quarta-feira, 5 de março de 2014

Eu e o carnaval

Quando era criança tive a sorte de ter uma avó costureira de muito talento e uma mãe que aprendeu muito com ela, por isso, tive sempre fantasias de carnaval personalizadas e bem mais elaboradas do que as que eram vendidas nas lojas. Lembro-me de me ter mascarado de princesa indiana, de palhaço e de Sheera, por exemplo. Depois, deixei de achar graça a mascarar-me no carnaval. Não quis mais. O carnaval era só um dia diferente na escola em que os meninos mais pequenos como o meu irmão se mascaravam e ficavam umas fofuras, e nós, não tão pequenos, tentávamos sempre ir sem farda para a escola. Durante alguns anos, até colou a história de "estar mascarado de civil" e era uma alegria para nós, um dia no ano, andarmos na escola sem a farda cinzenta de todos os dias. Era também a temporada de caça com ovos e balões de água. Nem sempre agradável...Ainda para mais considerando que o carnaval, em Portugal, corresponde a uma época de frio.
Também sempre nos entrou pelas cores da televisão as imagens do carnaval no Rio de Janeiro. Crescemos com aquela imagem que nos vendem: carros enormes, com bonecos e todo o tipo de parafernália decorativa e, claro, as mulheres de corpos esbeltos e impressionantemente trabalhados que se exibem em fantasias minimalistas. Eu nunca entendi nada do que se passava aqui no carnaval. Só que há pessoas que vivem o ano inteiro a pensar nisso, que é uma imensa festa, que as mulheres andam nos desfiles praticamente sem roupa, como se estivessem na praia em pequenos biquinis , e que os desfiles são uma mostra de enormes e sumptuosas maquinarias de ornamentação. Pois agora pasmem-se: o carnaval, afinal, não se trata só de mulheres a abanar os "bumbuns" desnudos. Cada desfile tem um fio condutor: o enredo. Um tema. A partir desse tema, constrói-se o samba: melodia e letra da música. A partir da letra da música, são imaginadas várias alas: conjuntos de pessoas com a mesma fantasia. Cada ala representa algum aspeto que é retratado na música, ilustra visualmente alguma temática que é cantada no samba. No fundo, é tudo uma grande encenação.
Uma das coisas mais importantes de qualquer escola de samba é a bateria: o conjunto de pessoas que constitui a percussão. Isso, para mim, é impressionante. Talvez por a minha formação ser na Música. Centenas de pessoas, de todas as idades, desde crianças a mais maduros, com vários tipos e formas de instrumentos de percussão - alguns eu nem sabia que existiam!-, guiados por gestos ou apitos. Uma sincronia emocionante de pessoas que, na sua grande maioria, não têm qualquer formação musical. Ainda assim, com empenho e muita paixão, agarram nos instrumentos, e conseguem executar, sem fugir à pulsação, combinações rítmicas durante mais de 1 hora, ininterruptamente. É admirável. Eu já desfilei por uma escola de samba de São Paulo e digo-vos: os momentos iniciais do desfile quando os cantores lançam o "grito de guerra" e os primeiros passos que se dão na avenida são verdadeiramente emocionantes.
E, na verdade, para além de tudo isto: o carnaval é uma competição! Quem diria? É uma competição entre escolas de samba! Há um juri atento a cada passo de cada ala, critérios de avaliação e, no final, um vencedor.

Bloco Esfarrapado
Não sei se sou só eu, mas nunca na vida, lá do outro lado do mundo, nada disto me tinha passado pela cabeça. Parecia-me tudo...aleatório. Só um monte de gente fantasiada a passear pela avenida. Realmente até existe esse tipo de carnaval aqui: são os blocos. Um monte de gente fantasiada (ou não), pelas ruas fora a seguir um carro (trio elétrico) em que uma banda ou cantor vai em cima a animar a festa. O outro, o tal das mulheres a sambar na avenida com fantasias que tapam apenas o essencial , não é nada disso. É uma acérrima competição, e as pessoas tendem a torcer pelas escolas de samba da mesma forma que o fazem pelas equipes de futebol: cada um torce incondicionalmente pela sua.
Bloco Esfarrapado
Quando se vê o carnaval com os olhos daqui, é bem diferente o cenário com que nos deparamos- pasmem-se novamente: segundo uma pesquisa, cerca de metade da população brasileira não gosta de carnaval! E muitos brasileiros lamentam que o seu país seja apenas visto, por muitos, como uma mera conclusão precipitada baseada em flashes de imagens: o país do futebol e do carnaval, leia-se, das mulheres vistosas e pouco vestidas a balançar-se pela avenida dos desfiles. É isso, sim, e, felizmente, muito mais também. Não são (só) os "cartões postais" que fazem um lugar.