sábado, 5 de dezembro de 2015

Coisas que fazem muitos correr




Há uns meses surgiram estes campos de futebol improvisados. Em São Paulo improvisa-se muito. De uma coisa faz-se outra, de uma coisa multiplicam-se outras. Os imensos pilares deste viaduto transformaram-se em verdadeiros alvos e crianças e graúdos fazem a festa ali com uma bola de futebol.
O que importa é ser feliz, não é verdade? E pelo que me apercebo, estes mini-campos têm feito a felicidade a muita gente.

domingo, 29 de novembro de 2015

Coisas que me fizeram parar


Neste caso, eu estava parada, em plena Avenida Paulista, dentro de um ônibus, e tentei fotografar uma parte que fosse de uma calçada que chamou muito a minha atenção: ampla e larga ficou transformada num enorme caderno, cheio de frases, pensamentos, reflexões, desabafos, sonhos.
Já tem sido comum a Paulista dar voz a todos - é o principal palco de manifestações em São Paulo - , e naqueles dias, não foi diferente.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Natal a caminho

Loja Havaianas, R. Oscar Freire


Um Papai Noel à brasileira! Havaiana no pé, óculos de sol, bermuda e t-shirt.
Cool!..

Coisas que me fizeram parar


A fotografia não está das melhores porque, ao ver isto pela janela do ônibus, rapidamente peguei no meu telefone e tirei a fotografia que foi possível naquele curto espaço de tempo em que ali estivemos parados. Ainda assim, embora o reflexo da janela do ônibus não tenha contribuído, ficou perceptível.
Gosto.
Subscrevo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Coisas que me fazem sempre parar



aqui escrevi sobre isto. Como eu amo o azul-do-final-dia-e-começo-da-noite! Nas últimas quintas-feiras, ele sempre está ali antes das minhas últimas aulas: cumprimenta-me, eu sorrio-lhe, agradeço a sua presença, e ali ficamos, em silêncio, em comunhão por alguns minutos. Não há coisa melhor do que a natureza, os milagres de beleza com que nos cruzamos todos os dias para nos trazer de volta ao centro. Um olhar, um suspiro e tudo pára. O próprio tempo fica suspenso. Não é mágico? Se o truque para ser feliz, dizem, é nos mantermos presentes, aqui e agora e educar a mente a parar de pulular entre o passado e o presente, com certeza uma das ferramentas mais eficazes para isso passa pela contemplação. Uma das minhas preferidas é este azul. A outra, já sabem, é o meu filho. Não encontro na vida maior nem mais belo milagre.
Agora passaram quase quatro anos desde que estou aqui e aprendi que o céu é azul em todo o lado, à sua maneira e, mesmo o nosso azul preferido, pode aparecer de vez em quando, basta que estejamos dispostos a olhar para cima com coração de ver.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Eu e os tempos que correm



Esta frase estava colada num ponto de ônibus há umas semanas. Não resisti a fotografar. Esta desumanização sente-se entranhar na pele todos os dias em São Paulo: não só a vemos como, infelizmente, a vivenciamos. Temos medo de falar com estranhos, medo quando um estranho nos encara, medo se alguém nos pergunta as horas ou uma direção, fingimos não ver o mendigo a procurar comida no lixo ou o outro a dormir descalço no chão. Desviamo-nos deles, como se não fossem pessoas ali deitadas no chão. Seguimos o nosso caminho. Finjo não ver, mas sinto essa desumanização abater-se sobre mim, corroer a minha sensibilidade e todos os valores que prezo. Sigo em frente, e levo em cada passo seguinte o peso da impotência.
E no meio deste cenário, a semana passada presenciei o oposto. Estava à espera de um táxi. Avisto um. Está ocupado. Uma senhora desce do táxi e o taxista faz-me sinal de que está livre. Entro e ele começa a contar-me: "coitada dessa senhora...estava ali parada no ponto de ônibus lá atrás e um sem teto estava mexendo com ela. Não mexendo mexendo, sabe? Mas, claro, nenhuma mulher fica confortável naquela situação e eu vi que ela estava constrangida, então, falei "sobe aí que te deixo no ponto la na frente". Ela ficou me olhando, desconfiada. São os tempos que a gente vive, sabe? Ninguém confia em ninguém, ninguém acredita em ninguém. Ela me perguntou "mas eu vou entrar aí? Assim? Eu não tenho dinheiro não, moço". Eu falei para ela "não estou pedindo dinheiro, minha senhora, não vou lhe cobrar não. Fique tranquila. Eu vou fazer este caminho mesmo e não tenho nenhum cliente aqui no carro, então, posso deixar a senhora lá na frente, no próximo ponto. Para mim não faz qualquer diferença, e ajudo a senhora." Ela entrou, ainda meio desconfiada. Aí, no final, me agradeceu muito, e desceu aqui e a senhora entrou."
Fez uma pausa na sua história, e continuou: " Sabe, eu fico muito triste de ver o mundo em que a gente vive agora. Um mundo em que a gente não consegue nem fazer um gesto de bondade, pois é mal interpretado, um mundo em que toda a gente se olha de lado ou todo o mundo vira a cara para todo o mundo. Eu acho muito feio esse mundo aqui." Concordei. "É que a gente vê muita maldade por aí, eu sei. Entendo isso", continuou ele, "Mas...nem toda a gente é má, e nem tudo é mal intencionado. Ainda há gente boa por aí. Eu me lembro de um tempo em que se respeitava as mulheres, se respeitava as pessoas idosas, em que se dizia "bom dia" e "boa tarde". E mesmo neste tempo que a gente vive em que impera a maldade e a falta de educação, ainda há gente educada e que quer o bem dos outros."
Curiosamente hoje, no ônibus, sentei-me ao lado de uma senhora idosa que, a dada altura na pequena conversa que tivemos, disse-me "Eu sou de um outro tempo, menina. Eu sou de um tempo em que as pessoas eram bem educadas, gentis umas com as outras. Não foi sempre assim, sabe?"
Sei. Imagino. E embora nós não possamos resolver o problema ou ajudar todos os mendigos do bairro - que dirá da cidade inteira- , podemos, ao menos, ter pequenos gestos de solidariedade de vez em quando e atitudes cordiais o tempo inteiro. Eu, por exemplo, faço questão de dizer "bom dia" e "boa tarde" a todos os motoristas e cobradores de ônibus. É um gesto que muda o mundo? Nem de perto. É uma coisa absolutamente insignificante e banal, mas para cada um deles é uma vez a menos que foram ignorados e para mim, são pequenos nadas que me fazem continuar a ser eu mesma, mesmo neste mundo que nos impele a erguer muros bem altos e que nos distanciem de todos.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Eu e o depois



Os portugueses têm o hábito de dizer "depois". E depois da eventualidade do "depois" vem a possibilidade do "a ver".

Depois a ver se vou lá.
Depois a ver se lhe ligo.
Depois a ver se faço isso.
Depois a ver se escrevo aquele texto.

Estive um mês de férias em Lisboa. Posso afirmar que tudo o que eu deixei para ver se fazia depois, não fiz. O "depois" tem esse impasse: se não o chamamos para "agora", ele existe eternamente, sem nunca deixar a ideia nele contida existir de facto. E quantas vezes ficamos a pensar no "e depois" e perdemos o que está a acontecer agora? Quantas coisas poderíamos estar a fazer agora? Enviar aquele e-mail, ler aquele livro, telefonar para aquela pessoa, arrumar aquela papelada, informar-se sobre aquele curso, dizer coisas que têm de ser ditas. Quantas coisas gostaríamos de fazer agora que deixamos para uma oportunidade melhor, para uma outra ocasião? Que outra ocasião pode ser melhor do que este momento, que é o único que temos por certo? É lugar-comum mas é uma verdade inequívoca e, até certo ponto, esmagadora: o que é realmente nosso é este momento. Este em que vos escrevo, em que o meu filho brinca aqui ao meu lado. O meu filho, no auge dos seus 5 anos e meio, tem muito para ensinar à maioria dos adultos nesse ponto de vista: ele vive agora, aproveita cada minuto das suas brincadeiras, não quer desprender-se delas, não perde tempo a pensar no que vai ser daqui a uma semana, um mês ou um ano. As datas mais longínquas em que pensa são o seu aniversário e o Natal, por motivações óbvias. Ainda assim, não sofre com isso. Tudo o que ele quer fazer, faz agora. O que o deixa triste, é agora. Não revive uma tristeza de ontem. A sua felicidade é agora. É genuinamente feliz nas coisas simples de todos os dias. Agora está a chamar-me para brincar com ele. Desculpem, por mais que vos queira falar de como acho que é importante não deixarmos as coisas para depois, tenho que ir. Agora vou brincar com o meu filho e os super-heróis dele. Depois? Depois vem outro agora e como bem diz a propaganda da Claro:





quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Coisas que me fizeram parar




Próximo ao Clube Paulistano, a primavera dá um ar da graça. Pena que as fotografias não lhe fazem justiça. Estão bonitas, mas nada comparado à beleza que nos entra pelos olhos adentro lá, bem perto daquelas lindas flores. O delicado e, simultaneamente, intenso cor-de-rosa que vestiu esta árvore não é captado pela singela câmara do meu celular. Ali, bem próximo da árvore, não há como a nossa atenção não ser captada. Eu estava com pressa, mas parei. Parei uns minutos. Observei. Apenas observei e, ao parar aqueles instantes, a vida correu em mim, nas minhas veias, pulsou no meu coração, arrepiou-me a pele. Por um momento, apenas ser, existir. Às vezes vale a pena parar por um minuto que seja, sair da rotina da vida e mergulhar no sentido dela. A vida acontece em nós, por mais que nós passemos a vida a correr atrás dela.
Parar por uns instantes, é um belo exercício para se fazer todos os dias. Eu faço-o observando uma árvore, uma flor, um pássaro, o céu ou o rosto do meu filho. Sempre que paro para o observar, cá dentro, tudo fica em paz: tudo faz sentido e isso, dá um sentido a tudo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Eu e o trabalho

Esta semana um aluno perguntou-me qual era o meu trabalho, o que eu fazia durante o dia.
"O que eu faço é isto: estar aqui com vocês a ensinar-vos música", respondi-lhe, surpreendida com a sua dúvida.
"Sim, mas no resto do dia...O que você faz? Qual o seu trabalho?", disse ele não convencido com a minha resposta.
" No resto do dia eu faço isso. Dou aulas de piano. Isso é meu trabalho."
"Como assim? Isso é o seu trabalho?", disse ele um pouco espantado.
"Sou professora. Meu trabalho é ensinar-vos música. Esse é meu trabalho." Com um certo receio da resposta, arrisquei perguntar ainda "Mas por que você achava que eu fazia alguma outra coisa?"
"Porque eu achei que você fazia isto para se divertir, sabe? Que além disso, você teria outro trabalho e isto não seria trabalho, mas alguma coisa, sabe, para você se divertir."
Sorri.
"Sim, eu me divirto. Gosto muito do que faço. Mas é meu trabalho."

Uma criança de 11 anos sabe como ninguém dar-nos a perspetiva certa das coisas, não? Que privilégio ter um trabalho que se confunde com diversão. Que privilégio amar o meu trabalho de forma a que, enquanto trabalho, os outros sentem que me divirto.

Lembrei-me das palavras de Khalil Gibran:


"E quando trabalhais com amor, vós vos unis a vós próprios, e uns aos outros, e a Deus. (...)
E que é trabalhar com amor?(...)
É pôr em todas as coisas que fazeis um sopro de vossa alma. (...)
O trabalho é o amor feito visível. (...)

"O Profeta"

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Coisas que me fizeram parar




Estes cartazes andam espalhados um pouco por toda a cidade. Apesar de sujarem as paredes por aí, deixam mensagens muito interessantes. Gosto particularmente desta:



Fez-me lembrar uma reflexão do grande pensador Osho:

"Você se sente bem, você se sente mal e esses sentimentos borbulham da sua própria inconsciência, do seu próprio passado. Ninguém é responsável, exceto você. Ninguém pode deixar você zangado ou feliz. Você fica feliz por sua própria conta, fica zangado por sua própria conta e fica triste por sua própria conta. A menos que perceba isso, você continuará para sempre um escravo. O domínio do seu próprio eu você conquista quando percebe: "Sou absolutamente responsável por tudo o que me acontece. Seja o que for que acontecer, incondicionalmente - sou inteiramente responsável."
Se continuar a jogar a responsabilidade nas costas dos outros, lembre-se de que você vai continuar sendo sempre um escravo, pois ninguém pode mudar ninguém.
A mudança básica precisa acontecer dentro de você.
Logo você sentirá luz, pois estará livre das outras pessoas. Agora poderá trabalhar em si mesmo. Poderá ser livre, poderá ser feliz. Mesmo que o mundo inteiro esteja infeliz e cativo, isso não vai fazer a mínima diferença. A primeira libertação é parar de pôr a culpa nos outros, a primeira libertação é saber que você é responsável. Depois disso, muitas coisas passam a ser imediatamente possíveis."

Ninguém é responsável pela felicidade de ninguém. Ninguém é responsável pela infelicidade de ninguém. Está em nós a capacidade de estar na vida com otimismo e serenidade. É em nós que encontramos a melhor forma de estar na vida. Está certo que nem sempre é fácil, porque não podemos escolher todas as coisas que nos acontecem na vida e nem todas elas são boas, mas é aí que reside o desafio: nós podemos, sim, escolher o que fazer com elas. Eu escolho ser leve - não carregar sentimentos no coração que me pesem na alma. Eu escolho acreditar - em mim, nos outros, na Vida. Eu não me rendo e, simplesmente, escolho.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Coisas que me fizeram parar

Rua Oscar Freire
Achei este graffiti um encanto. Sensível, simples, bonito.
Se há coisa que eu tenho feito na vida é ouvir o meu coração. Sempre. Em momentos de dúvida, de ansiedade, de hesitação, é a ele que deixo falar mais alto, é a ele que tento ouvir. Há momentos em que todos falam ao mesmo tempo - coração, cabeça, medos - e nem sempre é fácil entendê-lo mas, quando aquela voz consegue sobrepôr-se ao resto, torna-se simples. É inequívoco. É claro e límpido o caminho a seguir. Como aquela sensação de ver a solução das palavras cruzadas "ah, claro, era isto!.."Os caminhos que me indica nem sempre são os mais fáceis, mas eu faço como dizem os árabes: atiro o coração para a frente e corro logo em seguida para o agarrar. E cá estou eu, a correr um bocadinho todos os dias.


domingo, 9 de agosto de 2015

Inverno no Ibirapuera




O meu pai costuma brincar comigo a dizer que aqui não faz frio que "é verão o ano inteiro." Nós, paulistanos - permitam-me a ousadia de me considerar uma paulistana honorária - sabemos que não é totalmente assim. Aqui faz frio, sim. Felizmente não é um frio que dure muito tempo. Visita-nos duas semanas, vai embora, volta em alguns dias, vai embora, espreita de novo, vai embora. Agora estamos no inverno. O calendário diz-nos que sim. Os dias de sol e calor desacreditam-no e dão razão ao meu pai.
Tiramos estas fotografias no Ibirapuera a semana passada. Lindas cores, árvores floridas, tudo bem verde, um sol luminoso e um céu azul. Realmente bem diferente do inverno cinzento e despido de folhas ou flores da Europa. Muitas crianças a aproveitar os últimos dias de férias...do inverno.



terça-feira, 4 de agosto de 2015

Coisas que sempre me fazem parar




Esse mural de Os Gemeos que está no MAM (Parque do Ibirapuera). Desta vez, detive-me mais nos detalhes e reparei numa das personagens: teclados amarrados aos braços que se abrem como asas.
Gostei. Gosto mais de ter os dedos no piano mas, se tivesse que ter alguma coisa amarrada aos braços, que fossem dois teclados. Além do mais, podemos dizer que, poeticamente, esta personagem voa nas asas da música.

sábado, 1 de agosto de 2015

Se essa rua fosse nossa




Mais uma iniciativa do Itaú Cultural. Mais uma boa iniciativa.
A criançada fica com uma parte da rua lateral do Itaú Cultural por sua conta! A trilha sonora é agradável, virada para os pequenotes, e as brincadeiras são à moda antiga: desde amarelinha a corrida de sacos, passando por pular corda e mais um monte de outras brincadeiras que fazem parte da infância de qualquer um de nós. Além das brincadeiras bem conduzidas por monitores que ali ficam toda a tarde, há apresentações de teatro ou música.
Para pequenos e graúdos matarem a fome, há foodtrucks ali estacionados para a ocasião. (No interior do Itaú Cultural também há opções nesse sentido).
Vale a pena ficar atento à programação e aproveitar "se essa rua fosse nossa" porque ali, por um pedacinho, é mesmo delas, das crianças, e a diversão é garantida!

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Eu e o mundo das crianças

Eu e o Mateus passamos um mês de férias em Lisboa.
No primeiro final de semana de regresso a São Paulo, fomos até ao Itaú Cultural para o evento "Se essa rua fosse nossa." Enquanto o observava a brincar e interagir com as outras crianças que ali estavam, pensei como o mundo das crianças é tão mais simples do que o nosso.
Em Lisboa, aproveitamos bem os dias quentes de verão para passear. Além das coisas óbvias como o jardim zoológico ou o oceanário, do que o Mateus mais gostou foi de brincar nos variados parques de lisboa. Em cada um deles, acabava por brincar com uma ou mais crianças, da idade dele ou não, menino ou menina. Brincou com portugueses e com estrangeiros, já que Lisboa está bem recheada de turistas. Entendiam-se sempre. Corriam, riam, interagiam. Em um dos dias, um menino perguntou-lhe que língua ele falava, se era inglês. Vi o ar intrigado do Mateus, correu para mim e segredou-me "mamãe, que língua eu falo?" Disse-lhe "português, filho, todos falamos português aqui, mas nós falamos com o sotaque daqui e tu falas com o sotaque do Brasil, falas português do Brasil." Ele arregalou os olhos e correu novamente para junto dos meninos. "Falo português do Brasil." Continuaram a brincar. Em outro dia, um menino perguntou-lhe "és brasileiro?" Novamente aquele olhar intrigado, como quem pensa "Boa pergunta!" Não ouvi a resposta e vi que continuaram na mesma correria e euforia de antes no escorrega do parque. Perguntei-lhe o que tinha respondido ao menino, e ele encolheu os ombros "Nada... Eu não sei", disse-me ele na maior descontração. Para ele não tem a menor importância se é português, brasileiro, sueco ou chinês. Tão pouco tem a menor importância qual a aparência ou a nacionalidade dos meninos com quem brinca. E tão menos ainda tinha importância para os outros qual a língua ou o sotaque dele.
No Itaú Cultural, o Mateus movia-se e interagia exatamente com o mesmo à vontade que em qualquer parque em Portugal. A mesma alegria, a mesma empolgação, a mesma excitação de estar num lugar que gosta, à procura da melhor forma de se divertir. O melhor de tudo é que percebi que a forma dele estar no mundo e a forma com que o vê melhora a minha: tanto me faz que seja em Lisboa ou em São Paulo...a alegria do Mateus é a minha, vê-lo feliz faz-me sorrir esteja eu em que ponto do globo estiver.
Simples, não?
Além de mais simples que o nosso, o mundo das crianças é também, muitas vezes, mais bonito. O menino com quem o Mateus mais brincou no Itaú, do nada, chegou ao pé dele e abraçou-o "´Tá brincando sozinho? Quer brincar comigo?" E assim começou uma tarde de diversão. No final da tarde, o menino chorava no colo da mãe "mas eu não quero ir embora ainda!" O Mateus, sabiamente disse-lhe, "Não fica assim não. O que importa é que a gente se divertiu." E seguimos para casa, à procura da próxima brincadeira.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Pérolas da língua portuguesa

Em Portugal também as temos e em larga escala. Note-se, por exemplo, o incorreto emprego do "s" nos tempos verbais da segunda pessoa do singular: "Oh Manel, fizestes o que te pedi? Comprastes as coisas no mercado?"
Dói nos ouvidos...

Ora aqui em São Paulo, também é comum ouvirmos pérolas por aí. A minha preferida é o "nimim". E perguntam-se vocês o que é esse tal de "nimim"? Aqui vai um exemplo:

"O cara derrubou a cerveja nimim!"


De difícil escrutínio, de início, esta variação de "em mim" permeia muitas das falas de quem é usuário de transportes públicos.

Parente desta pérola, encontramos uma outra, mais clássica ainda: a eterna dúvida "eu ou mim?"

"Me dá isso para mim fazer!"

"Para mim chegar lá vai ser difícil!"


Quando éramos crianças e alguém cometia este tipo de erro, havia sempre algum engraçadinho que dizia "Mim Tarzan, tu Jane."

Outra dificuldade que se encontra muito por aí é a conjugação dos verbos na primeira pessoa do plural. É comum ouvir-se "nós vai fazer assim..." ou "nós quer justiça!"

Em Portugal, é comum o erro inverso: "a gente vamos fazer..."

À parte as idiossincrasias da Língua Portuguesa nos dois lados do mundo, o importante é que a gente se entende e, mais do que nunca, como dizia o grande Pessoa: a minha pátria é a Língua Portuguesa - sempre que possível, a correta.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Eu e o Shine

O Shine foi para nossa casa em 2004. Lembro-me bem do ano porque era ano de Europeu: o Campeonato Europeu de Futebol que foi realizado em Portugal. O Shine era um bebezinho, bem pequenino, com barriga rosada e andar trôpego. Bamboleava enquanto tentava equilibrar-se o melhor possível nas quatro patas, curtas, demasiado curtas para a redonda barriguinha que quase tocava no chão. Nos dias dos jogos de Portugal, ele ficava, por momentos, com uma bandeira de Portugal enrolada ao pescoço. A casa enchia-se de gente - amigos do meu irmão, na maioria- e o Shine era o queridinho de todos. Não havia quem não se derretesse completamente a olhar para ele. Nas primeiras noites, quentes, dormia esparramado no chão ao lado da minha cama. Ofegava, com o calor, e eu ficava preocupada "será que ele está bem? será que esta respiração é normal?", quase como uma mãe fica quando leva o seu bebezinho para casa - sei-o agora que sou mãe. Naqueles dias de calor, escolhia o chão de azulejo da cozinha para dormir. Caminhava lentamente até lá e, de repente, parava: deixava as patas da frente deslizar para a frente e as de trás deslizar para trás e ali ficava, deitado ao comprido, totalmente esparramado no chão. Outras vezes escolhia o cantinho atrás da sanita para uma sesta. Anos depois, com ele crescido, enorme, olhávamos para aquele cantinho e pensávamos: "como é possível que ele algum dia tenha dormido confortavelmente ali atrás?"
O Shine era o nosso bebé. Ninguém se queria apegar muito a ele, porque a vinda dele para nossa casa foi em consequência de uma perda bem dolorosa: a do Soneca, um quase-Husky que tinha apenas 6 meses quando nos deixou. Mas como não se apegar? Eu e o meu irmão rendemo-nos imediatamente a ele. A minha mãe conseguiu resistir mais um pouco, mas também, inevitavelmente, acabou por ceder.
O Shine sempre foi um cachorro cheio de energia. Correr e brincar era com ele!.. Muito carinhoso, adorava estar perto de nós. Enquanto bebé, cachorro, acompanhou-me muito no meu estudo de piano. Era o meu fiel ouvinte, e com gosto próprio: algumas obras musicais, ele preferia ouvir de longe - ou fugir para longe...Mal começava a tocá-las, levantava-se na cama onde estava confortavelmente aninhado, olhava para mim com aquele ar de "outra vez isso?" e ia-se embora do quarto. Nunca foi sociável com outros cães, mas sempre recebeu toda a gente em casa com festas, pulos e mais pulos!
As palavras que li ontem à noite no meu e-mail não param de ressoar no meu pensamento "Maninha, o Shine morreu." Desabei em lágrimas. Não, não é possível!..Ele tinha 11 anos, mas estava bem. Continuava cheio de energia. Eu ia revê-lo daqui a pouco tempo. Não pode ser: eu não vou mais vê-lo! Nunca mais. Cada vez que aquelas palavras do e-mail ecoam dentro de mim, invade-me uma tristeza profunda. Visualizo cada uma delas como se relesse novamente o e-mail, e não as aceito. Tenho este sentimento de incredulidade a gritar dentro de mim. Não consigo acreditar que aquele maluco não nos vai receber aos pulos!..Que não vai ficar aninhado a dormir ao pé de nós enquanto vemos televisão. Que não vai ficar a olhar piedosamente para nós enquanto estivermos a comer alguma coisa que ele gosta e não vamos ouvir aqueles sons chorados como quem diz "olha para mim aqui, a portar-me tão bem", caso ele pensasse que nos estávamos a esquecer dele ou que a sua presença não estava a ser suficientemente notada.
Há quem não entenda, mas eu sinto como se tivesse perdido um membro da família. E custa estar longe. Às vezes estar longe é uma verdadeira merda, diga-se em bom português. As dores partilhadas, às vezes, parece que doem um bocadinho menos.
O Shine fez-se presente nos meus momentos de tristeza, pulou comigo nos meus momentos de alegria, fez-me companhia em momentos de solidão. Tirou-me do sério umas quantas vezes, preocupou-me em outras. Percebo hoje que o via em todos os cães aqui em São Paulo: quando fazia carinho em algum, era nele que pensava, era uma tentativa inconsciente de matar as saudades que sinto dele. Agora as saudades serão eternas e, como diz o Mateus, "nunca vou me esquecer do Shine, ele vai viver no meu coração para sempre."
Obrigada, Shine, por tanta coisa boa que trouxeste às nossas vidas. Isso faz qualquer dor valer a pena.

domingo, 12 de abril de 2015

Nós e o concerto

Hoje foi um dia muito especial para mim. Há tempo demais que eu não ia assistir a um concerto de música clássica. Hoje fui. Com um programa muito agradável e com uma coisa única em relação a todos os outros concertos que vi na minha vida: o meu filho estava comigo. Ele foi, pela primeira vez, ouvir um concerto com uma orquestra. Mal entramos na sala, observou atentamente os violoncelos espalhados pelo palco e a harpa.
Os músicos começaram a entrar no palco, e eu senti uma emoção profunda. Como se um velho e querido amigo que eu não visse há anos estivesse a aparecer diante dos meus olhos. Não, não eram eles ali, aquelas pessoas, aqueles músicos maioritariamente russos. Era a Música que eu estava a reencontrar. Eles começaram a afinar os instrumentos. Expliquei ao pequeno o que estava a acontecer, ainda emocionada perante aquela massa sonora disforme e que me é tão familiar.
Para ele, não foi nada de fantástico. Gostou, foi uma coisa diferente, mas não amou. Ainda assim, portou-se muito bem. O programa era "A bela adormecida (Tschaikovsky) e Peer Gynt (Grieg). Antes do concerto, contei-lhe as histórias de ambos (no próprio concerto havia uma espécie de apresentador que contava as histórias e falava sobre os instrumentos de orquestra). Isso ajudou a que mantivesse a atenção, uma vez que ia perguntando "qual parte da história é agora?" e, com certeza, ficava a imaginá-la enquanto ouvia a música. Ainda me fartei de rir no final, quando começaram a bater muitas palmas e o apresentador disse "se fizerem muito barulho, eles tocam mais uma", e o pequenote olha para mim com um ar de desalento "mais uma?!!" Lembrei-me dos nossos tempos de escola, de audições do coro, quando tínhamos o mesmo sentimento de "já está bom: enough is enough." O momento alto para ele (e para mim) foi o da "Gruta do Rei da Montanha" de Peer Gynt. Ficou entusiasmado não só por ser a parte da história em que participavam os trolls, mas também pela própria música. A mim, corriam-me as lágrimas pelo rosto. Senti aquele arrepio que me percorre a espinha e se difunde energicamente por todo o corpo quando a música é boa. Quando li "comer, orar e amar", uma passagem em particular chamou a minha atenção:  a descrição que Elizabeth Gilbert tenta fazer de uma experiência que viveu durante um momento de meditação. Uma experiência que a fez sentir mais perto do seu ser, mais perto da divindade:

"...posso sentir uma energia suave, azul, elétrica pulsando pelo meu corpo, em ondas. (...) Sua vibração vem da base da minha coluna."

A Música leva-me para lugares parecidos com esse. Leva-me para...dentro, para mais perto de mim mesma. Foi por isso que, após muito tempo sem tocar para ninguém, quando toquei uma peça há anos atrás para um grupo de amigos, senti uma emoção tão forte e reconfortante como...regressar a casa e, quem como eu vive longe do país de origem, sabe a emoção que é. Aquele suspiro "ahhhhhhhh: era este chão que me faltava!" Foi exatamente isso: senti-me em casa, em paz, porque a música, já dizia o meu professor, leva-nos aos cantinhos mais especiais e longínquos de nós mesmos. Sempre. Passe o tempo que passar sem que lhe demos a devida atenção. A nossa música nunca ninguém nos pode tirar.


domingo, 5 de abril de 2015

Conversas paralelas

No ônibus, um senhor conversava com o cobrador:

"Cara, em São Paulo a gente vê de tudo...Essa semana eu vi uma coisa que....nem sei, eu ´tou sem dormir bem há 3 noites."

"Que aconteceu?", pergunta o cobrador.

"Olha, ´tava eu lá, esperando o metrô. Eu mais umas 5 ou 6 pessoas, todos sentados. A gente viu que o metrô vinha vindo, e se levantou, e nisto, um dos moços que ´tava ali sentado... se joga na frente do trem."

"Cara!..."

"Pois é, puxa a vida, meu, eu não ´tou nem conseguindo dormir direito depois daquela cena. O moço ´tava ali, sentado, e se joga."

"E depois, parou tudo?"

"É, o trem ficou ali, vieram uns funcionários limpar tudo, recolher os pedaços. Cara: horrível, uma cena horrível!"

"Com certeza se jogou cornudo!", arrisca o cobrador.

"Sei lá, mulher pode mexer com a cabeça de um homem. Mas sei lá....o que faz uma pessoa se jogar assim? Que cena horrível. Já tinha ouvido falar de vários casos, mas nunca tinha presenciado uma coisa assim."


Lembrei-me do filme "Sunset Limited". O filme é um diálogo entre duas personagens: um totalmente céptico e outro de uma fé inabalável. O segundo salvou o primeiro de se jogar na frente de um trem e leva-o para sua casa. Não pretende deixá-lo sair dali antes de ter a certeza que não vai tentar repetir a façanha. É um filme que nos leva à reflexão. Muito interessante. Tão interessante que os dois lados da moeda se nos apresentam como válidos. Nos dois encontramos verdade. Ou, pelo menos, nos dois encontramos possibilidade. Porque isso da Verdade, na verdade, é bem relativo. A verdade é que cada um tem a sua. Mesmo que algumas pessoas se guiem pela mesma Verdade, cada um a construiu e a vivencia à sua maneira. Não há duas pessoas iguais e, se há Verdade, ou verdades, bom...não sei. A esta hora o senhor do trem tem muito mais respostas do que qualquer um de nós aqui. A nós, restam-nos as perguntas, a dúvida, a busca. Isso, em si mesmo, já nos leva a algum lugar: dentro de nós mesmos. E como é vasto esse lugar!..Uma vida inteira, por vezes, é pouco para o conhecer. Mas...vale a pena tentar!





Para quem quiser ler um pouquinho mais do diálogo de Sunset Limited:

http://www.imdb.com/title/tt1510938/trivia?tab=qt&ref_=tt_trv_qu







segunda-feira, 23 de março de 2015

Dia Mundial da Água

Hoje é Dia Mundial da Água e nunca, aqui em São Paulo, se lhe deu tanta importância como agora. Nunca se falou tanto de água. Nunca se pensou tanto em água. Nunca se pediu tanto por água.

Todos os finais de tarde, a água acaba aqui e só volta no outro dia de manhã. Quando temos água nesse horário, até estranhamos, e pensamos "olha, hoje a Sabesp esqueceu-se de nos cortar a água." Habituamo-nos a guardar a água da máquina de lavar e a própria água dos nossos banhos para poder dar descarga. Lavamos a louça sem água corrente e tentando usar o menos possível. Tomamos banhos rápidos e vamos fechando a água enquanto nos ensaboamos.

Uma coisa é certa: depois desta época de crise as pessoas finalmente entenderam que a água não vai durar para sempre e que é preciso mudar de atitude. Habituamo-nos a abrir a torneira e a ver a água jorrar, numa falsa ilusão de que isso sempre iria acontecer com essa facilidade. Pelo menos a crise hídrica tem servido para modificar a postura das pessoas que, agora, aprenderam que é preciso economizar. Tomara que, passada a crise (esperamos nós!..), não voltem a esquecer-se!

quarta-feira, 18 de março de 2015

Coisas que nos fizeram parar





Uma galeria de arte itinerante! Os artistas passeiam com as obras de arte a tiracolo e levam a sua arte, literalmente, até ao público. Eu e o pequenote gostámos da iniciativa!

domingo, 15 de março de 2015

Coisas que fizeram toda a gente parar




Hoje é dia de manifestação por aqui. Por aqui e um pouco por todo o lado no Brasil.
Aqui em São Paulo, os motoqueiros acordaram cedo, reuniram-se e seguiram para a Avenida Paulista. Cruzei-me com eles na Avenida Brasil. Nunca, em toda a minha vida, tinha visto tanta moto junta! Muitas, muitas, muitas, a perder de vista. Um barulho ensurdecedor das buzinas. Trânsito parado enquanto cruzavam a Avenida 9 de Julho, uma das mais movimentadas daqui. Quem ficou parado a vê-las passar, acenava, apoiava e ouviam-se até alguns gritos de "Brasil! ´Tamos juntos!" Muitas camisetas e bandeiras do Brasil, e as cores verde e amarelo a concorrer com o típico preto utilizado pelos motoqueiros. Uma bela moldura. Emocionante de ver, de sentir a energia das pessoas unidas em torno de um mesmo ideal: um Brasil melhor e mais justo.
Dizem que na região da Paulista, a esta hora (15h45), estão cerca de 1 milhão pessoas. Um milhão de pessoas! Praticamente 1/10 da população de Portugal inteiro!

E agora, dona Dilma?

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Nós e os tiros na madrugada

Há umas noites atrás, dormia eu profundamente quando acordei com um som forte e seco. Olhei para o lado "o que foi isto?" O meu marido, já a levantar-se, diz "Tiros." Ele respondeu no plural, embora o máximo que o meu sono me tenha permitido ouvir tivesse sido um - o único que ouvi na minha vida inteira, diga-se! Aguardei um pouco na expectativa de ouvir alguma sirene, de polícia ou resgate. Nada. O meu marido viu pela janela que várias outras pessoas olhavam pelas suas janelas. Algum aglomerado na rua. Nada de sirenes. Caí no sono outra vez. No dia seguinte, contava-se pela rua que um homem tinha baleado uma mulher: cinco tiros, dois certeiros. Foi levada para o hospital, segundo consta. Parece que foi passional. E nada mais consta. 

Eu e as medidas de tempo

Tenho reparado que a minha noção de tempo/distância aqui em São Paulo tem como medida 15 minutos. Passo a explicar: se eu demorar 15 minutos a chegar a algum lugar, é ótimo. Aliás, é quase surreal. Se demorar 30 minutos é bom, a beirar o muito bom. 45 minutos é aceitável. 1 hora já é impraticável. Mais de 1 hora é imponderável. Portanto, concluo que de "até que é possível" para "nem pensar" vai uma distância de 15 minutos apenas.
E nisto se passaram 15 minutos.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Eu e as memórias

A memória é um dos maiores mistérios com que nos deparamos. Porque nos lembramos de certas coisas e esquecemos outras? Claro que há um certo instinto de sobrevivência e tendemos a enterrar, lá bem no fundo, algumas coisas que vivemos e nos deixaram feridas. Por outro lado, o inverso também é totalmente verídico: há tanta coisa que gostaríamos de esquecer e fica ali a martelar, a pingar, a mostrar que não nos deixou, provavelmente pelo mesmo instinto de sobrevivência, de nos sinalizar por onde não é o caminho, e há também outras tantas coisas que gostaríamos de deixar intactas na memória e que, infelizmente, com o passar dos anos se desvanecem. Há ainda aquelas coisas, aparentemente insignificantes e inúteis, que ocupam espaço na memória. Vá-se lá entender...
Todas as semanas, quando dou uma aula nos Jardins, ouço o senhor amolador de facas a passar na rua. Todas as semanas o ouço, naquela melodia tocada na gaita ou qualquer instrumento similar, e todas as semanas aquilo me remete para a minha infância e para os tais mistérios da memória. Todas as semanas surge aquela melodia e, por milésimos de segundo, o meu cérebro engana-se e espanta-se como se fosse a primeira vez que isso acontecesse aqui em São Paulo. Fica estupefacto perante a coincidência de ouvir aquela mesma melodia, tocada a milhares de quilómetros e mais uns tantos anos de distância. Depois como que volta a si mesmo e percebe que já foi apanhado nessa surpresa vezes sem conta, pelo que nem deveria mais ser percebido como uma surpresa. Ainda assim, sempre se surpreende...o que me surpreende. O cérebro, onde as memórias estão armazenadas é, no fundo, o grande X da questão. Quantas vezes vemos uma publicidade e pensamos exatamente a mesma coisa que pensámos quando o vimos vezes anteriores, ou quando passamos num lugar nos acometem as mesmas reflexões? Como se...alguma coisa em nós estivesse "formatada", como se alguma espécie de gatilho fosse disparado no automático. O nosso cérebro, em certa medida, parece ter "vida própria": pula de pensamento em pensamento, de reflexão em reflexão sem que tenhamos muito controle aparente nisso.
Recordo aquela melodia, igual, absolutamente idêntica, dos tempos em que vivia na Póvoa de Santo Adrião, na casa em que vivi desde que nasci até aos 11 ou 12 anos de idade. Não sei porque me lembro daquela melodia, mas lembro-me claramente e, cada vez que a ouço aqui em São Paulo, recordo por breves segundos aquela Praceta, calma no fim-de-semana. Junto com a melodia, recordo cada pedaço que a minha memória permite daquela Praceta. Há 20 anos atrás, jamais poderia supôr que aquela melodia banal, à qual nunca dei especial importância - ou, pelo menos, não que me lembre-, me fosse remeter para aqueles tempos. Preferia lembrar-me melhor de outras coisas. Das pessoas, essencialmente. Do tempo que passei com elas. Tenho memórias cada vez mais difusas da minha infância. Mas, como dizem os grandes sábios, aquilo que nos lembramos da nossa vida não É a nossa vida. É apenas o que nos aconteceu ao longo do caminho. O que a vida realmente É, é um mistério ainda maior do que o da memória. Um imenso, cativante e admirável mistério.



terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Nós e o bloco de Carnaval

Nos últimos anos habituamo-nos a ver da janela o Bloco dos Esfarrapados a passar na rua. O pequenote, alegremente acenava e entusiasmava-se com a passagem da multidão. Este ano, resolvemos acompanhar o Bloco. O som da música começou a ouvir-se, ao longe. "Estão a chegar!", dizia o pequenote. "Vamos! Vamos!" Fomos, mas não muito longe: só uma quadra. O pequenote, na sua fantasia de palhaço, fez sucesso, mas o que não fez qualquer sucesso com ele foi a espuma que alguns teimam em jorrar em todas as direções. Achou-a "grudenta e nojenta!" Depois daquele primeiro contacto com a espuma, continuou a caminhar, desconfiado, cada vez mais desconfiado. Deixou de acenar ou retribuir qualquer tipo de simpatia que lhe era dirigida. Até que exteriorizou "quero voltar para casa". E lá voltamos, na contramão da multidão.
Ao que parece, o pequeno prefere ver a multidão pela janela e curtir o Carnaval à sua maneira.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Eu e as metamorfoses de São Paulo

Uma coisa que eu acho fascinante em São Paulo é a velocidade a que as coisas mudam. Onde numa manhã há um caminho de terra, à tarde há uma calçada; onde num dia há uma obra disforme, semanas depois há uma loja, um restaurante ou um supermercado. A cidade gira, roda e rodopia e, se ficarmos atentos, notamos pequenas ou grandes diferenças aqui e acolá.

É verdade que o ritmo alucinante e frenético de São Paulo pode ser desconcertante e exaustivo, mas também é verdade que esse é um dos encantos da cidade.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Coisas que me fizeram parar




Ontem foi um dia histórico: o primeiro arco-íris que vi em São Paulo, ou seja, o primeiro arco-íris que vejo nos últimos 3 anos e 1 mês! Não que em Lisboa os visse a toda a hora. Nem me lembro do último que vi por lá. Simplesmente sei que estou aqui há 3 anos e 1 mês e que ainda não tinha calhado de o ver por aqui. Em Lisboa, lembro-me bem de um dos últimos que vi: ia de carro, de manhã cedo para ir dar aulas em Mafra, e lá apareceu ele, um arco colorido bem desenhado no céu. Pensei na história do pote de ouro no final. Lembro-me bem desse arco-íris porque, ao contrário do que costuma acontecer, em que ele espreita, nos sorri e faz sorrir e logo se desvanece, esse acompanhou-me numa boa parte da viagem. Lá ia eu, a caminho de Mafra e prestes a encontrar o pote de ouro!
Ontem, como nas outras vezes, parei, com um sorriso estupidificado no rosto. O que é que eu posso fazer? Eu sou dessas pessoas que param a olhar para o arco-íris, o pôr-do-sol e outras tantas belezas da natureza. Chamem-me tola, mas momentos desses fazem-me esquecer de tudo, parar no tempo e no espaço e apenas Ser. Ontem, quando o tempo voltou a existir para mim, eu pensei só numa coisa: quem me dera que o meu pequenote estivesse aqui para ver isto! Ele, no auge dos seus 4 anos, nunca viu nenhum arco-íris e eu, o que desejo, é que ainda muitos arcos-íris o façam sorrir e, já agora, que ele encontre o pote de ouro no final!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Eu e os reflexos




Um destes dias, ia a caminhar pela calçada e detive-me numa imagem: um bonito céu cheio de nuvens desenhadas. Quando foquei o olhar de outra forma, percebi que se tratava de uma enorme poça de água suja na estrada, próximo à calçada. Foquei novamente o olhar e lá estavam as nuvens a passear e desenhar formas numa dança lenta. Embora não se tratasse do mar, mas de uma simples poça, lembrei-me de Pessoa:

"Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."


Passado algumas semanas, eis que me detive nas nuvens espelhadas novamente. Desta vez num dos arranha-céus de São Paulo. Aqui a paisagem era ainda mais cativante pois as nuvens refletidas misturavam-se com as nuvens no céu, numa simbiose quase perfeita. (Lembrei-me de outro grande pensador: Platão e a sua alegoria da caverna. Afinal, o que é a realidade e o que é reflexo dela?..)

Uma coisa tenho percebido: a beleza nem sempre se encontra nos lugares mais óbvios. Por isso, meus caros, olhos e coração bem abertos para o Mundo!

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Nós e a internação no Sabará

Tal como em 2014, 2015 começou com uma internação do pequeno no Hospital Sabará por conta de uma virose intestinal. Desta vez foi o tal do adenovírus.

Tal como o ano passado, o serviço de Nutrição do hospital deixa muito a desejar: a comida não é boa (salvo raras excepções), o serviço tem falhas e ineficiências (pede-se uma coisa, vem outra; fala-se com um, com outro e outro, e nunca ninguém sabe nada do que foi dito antes) que nos desgastam ainda mais no tempo ali passado que, só por si, não é fácil. Por outro lado, também como há um ano atrás, todos os funcionários, desde as senhoras da limpeza até aos médicos, passando por enfermeiros e técnicos de enfermagem, são de uma competência, atenção e cuidado louváveis. Trataram sempre o pequeno com carinho, paciência e boa disposição. O quarto tem ótimas condições de acomodação, mas apresentava alguns problemas de manutenção, sempre resolvidos pelo pessoal da área com muita eficiência.

A novidade deste ano foi recebida por nós e, principalmente pelo pequeno, com grande satisfação! O hospital tem uma série de atividades de entretenimento para alegrar a pequenada. Tivemos várias visitas: uma linda cadela com quem o pequeno brincou atirando-lhe uma bola, encheu-a de carinho e também recebeu umas beijocas lambuzadas; duetos de violão e voz e contação de histórias. De salientar que uma boa parte desses projetos que levam sorrisos e alegria a toda a pequenada é fruto de voluntariado, o que é ainda mais admirável. Infelizmente, por ele estar em isolamento, não pôde brincar na brinquedoteca.

A todos no Sabará: o nosso agradecimento por terem tratado tão bem do nosso pequeno e por terem tido sempre tanta paciência conosco.

Apesar de tudo isso, esperamos sinceramente não ter de vos visitar o resto do ano!


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Nós, a praia e a virose

Resolvemos ter uns belos e merecidos dias na praia. Lá fomos rumo ao Guarujá. Graças a todos os deuses não enfrentamos trânsito por aí além na ida. O entusiasmo era muito, principalmente porque o Principezinho nunca tinha ido à praia - já tinha visto o mar, mas em bebé, nada que lhe tenha ficado na memória. O calor beirava o insuportável e, passado cerca de 1h30, avistamos o mar. "Muito, muuuuuito legal", dizia o pequeno a apreciar, ainda dentro do carro, o mar pela primeira vez (que se lembrasse) na vida.
Os primeiros dias foram ótimos! A areia clara e fofa, o mar morno e calmo, com ondas ideais para as brincadeiras do Principezinho - que, com a nossa ajuda, até ondas pegou com a prancha de bodyboard!
Tivemos dois dias muito especiais. O calor continuava insuportável. Praia e piscina só eram possíveis de manhã cedo ou no final do dia. Nas outras horas do dia, não fosse o ar-condicionado do hotel e teríamos cozinhado!..Os preços dos restaurantes não eram dos mais...simpáticos. Mas, regra geral, comemos muito bem. E ao terceiro dia, começou a nossa tormenta. No começo da tarde veio a minha indisposição e, no final da tarde, depois de purgar, de todas as desagradáveis formas, tudo e mais um pouco do meu organismo, já estava num hospital local a soro e medicação. Diz-me o médico que é surto de virose. Depois de entrar na sala, percebo: mais seis pacientes com sintomas idênticos. A primeira medicação não surtiu qualquer efeito, pelo que, só não vomitei a alma porque não calhou! Só depois da segunda, mais forte, tudo acalmou. Regresso ao hotel, de rastos, deito-me e caio a dormir. Acordo à 1h com o Principezinho a vomitar. E lá passamos uma noite inteira a intercalar horas de sono com minutos de...bom, alguma confusão. Depois de duas camas mudadas e o dia nascer, foi a vez do pequeno levar uma injeção no hospital. Drama e pânico na hora da picada: o pai segurou-o com todas as forças e, tal era o desespero do miúdo que nem sentiu a agulha entrar nem sair. Só quando lhe disse "já passou, filho, já acabou" é que, com um ar desnorteado, deu tréguas aos gritos e choro. Esse dia foi de repouso - ou devo dizer de total e absoluta falta de forças de qualquer um de nós - passado integralmente no quarto de hotel. À noite, nova visita ao hospital para mais soro e injeções - mais drama e horror- e, no dia seguinte, já um pouco mais refeitos regressamos à capital. O pequeno já com energia, eu mal me aguentando em pé, e o pai com um começo de tudo aquilo que nós já tínhamos tido.
Uma semana depois, estamos todos bem. E eu ainda ganhei, pelos infortúnios da vida, um empurrão na minha dieta de 2015! (Há que ver o lado bom das coisas, não?)
Pena que não pudemos aproveitar mais a praia mas, valeu pelos primeiros dias. Que saudades que eu tinha de ouvir aquele som ronronado do mar!.. De ver aquela imensidão de água a entrar-me pela alma adentro! De ver as cores do nascer e pôr-do-sol pintadas no céu.
Praia: nos aguarde. We´ll be back!

2015

Novo ano que se inicia. O quarto que começa aqui para mim. Passou rápido. (Às vezes) Passa devagar. Uma coisa é certa: foi bem mais fácil começar 2015 do que começar 2012. Foi tão mais fácil passar por 2014 do que por 2012! Quando aqui cheguei, tenho de admitir, tudo era difícil. Tudo me era penoso. O trânsito, o caos, a música à noite na rua, a gritaria das pessoas, não haver contentores de lixo e o lixo ficar pelo chão, ninguém parar nas faixas de pedestre, as chuvadas todos os dias no final de um dia de verão - oh, que saudades daquelas belas chuvadas! Quase todas essas coisas se mantém até hoje mas, hoje em dia, simplesmente convivo com elas. Pacificamente. Naquela época, eu resistia a qualquer tipo de mudança, tudo me irritava. O simples facto de eu acordar todos os dias e estar na cidade de São Paulo me irritava. Era mais feliz naqueles primeiros segundos de nem-acordada-nem-a-dormir em que me parecia estar a acordar em Lisboa. O resto do dia, era de pura negação. Estes anos em São Paulo fizeram-me mudar tantas perspetivas!.. Quando procurei coisas boas na vida, encontrei-as. Estar 24 horas por dia com o meu filho de, na época 2/3 anos foi a maior delas. Foi a atenção que ele dava a cada coisa, a alegria que ele tinha com coisas tão simples, a forma plena com que se entregava a cada coisa que o cativava, a cada tarefa que o ocupava que me fez ver que também nós, "pessoas crescidas", temos (ainda) essas capacidades. O tempo que passei com ele foi, no início absolutamente esgotante mas, depois, uma dádiva. Quantas mães têm essa possibilidade? De acompanhar o desenvolvimento, passo a passo, hora a hora, do filho. Cada dia começou a trazer-me uma boa surpresa. (Ou várias!) O sorriso e a gargalhada dele passaram a ser o meu bálsamo. Quando comecei a andar pelas ruas à procura de beleza, encontrei-a - e registei muita dela aqui, neste blog. Quando escolhi ser feliz, comecei a ser. Não 100% do tempo, claro, não me tornei uma pessoa, digamos, iluminada mas, pelo menos, tento ser aquela pessoa que escolhe ver o melhor, o que é importante e vale a pena e, no mais das vezes, resulta e sinto-me uma pessoa feliz e abençoada. Na realidade, não mudou tanta coisa assim desde o começo de 2012 para o começo de 2015. Continua a faltar-me muita coisa e muita coisa continua a fazer-me falta. Tenho quase os mesmos medos, angústias e dúvidas. (A diferença é que hoje nenhum deles me atormenta ou paralisa). São Paulo não mudou - ou, pelo menos, não mudou muito para melhor- mas aprendi a conhecê-la melhor e gostar de várias coisas que ela me dá. No fundo, o que mais mudou fui eu. Não propriamente eu, mas a minha forma de encarar tudo: o bom e o mau. Como diz o meu filho "quando a gente procura, acha." E é a mais pura verdade, saída da boca de um menino de 4 anos e meio. Resta-nos escolher do que estamos à procura. E a palavra-chave no meio de tudo isto é essa mesmo: "escolher".
Uma coisa eu sei que não vou encontrar aqui: Lisboa. Essa continua lá, à beira-mar plantada, com pessoas que eu amo, linda, solarenga, pacata e à espera do meu retorno, seja para férias, seja para ficar. Mas também aprendi que não podemos viver à espera ou em função do que vamos viver amanhã. Porque o hoje já aqui está, e não espera. Ou o agarramos ou ele nos escapa. E há sempre qualquer coisa que merece a nossa atenção, a nossa gratidão, o nosso sorriso hoje. Mesmo nos piores dias.
Eu começo 2015 com esperança no que ele me vai trazer e à minha família, e com gratidão por tudo o que já conquistamos até aqui. Obrigada 2014 por me permitires começar 2015 com esta vontade de procurar coisas boas. E...quem procura, acha.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Carta a São Pedro

Caro São Pedro,


Antes de mais, quero pedir-lhe sinceras desculpas por tantas vezes que me dirigi ao senhor com sentimentos menos amistosos cada vez que aquelas trombas de água nos atingiam nos tempos idos de Janeiro de 2012. Todo o santo dia lá vinha aquela chuvada que alagava a cidade e ensopava as pessoas. Até então, eu não tinha entendido o verdadeiro sentido de "chuvas de verão" e, pode até dizer-se que até àquele momento eu não sabia verdadeiramente o que era uma chuvada. Ora, eu estava convencida que vinha para o quentinho do verão e aquela chatice todas as tardes atrapalhava-me a rotina e desvanecia uma das poucas alegrias que sentia na época: ter saído do inverno rigoroso para entrar num verão quentinho. Na verdade, o que encontrei foi um verão morno e extremamente molhado. A cidade alagava, a luz faltava (graças a Deus essa parte melhorou bastante de lá para cá, pelo menos aqui no bairro). Pois agora, meu caro São Pedro, venho endereçar-lhe as minhas desculpas pois eu nada sabia do clima ou das necessidades da cidade e, por consequência, das nossas próprias. Posto isto, humildemente lhe rogo que mande todas as chuvas, chuvadas, tempestades que bem entender. Se não for pedir demasiado, seria bom que a maior perto delas caísse precisamente na região da Cantareira. Não que aqui na capital não sejam bem-vindas: amenizam o calor - que está bem difícil de suportar, por sinal...será que isso também pertence ao seu Departamento? Bom, mas também não quero abusar nos pedidos que lhe dirijo, não faça caso- e a poluição, o que é uma grande mais-valia mas, enquanto a chuva não cair na Cantareira, vivemos todos com a água cortada em boa parte do dia e da noite e com esta nuvem negra a pairar na cabeça - nuvem essa que mais valia fosse de chuva, mas nada mais é que a forte ameaça da seca total. O que faremos nós se a água acabar na Cantareira?

Então, meu caro São Pedro, aceite as desculpas e, por favor, apenas considere, por momentos que seja, os humildes pedidos desta simples moradora de São Paulo. Eu e mais uns tantos milhões ficaremos-lhe eternamente gratos se nos conceder a benção das chuvas. Desde já me comprometo a não mais me queixar de qualquer chuvada.


Atenciosamente,
Joana Gabriela