segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Eu e as comodidades do século XXI

 Desde pequena que gosto de ouvir música. Em criança/adolescente, todas as noites programava a minha aparelhagem para se desligar em 20/30m e adormecia a ouvir música. A minha aparelhagem dava para ouvir rádio, cassete e CD, o que, na época, já era uma grande evolução - os meus pais, por exemplo, ouviam música em vinil. Mais tarde, tive um walkman, que me permitia ouvir rádio e cassete em qualquer lugar. Era o nosso sonho de consumo nos anos 90. Naquela época, a melhor hipótese de ter uma música que queríamos sempre disponível para ouvir sem comprar o CD, era deixar uma cassete pronta para gravar e ficar atento à transmissão de rádio. No momento em que a música era anunciada, ou em que começava aleatoriamente a tocar, era só apertar rapidamente o botão REC e lá ficaria a música guardada, sempre com resquícios de falas de locutores ou vinhetas de estação de rádio. Eu tinha algumas cassetes gravadas assim que eram verdadeiras relíquias para mim! Nessas cassetes, também gravava do CD para a cassete e construía o que se chamaria hoje de playlists. Sabia de cor o alinhamento das músicas. Até sabia que música do lado A correspondia a que música do lado B, o que me permitia trocar o lado da cassete em momentos oportunos. Mais tarde, no carro, eu e o meu irmão fazíamos a festa com essas cassetes cheias de êxitos que adoravamos!

Quando recebíamos um CD novo, na melhor das hipóteses, conhecíamos 2 ou 3 músicas do CD. (Poderíamos ter o azar de gastar dinheiro precioso num CD que, afinal, só tinha mesmo 2 ou 3 músicas boas...) O resto do CD era descoberto ali, na primeira audição. Eu costumava ouvir os primeiros 30 segundos de cada música. Imediatamente criava maior empatia com alguma/s música/s. Depois ouvia todo o CD com mais calma e confirmava se aquelas eram realmente as minhas favoritas. E, então, ouvia-as em loop. Ao abrir o livrinho que vinha no CD - que fazíamos logo em seguida de apertar o play -, tínhamos sempre a mesma expectativa: será que vinha com as letras das músicas? Não, não tínhamos Internet para escrever "letra de...." Quando o CD não tinha a letra, aprendíamos na base da repetição e da adivinhação - quantas vezes andámos a cantar letras erradas porque parecia A e afinal era B? Cd's não eram a coisa mais barata do mundo, por isso, não era fácil coleccionar todos os queríamos. Normalmente ganhava os meus de presente de aniversário ou Natal. Lembro-me perfeitamente de ganhar no Natal Mellon Collie and the Infinite Sadness dos Smashing Pumpkins. Fiquei apaixonada pelo CD! Ouvi-o sem parar, por dias seguidos. Ou os Cds dos Radiohead, o mítico Jagged Little Pill da Alanis Morisette, os álbuns dos Nirvana. Então, quando encontrei todos esses CDs e muito, muito, muito mais, tudo com a letra a passar em rodapé no Spotify, à distância de poucos clicks e a menos por mês do que seria o preço de um CD, fiquei maravilhada. Como somos privilegiados hoje em dia! À distância de poucos clicks e uma mensalidade acessível, temos disponíveis todas, mas todas, todas mesmo as músicas que quisermos! Com letra e tudo! E ainda episódios de podcasts sobre todo o tipo de assunto. O mesmo serve para filmes e séries. Quando eu o meu irmão acompanhamos Lost ou Alias na televisão, era na base do ritual: dia tal, hora tal, pára tudo que é a nossa hora de ver televisão! Se perdêssemos um episódio, era perdido para sempre. Não tínhamos qualquer oportunidade de o rever - a não ser que gravássemos em cassete. Hoje em dia, temos à nossa disposição inúmeros serviços de streaming, e é possível maratonar as dezenas ou centenas de episódios de uma série em um dia só! Sim, nós ouvimos os nossos pais dizer "ah, no meu tempo não era assim!" Coisas simples como ter televisão a cores ou um controle remoto para mudar de canal não estiveram ao alcance deles. Agora nós olhamos para os nossos filhos e dizemos "Ah, no meu tempo não era assim!" Eles, com certeza, um dia estarão no nosso lugar. As tecnologias não param de evoluir. Como disse Camões: " mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". A única certeza que temos é que a mudança é constante e inevitável. Enquanto esse tempo não chega, eu ouço gravações históricas das sonatas para piano de Beethoven, a discografia de Radiohead, os êxitos dos anos 90, as novas músicas de 2022 e tudo o mais que me der na telha! E melhor: em qualquer lugar, a qualquer hora. (Ah, enquanto vos escrevo ouço as músicas de Max Richter e Jóhann Jóhannsson para piano).