sábado, 29 de fevereiro de 2020

Eu e o medo

Sou apaixonada por ginástica artística desde que me entendo por gente. Acho que as minhas memórias mais recônditas são relacionadas à ginástica: com 2 ou 3 anos de idade, vidrada na televisão a ver os campeonatos. Depois de anos a pedir aos meus meus pais, prestes a completar 6 anos comecei, finalmente, a praticar. Era a minha grande paixão. Adorava ir para os treinos. Aliás, o pior castigo que me podiam dar era proibir-me de ir ao treino.
Nos 7 ou 8 anos em que fui atleta de competição, fui colecionando preciosas lições que trago comigo para a vida. Uma das principais é sobre o medo. Lembro-me claramente de, nos primeiros anos da ginástica, não sentir medo de nada. Absolutamente nada. Tudo era uma aventura, descoberta, tudo era novidade, cativante. A treinadora explicava o movimento novo que íamos fazer e nós, pequenas e inconscientes, atirávamo-nos sem pestanejar! Não havia hesitações. Apenas um enorme entusiasmo de fazer uma coisa nova, impensável até àquele momento. "Vamos fazer pirueta." O nosso pensamento era "Boa!" Tudo o que fosse novo, ousado, era simplesmente incrível para nós. O problema surge quando os pensamentos começam a trair-nos. Em algum momento, quando a treinadora explicava o que íamos fazer, apesar de me sentir motivada para fazer uma coisa nova, também sentia um friozinho na barriga e várias imagens surgiam, inadvertidamente, na minha cabeça de tudo o que podia correr mal "E se o pé escapar? E se não subir o suficiente? E se?.. E se?.." Pior ainda era quando caíamos mal a fazer algum movimento. Depois de verificar se não nos tínhamos magoado, a primeira coisa que nos diziam era " Vai lá e faz novamente." Logo em seguida. Sem nos dar muito tempo para pensar. Mas como os pensamentos ficavam velozes nesses momentos! Lá vinham todos aqueles cenários desfavoráveis. Tremia por dentro. Oscilava entre "Vamos lá: eu sou capaz!" e "Eu não consigo. Não consigo." E então vem a segunda parte da lição: realmente o medo tinha de ser vencido ali, na mesma hora. Quanto mais deixava passar, mais difícil ficava, mais o medo se instalava em mim e mais força eu tinha de ter para o vencer. Lá ficava eu, a ganhar coragem, naquele "vou" "não vou".  No momento em que, finalmente, me decidia por fazer o que tinha de fazer, enfrentava a última parte da lição: quando decidimos que vamos, vamos! Todas as hesitações ficam para trás. Só há um caminho possível: foco total na direção do nosso objetivo. Não dá para tentar fazer um mortal para a frente na trave e arrependermo-nos a meio do caminho. É queda certa e, provavelmente, bem feia.Tal como acontece quando estamos a preparar uma música nova. Há passagens que nos desafiam, que são tecnicamente difíceis. Quando, na música, começamos a aproximar-nos daquelas passagens, a mente já começa a vagar a 300 km/h. Uma hesitação, um momento de dúvida e teremos a passagem "suja". Se nos "encolhermos", a passagem pode até não ter erros, mas não cativará ninguém que nos ouça. É preciso esquecer o medo e colocar-se inteiro ali, com fé, como dizia o meu professor. Imaginem que, num parque aquático, subimos lances e lances de escadas para descer por um escorrega radical. Chegamos lá a cima, olhamos para baixo, e hesitamos. Ainda assim, optamos por escorregar mas, no meio do caminho, arrependemo-nos e começamos a tentar segurar-nos de qualquer forma, parar. Impossível! Tentar parar num situação dessas só vai ter resultados nefastos para nós. Por isso, quando decidimos que vamos, vamos com tudo, com todas as nossas forças! Deixamo-nos ir. Quantas conquistas alcançamos ao vencer os nossos medos naquele ginásio? Quantas conquistas alcançamos na vida por vencer os nossos medos e inseguranças? Não são os nossos medos que nos definem, mas a nossa coragem e audácia para os ultrapassar. Essas, sim, vão definir até onde podemos chegar. E a verdade é que ninguém conhece os seus limites até os testar. Teste-os novamente e encontrará novos limites, um pouco mais além. Logo ali, depois do medo, está a nova saída da trave, a nova pirueta no solo, o novo emprego, a nova relação, o filho, a experiência inesquecível de pular de paraquedas, subir uma montanha ou mergulhar no oceano, a nova manobra no skate, a nova amizade, o perdão, a nova receita, a tão esperada viagem, o livro, a palestra, o filme, o curso, o blog, o novo visual, a música. Logo ali, depois do medo, está a Vida. E é sempre o amor que nos leva até lá.

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