou o número de pessoas de muletas ou grávidas e nem agora despareceram da face da Terra. O que muda é o nosso foco. É o nosso foco e atenção que muda o mundo e não o inverso. "Quando mudamos a forma como olhamos para as coisas, as coisas para as quais olhamos mudam."(Wayne Dyer). Quer ser feliz? Escolha isso! Mude a forma de pensar, mude a forma de sentir. E faça-o numa base diária, a cada momento. Essa é outra coisa que aprendi, não só aqui, mas ao longo dos anos: algumas mudanças levam tempo e exigem entrega e repetição."A prática não tem a habilidade de descriminar entre padrões negativos e positivos, e o que quer que seja que pratique, é aquilo em que vai tornar-se bom." (Dandapani). Pratique a autocomiseração, a reclamação e é nisso que vai ser bom. Pratique a gratidão, e emoções mais elevadas (amor, empatia...), e é nisso que vai ser bom. Escolha aquilo em que quer ser bom. Não espere que o mundo mude para mudar. Mude primeiro e veja como o mundo se transforma.
Quando o meu olhar se focou em procurar beleza em São Paulo, quando o meu filtro mudou, eu comecei a encontrar beleza em todo o lado! Aprendi que São Paulo tem árvores centenárias, grandiosas, inclusivé árvores com frutos, tem lindas borboletas - e, curiosamente, nunca vi tantas borboletas e tão incrivelmente bonitas quanto aqui!- , pássaros a cantar e é florida mesmo no inverno! A cidade não mudou. Eu mudei. Apaixonei-me pelo canto do sabiá, pelos ipês, rosa, amarelo e, principalmente os brancos, que até hoje me arrancam largos sorrisos e arrepios na espinha perante tamanha beleza. Concordo com Stephen Hawking que dizia que "devemos olhar para cima, para as estrelas, e não para os pés", e costumo dizer ao Mateus que ande na rua a olhar para cima: é lá que encontramos a beleza. Dificilmente nos pés e na calçada. Ao olhar para cima vemos as flores nas árvores, lindas borboletas, um céu azul com lindas nuvens desenhadas. Fico sempre com pena quando vejo as pessoas apressadas na rua, a passar por baixo das flores maravilhosas dos ipês sem nem se darem conta. Acho os grafitis da cidade incríveis e o caos que antes me mexia com o sistema nervoso, aparece-me agora como um espetáculo incrível de diversidade. Adoro andar na Avenida Paulista e observar aquela azáfama, as pessoas de todas as raças, credos e etnias, os vendedores ambulantes, os músicos, mágicos, vendedores de frutas. E esta é outra lição que aprendi...

- Há muito mais que nos une do que nos separa.

Seja em que lugar do mundo for, as questões humanas são essencialmente as mesmas. Aquilo que nos move, aquilo que nos assusta, o que nos emociona, o que nos magoa. Os sonhos, medos. Mais do que portugueses, brasileiros, brancos, negros, homens, mulheres, somos todos humanos. E essa condição une-nos mais do que qualquer tipo de identificação que tenhamos estabelecido com qualquer desses parâmetros. Aqui em São Paulo conheci pessoas absolutamente incríveis, de todas as nacionalidades. Com algumas delas senti uma empatia quase imediata. Aprendi que as generalizações apressadas que tantas vezes nos habituamos a fazer, são precipitadas e inúteis. "Brasileiros são assim, portugueses são assado, americanos são cozido, japoneses são frito". Embora haja traços culturais que herdamos da educação que recebemos, cada um é o que fizer de si mesmo. Há pessoas assim, assado, cozido e frito seja em que lugar do mundo for. Não é nacionalidade nem coisa nenhuma que define isso. Não somos moldados de uma forma irreversível. Somos obras em progresso. Constante. Eterno. Podemos mudar qualquer coisa em nós a qualquer momento. É uma das coisas que nos define, em qualquer lugar do mundo, como seres humanos: temos livre arbítrio para escolher e força de vontade para seguir a escolha que fizemos. "Somos aquilo que fazemos. Principalmente aquilo que fazemos para mudar aquilo que somos." (Eduardo Galeano) Isso leva-me a umas das mais importantes lições que aprendi nos últimos anos:

- Somos nós que escolhemos as crenças que temos.

Esta é uma verdade que tenho lido, por aí, dita pelas pessoas mais variadas, das formas mais diferenciadas. A primeira vez que contactei com isso foi lá por 2007 ou 2008 quando vi o documentário maravilhoso "Vinicius" pela primeira vez. A dada altura, aparece o poeta Ferreira Gullar a falar, e diz: "Eu acho a Vida uma invenção: se você quer inventar para o ruim, inventa para o ruim; se quer inventar para o bem, inventa para o bem. Eu tenho horror a ficar sempre pra baixo, sempre dizendo "A Verdade sobre a existência", e coisas desse género. Ninguém sabe qual é a Verdade! Você escolhe dizer que tudo é uma merda e nada tem sentido - não ajuda ninguém, pode até ganhar o prémio Nobel, mas não ajuda ninguém... Eu prefiro o cara que bota a vida pra cima: já que ninguém sabe qual é a verdade mesmo, vamos botar pra cima!"
A realidade é que a maioria de nós vive agarrado a crenças que nos limitam. Desde as coisas mais simples como "Se eu comer um gelado no inverno vou ficar com dor de garganta" ou "Sempre tenho dor de cabeça uma semana antes de ficar menstruada", a coisas mais complexas como "Nunca vou encontrar ninguém para partilhar a minha vida" ou "Nunca vou conseguir melhorar a minha situação financeira" ou "Sou uma pessoa desastrada, ou azarada ou propensa a doença", ou ainda conceitos relacionados com educação, casamento, religião que temos como verdades absolutas. Quem disse que é assim, ou que vai ser assim? Todas essas crenças são baseadas em "lixo" que armazenamos no cérebro, de memórias e experiências passadas. Como explica Joe Dispenza: "Você sabe que, quando recria repetidamente as mesmas emoções até não conseguir pensar com maior grandeza do que como se sente, seus sentimentos são registros de experiências anteriores, você pensa no passado. E, pela lei quântica, você cria mais passado." Acredite que a dor de cabeça é inevitável todos os meses, e ela estará ali, como sua fiel companheira, não a decepcionando. A nossa mente acredita no que quer que lhe digamos. "As palavras são poderosas, e a mente está sempre a ouvir." (Marisa Peer). Faça a experiência. Feche os olhos, relaxe e imagine que espreme um limão na boca. Saboreie cada gota do sumo amargo do limão. Não basta pensar no limão. Sinta a acidez, o gosto do sumo de limão na sua boca. Em poucos minutos, realmente sentirá que começa a salivar e que sente o gosto do limão. Ou experimente recordar uma lembrança maravilhosa da sua vida. Reviva-a em detalhes. Lembre o que via, o que ouvia, cheirava e, principalmente, o que sentia. Sem dúvida começará a sentir-se imbuído dos mesmos sentimentos especiais que essa lembrança boa lhe traz. A sua mente é receptiva a tudo o que lhe quiser transmitir. Então, por que não escolher bons pensamentos, elevados, positivos, poderosos? Nós sabemos qual vai ser o desfecho seja do que for? Nós sabemos como vai correr, o que vai dar certo ou não, o que funciona ou não? Então porquê ficar agarrado a crenças que nos magoam, limitam e diminuem? Criemos crenças que nos empoderam, que nos expandem, que nos soltam amarras do passado e tragam para o presente e para o futuro! "Não faça os seus sonhos caber nas suas crenças limitadas, mude as suas crenças para que abarquem seus sonhos." (Marisa Peer).


- Eu sou totalmente responsável pela minha felicidade e não pela dos outros.

Todos nós temos prazer em fazer o bem a quem amamos. Gestos, palavras. No entanto, por mais que façamos seja por quem for no mundo, a felicidade dessa pessoa não está nas nossas mãos. Podemos fazê-la sentir-se acarinhada, amada, valorizada, que são coisas que qualquer ser humano gosta de sentir, mas a felicidade de cada um é responsabilidade de cada um. É escolha de cada um. Às vezes, por mais que façamos, a outra pessoa não será feliz. E isso não é culpa nossa. Da mesma forma, não podemos deixar na mão de ninguém a responsabilidade pela nossa própria felicidade. "Quando a sua felicidade depende de algo externo, você torna-se um escravo das circunstâncias." (Sadhguru) A maior liberdade que podemos ter é saber que a forma como nos sentimos e como encaramos as circunstâncias da vida, está totalmente nas nossas mãos. "Como eu sou é escolha minha. Não importa o que outros façam, ninguém pode deixar-me zangado, feliz ou infeliz. Eu reservo esses privilégios para mim mesmo." (Sadhguru) Se estamos doentes, tomamos um remédio. Se estamos com fome, comemos. Se nos sentimos infelizes, achamos que as circunstâncias têm de mudar, o outro tem de mudar, o mundo tem de mudar. Nunca pensamos que somos nós que temos de mudar. Nunca pensamos que, se o problema está em nós, a solução também está em nós. Pare de arranjar desculpas ou culpados para a sua infelicidade: assuma a responsabilidade de ser feliz, sem depender de nada nem de ninguém.

- Aceitar os outros exatamente como eles são.

Esta foi uma das lições que mais paz trouxe à minha vida. É uma verdade profundamente libertadora. Quando aceitamos os outros exatamente como eles são, esperamos deles nada mais nada menos do que aquilo que eles nos podem dar (pelo menos naquele momento). O grande problema da maioria das relações é que estamos sempre à espera que os outros sejam, reajam, ajam, como nós achamos que deveria ser ou como nós seríamos perante aquelas dadas circunstâncias. A partir do momento em que não esperamos nada do outro que o outro não posso dar-nos, a relação torna-se mais leve e plena. Todos podemos mudar, a qualquer momento, claro. Mas ninguém muda ninguém. Ninguém vai ser da forma que queremos que seja só porque nós queremos. Se alguém mudar alguma coisa, parte de si mesmo essa intenção de mudar. Não devemos desejar que os outros mudem para nos agradar. Devemos aceitá-los como são, e viver em paz com isso. Não sofrer se um não telefona, se o outro não aparece, se o outro não dá presente, se o outro não demonstra afeto, se o outro é mais insensível a dar as opiniões. Cada um reage à sua maneira, sente à sua maneira, demonstra à sua maneira. Eu sou fiel ao que acredito, e comprometo-me com os outros da forma que sinto ser a certa, independentemente do que o outro lado faz ou deixa de fazer. O que os outros fazem, é assunto deles. O que eu faço, é assunto meu. Aprender a relacionar-me com os outros sem deixar que expectativas erróneas me atrapalhem, tem sido um excelente aprendizado. Nem por isso é uma visão pessimista da vida. Eu dou o meu melhor e sempre espero o melhor de cada um, mas como cada um é como cada qual, o melhor de um e o que espero de um, não é o mesmo que espero de outro. Digamos que, de uma mangueira, eu espero as mangas mais doces, de uma macieira, espero as maçãs mais suculentas, mas se eu viver à espera que uma laranjeira me dê amoras, vou viver constantemente frustrada.

- "Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses" (Sócrates)

Logo no começo da minha vinda para São Paulo, estavam perdidos aqui por casa "O poder do Agora" de Eckart Tolle e "Comer, Amar e Rezar" de Elizabeth Gilbert. Logo depois, recebi de presente "Consciência" de Osho. Cada um deles veio parar às minhas mãos no momento perfeito. De Osho já tinha lido vários livros e desde os meus 18 ou 19 anos que os assuntos que ele aborda germinavam na minha cabeça, principalmente, meditação. Já conhecia Tolle, tinha visto vários vídeos dele, mas nunca tinha lido nenhum livro dele. "Comer, Rezar e Amar", sabia que era um filme, mas nem nunca tinha tido curiosidade de ver. O livro foi revelador para mim, principalmente o capítulo "Rezar". Tudo em mim me dizia que meditação era um caminho para mim. Arrisco-me a dizer "O" caminho. Ainda assim, demorei vários anos a embrenhar-me nisso. Pensava "Não sei como", "Talvez um dia eu aprenda, se encontrar onde, como". Enfim, apegada a tantas daquelas crenças  que nos limitam. A primeira vez que tentei ler "Autobiografia de um Iogue", de Yogananda, pouco depois de ler "Comer, Rezar e Amar", não passei das primeiras páginas. Pareceu-me demasiado para digerir. Não consegui absorver. Demasiado místico para o meu estado de espírito daquela época. Não era o momento certo e não tinha a receptividade necessária para aquela leitura. Há cerca de dois anos peguei no livro novamente e, literalmente, mudou a minha vida. De alguma forma, tocou-me profundamente, identifiquei-me, inspirou-me. Comecei a tentar meditar, à minha maneira, ainda antes de acabar de ler o livro. Basicamente segui algumas indicações do próprio Yogananda, e fechei os olhos para ver o que acontecia, o que estava ali, além da escuridão. O que eu "vi", motivou-me a procurar cada vez mais e mais. Continuo a não ser nenhuma expert. Sou, essencialmente, uma autodidata - hoje em dia é fácil obter informação sobre o que quer que seja graças à internet, então, fui-me aprofundando no assunto, lendo, lendo, vendo vídeos, fazendo masterclasses online, lendo mais e, acima de tudo, experimentando. Posso afirmar que sou uma buscadora, e o melhor dessa busca é que o caminho, em si e por si só, já é profundamente revelador e recompensador .


- O tempo é precioso

Vou muito pouco a Lisboa e, consequentemente, passo muito pouco tempo, fisicamente, com a minha família. Isso tornou-me uma pessoa extremamente seletiva com o meu tempo. Nas primeiras viagens que fizemos a Lisboa depois de viver aqui, tentava ver o maior número de familiares e amigos possível. Dividíamos o tempo entre aqui e ali, entre este e aquele, entre um passeio e outro. Era uma correria. Hoje em dia, as nossas viagens a Lisboa são muito mais simples e tranquilas: passamos o máximo tempo de qualidade possível com a família. Entendo, hoje, que tempo e atenção são as melhores coisas que podemos oferecer a alguém. Prefiro investi-lo em estar com quem mais importa para mim. Não significa que não goste dos amigos, que não aprecie o tempo que passo com eles - e faço questão de ver e dar um forte abraço aos amigos que amo como se de família se tratasse. Apenas valorizo mais o tempo que posso estar com a minha família. E não imaginam como é bom fazer coisas simples do dia-a-dia, como ir ao supermercado, ficar sentado no sofá a ver televisão, ficar a conversar, ir tomar um café. Simplesmente estar junto, estar perto. O tempo é verdadeiramente precioso. E eu escolho oferecer o meu de forma criteriosa.


- É preciso manter a atenção em tudo aquilo que já aprendemos

A maioria das coisas que aprendemos, se não praticamos, estagnam ou até as esquecemos um pouco. Algumas coisas, temos imperativamente de praticar todos os dias. Se algumas coisas que aprendi se tornaram facilmente parte da minha rotina, outras são mais difíceis de "agarrar". Às vezes elas escapam-me e eu caio em velhos hábitos que não pretendo manter na minha vida. O importante é, precisamente, saber o que queremos e o que não queremos. Isso faz com que o nosso desvio do caminho seja sempre cada vez menor, assim como o tempo que demoramos a retomar o curso. É essencial manter a atenção. Perceber quando as coisas nos estão a fugir, parar para refletir, e recentrar-nos, sem autocomiseração, sem culpas. A nossa mente tem uma tendência natural para o negativismo - herança do instinto de sobrevivência do Homo Sapiens que tinha de estar sempre alerta para momentos de iminente perigo - e é muito fácil ceder a hábitos que perpetuamos por anos e anos. Mas a nossa mente é uma ferramenta poderosa, e faz aquilo que lhe dissermos. Façamos nossas escolhas com atenção e consciência e, certamente teremos uma vida mais tranquila e feliz.