terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

59-365

 


"Se você quiser descobrir os segredos do Universo, pense em termos de energia, frequência e vibração." (Nikola Tesla)

Fiquei maravilhada quando vi, pela primeira vez, vídeos com experiências dos efeitos das vibrações das frequências sonoras na matéria. Numa espécie de prato de metal acoplado a um gerador de som, é colocada areia. À medida que se produzem frequências sonoras, a areia na placa reage: consoante a vibração produzida, os grãos de areia agrupam-se em formas geométricas absolutamente perfeitas. Quanto maior a frequência sonora, mais complexas as formas geradas. Na outra experiência, utiliza-se água, que reage igualmente à frequência sonora. Além da beleza e harmonia das formas, esta experiência chama a atenção pelas suas implicações: se nós também somos matéria, e se somos 70% água, significa que o nosso corpo também reage de formas diversas às diferentes frequências sonoras. Se levarmos esse pensamento ainda mais longe e tivermos em conta que as nossas palavras são, elas mesmas, frequências sonoras, tudo o que dizemos está, constantemente, a exercer uma influência sobre nós. Nesse campo, são famosas as experiências com plantas. Em um vaso coloca-se uma planta e todos os dias são ditas palavras amorosas a essa planta. Em outro vaso, coloca-se outra planta à qual são ditas, diariamente, palavras ofensivas. A primeira floresce, a segunda definha. Em outra experiência, foram ditas palavras positivas e negativas a água que foi posteriormente congelada. As palavras positivas geraram lindas formas geométricas. As palavras negativas geraram formas caóticas.* As palavras têm poder. O som tem poder. Na Grécia Antiga já defendiam que a música (que era um dos pilares da educação) exerce influência sobre o nosso carácter e que diferentes tipos de música exercem influências distintas sobre nós, devendo privilegiar-se o tipo de música que eleva o espírito. Na Índia, desde há milénios, são entoados mantras para todo o tipo de efeito. A próxima vez que ouvir música, preste atenção ao efeito que lhe proporciona. E antes de falar, pense no quanto as suas palavras são poderosas.

* Assuntos abordados no documentário "What the bleep do we know" ( "Quem somos nós?")

https://youtu.be/SzJRPZNm8-w

https://youtu.be/rHvtROxCroA

O que Jesus faria (6)

Jesus abordou muitas vezes a questão de como nos relacionarmos uns com os outros. É assunto central dos seus ensinamentos. Sempre pregou o entendimento, a entreajuda, a empatia. Na base de tudo isso, está uma qualidade essencial: a humildade. Só quem olha para si mesmo, quem reconhece os seus próprios erros, falhas ou defeitos, pode criar uma abertura para realmente ver o outro. Eu percebo em mim, eu melhoro em mim, para depois poder acolher o outro. Aquela velha máxima: aquilo que eu não gosto no outro, não replico, aquilo que eu não gostaria que me fizessem, eu não faço, aquilo que eu admiro no outro, cultivo em mim. No Sermão da Montanha há uma passagem muito conhecida que é emblemática disso: "E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu olho?" É preciso humildade para olhar para as suas "traves" e coragem para as retirar. Só depois, poderemos gerar a empatia para tentar ajudar o nosso irmão com o argueiro dele. É muito fácil julgar os outros, notar as falhas no outro, criticar, mas "Não julgueis, para que não sejais julgados, porque com o juízo com que julgardes sereis julgados (...)" Cultive a humildade, e as suas relações florescerão.

O que Jesus faria (5)

"Escuta o teu coração, ele conhece todas as coisas; pois onde ele estiver, é onde está o teu tesouro." (Paulo Coelho)


Talvez muitos de nós tenham lido "O Alquimista" e reconheçam esta frase.
No Sermão da Montanha, há mais de 2000 anos atrás, encontramos palavras idênticas: "Não acumuleis tesouros na terra (...) Acumulai tesouros no Céu (...) Pois onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração." Jesus sugere a reflexão: o que mais valorizamos? O nosso foco determina onde colocamos a nossa energia, e onde colocamos a nossa energia é onde o nosso coração está. Perceba por onde o seu coração tem andado. Nos bens materiais, nas coisas efémeras, perenes desta vida, ou em valores essenciais, basilares e imutáveis? "Pois a vida é mais que o alimento e o corpo mais que o vestuário." Jesus sugere um caminho para vivermos no Céu: a simplicidade e a entrega a Deus, confiando que tudo o que precisamos de material nos será concedido. "Não vos inquieteis com o que haveis de comer ou beber, nem andeis ansiosos(...)" Como são atuais estes ensinamentos! No mundo absurdamente consumista em que vivemos, em que estas coisas, literalmente, nos consomem, em que tantas e tantas pessoas no mundo sofrem com ansiedade! O que Jesus faria se visse este mundo materialista em que vivemos, se presenciasse as nossas angústias? Partilharia as mesmas lições que nos deixou. Jesus foi um excelente professor, que viveu as lições que ensinou. Um Mestre. Ele viveu essa simplicidade, essa entrega que pregou, e encontrou felicidade e paz no amor aos Homens e a Deus. Embora soubesse o seu destino, não antecipou a angústia do que viria pela frente. Viveu cada dia, com o coração onde estava. E essa é mais uma das incríveis lições que partilhou connosco: "Não vos inquieteis, portanto, com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã já terá as suas preocupações. Basta a cada dia o seu trabalho."

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

58-365

Um dia destes, seguia eu a caminhar pela rua, e vejo um senhor a passear com o seu cachorro um pouco à minha frente. Alguns metros depois, o cachorro pára para fazer as suas necessidades. Prontamente, o senhor tira uma sacola do bolso e apanha as ditas necessidades do chão. Ainda estava eu a pensar "Que atitude louvável, de cidadania", a elogiar mentalmente o senhor quando, sem hesitar, e interrompendo bruscamente os meus elogios mentais, ele atira a sacola para a primeira árvore que lhe apareceu à frente! Lá ficaram as necessidades do bicho enfiadas num saco, no chão, ao lado de uma árvore. E eu: incrédula. O que parecia uma atitude tão boa, transformou-se, em poucos segundos, numa atitude, no mínimo, estranha. Mas fez-me refletir: quantas vezes julgamos uma atitude ao ver apenas uma parte dela? Se eu tivesse passado pelo senhor a caminhar na direção oposta e só tivesse visto a primeira parte da história, teria achado que o senhor tinha sido um cidadão exemplar. Quantas vezes uma boa atitude esconde uma má intenção? E o contrário também: quantas vezes julgamos mal algumas atitudes por não as entendermos completamente? Quantas vezes vemos apenas uma parte da história e criamos um julgamento totalmente equivocado? Aliás, a bem da verdade, nós vemos sempre apenas um lado, uma parte da história. Não nos apressemos a julgar, a rotular em bom ou mau. Até porque uma coisa boa pode revelar-se má e vice-versa. E, até em coisas que nos parecem más, como no episódio que narrei, há alguma coisa boa que se pode tirar: pelo menos, foi uma mina a menos no campo minado que se tornam certas calçadas. Evitou que alguém pisasse aquilo.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

57-365

 


Quando eu conecto os pontos das coisas que moveram a minha vida até agora, é muito claro que uma das coisas que tive de aprender a cultivar foi a disciplina. Enquanto pratiquei ginástica artística, a disciplina era essencial: eram 4 horas de treino em 6 dias da semana (com poucas semanas de férias) e, em cada treino, eram repetições e repetições dos mesmos exercícios. A treinadora, às vezes, até brincava connosco "É para fazer N vezes! O que é N? Indeterminado..." E era assim mesmo. Quantas vezes tínhamos de repetir um exercício até o conseguirmos executar sozinhas e bem? N vezes. Depois da ginástica, comecei a dedicar-me mais ao estudo de piano. Eram igualmente horas de estudo, 7 dias na semana, com repetições e repetições dos exercícios e músicas. Quantas vezes temos de repetir algumas passagens das músicas até as conseguirmos executar bem? N vezes.
Com total naturalidade deparei-me com o facto de "disciplina" ser um dos pilares do yoga. "E aquela (repetição), praticada com dedicação e cuidado, sem interrupção e por longo tempo, é a base firme." (Glória Arieira) Este conceito (abhyasa), aplica-se não apenas à prática das posturas (āsanas), mas também, e principalmente, ao conhecimento da nossa verdadeira natureza, que é o objetivo do yoga. Para entendermos quem somos e porque somos como somos, temos que ter uma atenção constante aos nossos hábitos e escolhas. Caso contrário, seremos escravos de automatismos que se instauraram com o tempo: os mesmos gatilhos, geram as mesmas reações, que geram as mesmas emoções, que são sensíveis aos mesmos gatilhos. Para podermos libertar-nos dessas "flutuações da mente" que nos impedem de perceber a nossa verdadeira essência, é preciso atenção plena, constante. Só assim poderemos ter escolhas conscientes. Só assim poderemos tornar-nos conscientes de nós mesmos. Em quanto tempo? Quantas vezes? N vezes. O que não me assusta nem desanima, porque, pela minha experiência, por mais antagónico que possa parecer, percebi que a disciplina não nos aprisiona: liberta-nos. É ela que abre as nossas asas e nos permite voar. Sem disciplina, não saímos do chão. (E eu sempre gostei de voar.)

O que Jesus faria (4)

Um dos sermões mais bonitos de Jesus, na minha opinião, é o chamado Sermão da Montanha. É rico em ensinamentos, e aquilo que mais me chama a atenção é o quanto Jesus prega o Amor. Não apenas o amor a quem nos é próximo, mas um tipo de amor bem mais desafiante: àqueles que são nossos inimigos. Jesus defende, em cada palavra, o entendimento, o perdão, a compaixão, a entrega. Como os seus ensinamentos são atuais! Quando olhamos à nossa volta - e, admitamos, para nós mesmos - percebemos como é fácil cair na tentação de revidar. Principalmente hoje em dia, pós-pandemia, a tolerância das pessoas parece ter-se reduzido a níveis mínimos. Por vezes, coisas insignificantes, geram reações desmedidas. É bem mais fácil reagir, responder, devolver a agressão do que colocar-se no lugar do outro, compreender, ou até ajudar. E é esse o desafio que Jesus nos coloca: amai os vossos inimigos, "fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem". Não só ele pregou isso como realmente o viveu, em toda a sua vida. Foi um excelente professor, que viveu as lições que ensinou. Um Mestre. Perdoou a quem o caluniou, amou a todos, sem excepção. E aí está o grande desafio, pois "Se amais os que vos amam, que agradecimentos merecereis? Se fazeis o bem aos que vos fazem bem, que agradecimento merecereis?" Difícil é perdoar. Difícil é não devolver o insulto, o soco, a calúnia. Sempre que nos sentimos injustiçados, sentimo-nos no direito de responder, de nos defender. Aliás, há quem sinta, até esse dever, pois sente-se fraco ou humilhado caso não o faça. Mas defender-nos, muitas vezes, nada mais é do que um novo ataque. Em momentos de dúvida, pense: o que Jesus faria? Não temos de ser iluminados como Jesus a ponto de "oferecer a outra face", mas podemos, pelo menos, criar um momento de pausa entre a ofensa, ataque ou provocação e a nossa reação. Podemos tentar ser mais conscientes das nossas respostas. Quem sabe o mundo poderia ser um pouco mais pacífico, um pouco mais...amoroso.


sábado, 25 de fevereiro de 2023

O que Jesus faria (3)

Jesus começa a pregar a palavra de Deus. Alguns dos apóstolos começam a segui-lo. Uma das frases mais bonitas surge quando Jesus chama os irmãos pescadores Simão Pedro e André para o seguirem "farei de vós pescadores de homens". Outros irmãos pescadores, Tiago e João, também o seguem. Os relatos dos diferentes evangelhos quanto a este facto divergem um pouco. No entanto, o que mais chama a atenção é a forma intuitiva como a relação entre Jesus e estes quatro discípulos se estabeleceu. Ao que parece, eles já ouviam os ensinamentos de João Baptista e, sem hesitar, deixaram tudo para trás para seguir o Messias assim que o ouviram pregar. Jesus, por seu lado, chamou para o seu lado quatro jovens simples, aparentemente sem instrução, para o acompanharem no propósito de ensinar a palavra de Deus. Jesus viu além das aparências, além do óbvio, além das roupas, do conhecimento, da profissão. Ao escolher os seus discípulos diretos, Jesus observou neles as suas qualidades humanas, o seu potencial, a sua fé.

Em momentos de dúvida, pense: o que Jesus faria?
Aprenda a ouvir a sua intuição para saber quem deve seguir e quem deve permitir que o acompanhe. Prescrute além das aparências, dos títulos, do género. Dê espaço para ouvir o seu coração e não apenas a razão. Jesus mostrou-nos, através dos seus discípulos, que todos somos dignos de aprender e ensinar, se tivermos entrega e disposição. E um bom professor. Jesus foi um excelente professor, que viveu as lições que ensinou. Um Mestre.

#Jesus #apóstolos #quaresma #bíblia 

56-365





A seleção portuguesa de futebol feminino vai, pela primeira vez, participar de um Campeonato do Mundo!

Nesse ponto, eu sempre senti que nasci no tempo errado. Quando eu era miúda, adorava jogar futebol! (Ainda adoro, admito.) Era, sem dúvida, uma das minhas coisas favoritas. Naquela época, eu era uma das únicas meninas que gostava de jogar futebol e, na escola, passava os intervalos a jogar com os meninos. Modéstia à parte, jogava tão bem quanto a maioria deles. Os meninos da minha turma nunca se importaram que eu participasse. Incluiam-me. Os meus pais também nunca se preocuparam com isso. Se achavam estranho, nunca, em momento algum, o exteriorizaram. Sempre respeitaram os meus gostos, a minha maneira de ser, e sou-lhes grata por isso. Aliás, a minha mãe, com uma dose considerável de sacrifício, acordava cedo no sábado para me levar aos treinos na  escola de futebol que frequentei por um tempo - onde, mais uma vez, era uma das poucas meninas - e o meu pai jogava comigo e com o meu irmão nos parques e quadras sem o menor complexo que se lhe percebesse. Até à adolescência, ninguém fazia pouco de mim por eu ser uma menina-maria-rapaz. O meu irmão também nunca se mostrou preocupado de jogar comigo na escola ou nos treinos dele - aliás, costumamos brincar que eu é que lhe ensinei os primeiros pontapés na bola. Depois houve um período em que alguns colegas na escola me provocavam "a Joana é 'macha': joga futebol!" Eu, claro, não gostava, mas não deixava de jogar por causa dessas brincadeiras e comentários infelizes.

A única equipa que integrei foi a do futsal da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi uma das melhores coisas que me aconteceu naquela faculdade! Era um ambiente espectacular, de companheirismo, diversão, amizade. Guardo com carinho aqueles anos de convivência e o quanto nos divertíamos a jogar à bola!
Fico feliz de ver que, hoje em dia, as meninas podem jogar sem qualquer constrangimento, sem estarem sujeitas a pré-conceitos, pré-julgamentos. Ainda hoje, no torneio da escola do meu filho, o futsal foi jogado com equipas mistas e uma das meninas destacou-se pelo talento.
Que bom que hoje as meninas podem sonhar com jogar em grandes equipas e, algumas delas, chegam a viver o sonho de representar o país a jogar um Campeonato do Mundo! Aos poucos, estamos, felizmente, a caminhar para um mundo em que somos mais livres para sonhar e viver os nossos sonhos, fora das incómodas "caixinhas" do que "é de menino" e do que "é de menina". 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

O que Jesus faria (2)

 Uma das qualidades que mais admiro em Jesus é a sua humildade. Ele sabia quem era e qual o seu propósito. Poderia ter adoptado uma postura orgulhosa, até presunçosa mas, ao invés, aceitava seguir, humildemente, o caminho traçado pelo Pai. Sabia o que tinha de fazer e aceitava-o de bom grado. Por isso, e para espanto de João Baptista, a sua jornada começa com o pedido para ser baptizado por João. João hesita, responde que ele é que deveria ser baptizado por Jesus. Mas Jesus insiste: tudo tem de ser como tem de ser, e o baptismo é a responsabilidade de João. Mais uma prova da sua humildade: não se considera superior a ninguém. Embora seja o Filho de Deus, enviado para nos salvar, sabe que todos temos o nosso papel a desempenhar. Mais do que isso: ao longo da Bíblia, percebemos o quanto Jesus admira João. Após o baptismo, dá outra prova de humildade e isola-se no deserto para se aprofundar no conhecimento de si mesmo.

Em momentos de dúvida, pense: o que Jesus faria? Ele foi um excelente professor, que viveu as lições que ensinou. Um Mestre.

Desempenhe o seu papel com entrega e resignação. Entenda que todos temos um papel a desempenhar, e que nenhum é mais importante do que o outro. Admirar os outros não o coloca numa posição de inferioridade mas eleva-o em humildade. E a humildade é necessária para a nossa evolução. Quem acha que tudo sabe, nada aprende.

#Jesus #quaresma

55-365


A pandemia mexeu, claramente, com a cabeça de muita gente. Fico atónita com a quantidade de notícias que vemos aparecer na televisão de discussões no trânsito, lojas, restaurantes que acabam em pancadaria ou, mesmo, em tragédia. As pessoas parecem panelas de pressão prontas a saltar-lhes a tampa por tudo e por nada.

Quando a pandemia começou, eu fui uma das eternas optimistas incorrigíveis que acreditou que a humanidade iria sair melhor daquilo tudo. Que, talvez, toda aquela experiência nos fizesse repensar prioridades, que o melhor em nós iria aflorar, pois iríamos perceber que somos todos iguais, que estamos todos conectados, que somos mais fortes quando nos apoiamos uns aos outros. Se, para algumas pessoas, isso é, felizmente, verdade, para outra parte, parece que aflorou o egoísmo, a impaciência, a intolerância. Haja visto que, mal tínhamos começado a respirar da pandemia, já uma guerra se iniciava, guerra essa que, lamentavelmente, perdura até hoje. Parece-me tão incompreensível que, em pleno século XXI, continuemos a viver este tipo de confronto de forma tão primitiva e desumana. Parece-me tão incompreensível que não tenhamos evoluído mais, enquanto sociedade. Uns continuam a achar-se superiores aos outros. A falta de tolerância é gritante. Uma palavra mais torta, e a pessoa já reage. Hoje em dia, qualquer esbarrão acidental na rua pode acabar em discussão ou confronto físico. Muitas pessoas parecem estar fora de controle, descontam a sua raiva em tudo e todos. Mas, eu continuo a ser uma incorrigível optimista. Por isso, faço a única coisa que está no meu controle: a minha parte. Independentemente das atitudes dos outros, procuro exercer a minha tolerância, gentileza, e empatia. "Seja você mesmo a mudança que deseja ver no mundo", disse Ghandi. Talvez essa seja a forma de evoluírmos como sociedade: cada um de nós melhorar um bocadinho a cada dia. Afinal, embora alguns de nós teimem em não acreditar, somos todos pequenas partes de um imenso e único organismo. Somos minúsculas engrenagens de um enorme mecanismo. Por isso, qualquer melhoria em qualquer engrenagem, reflete-se numa evolução do mecanismo. Acredite: cada um de nós pode fazer a diferença. Seja a diferença! 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

O que Jesus faria (1)

Entrámos no período da quaresma. Este período de 40 dias antecede a Páscoa e simboliza os 40 dias e 40 noites que Jesus passou no deserto. Jesus, ao contrário de nós, sempre soube qual era o seu destino. Sempre soube o que teria de enfrentar. Temos de admitir: qual de nós teria capacidade de saber e aceitar o que nos espera lá à frente?

Após ser baptizado por João, Jesus prepara-se para iniciar a parte mais importante da sua jornada: divulgar a palavra de Deus. Ele sabe a importância do seu papel, sabe que será uma tarefa difícil, sabe as provações que o esperam. Apesar de tudo, Jesus sente as mesmas emoções humanas que nós: tem medo, dúvidas, momentos de fraqueza. Mas não vira costas ao desafio. Pelo contrário: desafia-se, além dos seus limites. Encara os seus medos de frente: afasta-se por 40 dias e 40 noites de jejum no deserto. Embora sentindo fome, mantém-se firme, embora o diabo o tente diversas vezes, oferecendo caminhos mais fáceis e menos dolorosos, ele resiste. Perante as dificuldades superadas nesses 40 dias, fortalece-se. A sua força vem de purificar-se (jejum) e da reflexão profunda (isolamento). A sua força vem de olhar para dentro, para si mesmo, e não dispersar a sua energia pelas coisas externas. E é assim que o seu propósito se torna inabalável: sabe quem é, sabe o que tem de fazer. Nada nem ninguém poderá demovê-lo.

Em momentos de dúvida, pense: o que Jesus faria? Ele foi um excelente professor, que viveu as lições que ensinou. Um Mestre.

Perante a dificuldade de algum desafio, afaste as distrações, foque-se em si mesmo, questione os seus medos, enfrente-os, e encontre as respostas que procura. E, então, estará forte para seguir adiante, independentemente da realidade que se lhe apresente.



54-365

 


Há um exercício de disciplina que tenho praticado, com alguma frequência nos últimos anos. Penso em alguma coisa que gosto muito e faça parte da minha rotina, e desafio-me a ficar sem ela por um período de tempo. Por exemplo: um mês sem comer doces, um mês sem tomar café. (Também pode ser ao contrário, introduzir alguma rotina: comprometer-me a fazer X abdominais todos os dias, por exemplo). Não, não é nenhum tipo de tortura auto-imposta. Claro, os primeiros dias custam um pouco. A mente pede aquele cafezinho para acordar, ou aquele doce para fechar a refeição com chave de ouro ou ajudar na TPM. A mente arranja todo o tipo de desculpa para nos permitir abrir uma excepção. Mas, a cada vez que me desafio dessa forma, percebo que, passada essa fase inicial mais difícil em que temos que dizer, com alguma dificuldade, "não, obrigada" a cada vez que, teimosamente, aparece a oferta do café ou do doce (sim, por mais que, em casa, eliminemos os itens, eles teimam em nos aparecer à frente nas mais variadas circunstâncias, até bem mais que o habitual!), a cada vez que dizemos "não" estamos, na verdade, a dizer "sim" à nossa força de vontade. A cada vez que dizemos "não" torna-se mais fácil, porque a disciplina e a força de vontade são um músculo que se fortalece a cada vez que o exercitamos. E, mais ainda: se, no começo, dizer "não" custa um pouco, passado um tempo, dizer "não" é bem mais recompensador do que seria tomar o café ou o doce. Não queremos mais ceder, não por obrigação auto-imposta ou sacrifício doloroso mas por prazer e felicidade de sabermos que estamos a seguir uma escolha consciente, por nos sentirmos senhores de nós mesmos, por gratificação de aprendermos a dizer "não" com leveza e desapego. Porque se pararmos para pensar: realmente escolhemos tomar aquele café ou comer aquele doce? Ou simplesmente cedemos a um impulso ou a um hábito instalado? Dizer "sou livre para comer os doces que quiser" não será, por vezes, um eufemismo para "eu sou escravo da minha necessidade de comer doces"? Na minha experiência, digo-vos que, por mais antagónico que pareça, quanto mais digo "não", mais livre me sinto. 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

53-365


Às vezes, em mudanças bruscas de temperatura, a minha perna direita lateja levemente, relembrando-me que ali ocorreu uma fratura. Uma das dores mais fortes que já senti na vida, acordada por um frio súbito, ressurge, aqui e ali, como uma dor-relâmpago. Aparece como uma mera sombra da dor que foi, um dia.
Quantas dores do passado temos, latentes, em nós? Quantas vezes somos confrontados com situações que, como um frio repentino, nos relembram essas dores que já vivemos, que julgávamos extintas, mas estão apenas adormecidas? Cito, mais uma vez, Jung "aquilo a que resistimos, persiste." Devemos aceitá-las, acolhê-las, para que possamos entendê-las. Só podemos transformar as dores que conhecemos e reconhecemos como nossas. E, então, poderemos senti-las sem que nos magoem novamente. Não temos que as reviver: cada vez que uma sombra delas aparecer, poderemos, finalmente, dizer "És tu, minha velha conhecida! Já sei o que fazer contigo" e, calmamente, poderemos indicar-lhe que caminho seguir. As dores podem fazer parte de nós, mas nós não temos de ser, eternamente, as nossas dores. 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

52-365

 


Hoje fiquei a pensar nas palavras de uma das minhas melhores amigas "Qual é o sentido da vida se, no final, vivemos para morrer?" Lembrei-me de uma vez estar num táxi aqui em São Paulo e o taxista, ao presenciar uma imprudência de outro condutor, dizer "para quê tanta pressa se vamos todos acabar no mesmo lugar?"
É difícil entender e abarcar a nossa mortalidade. Tanta luta, tanto sacrifício, tanta correria, tanto empenho para, no fim, tudo acabar. Parece, realmente, muito injusto. E não creio que haja uma resposta que possa acalentar-nos aqui. Façamos o que fizermos durante a nossa vida, o final é o mesmo para todos nós. Então, qual o sentido? Para quê preocuparmo-nos seja com o que for, se o final é o mesmo para todos?
Então, olhei à minha volta: qual o sentido da existência de uma flor? Desabrocha, vive um tempo, seca e morre. Parece igualmente injusto. Mas enquanto ela vive, espalha o seu perfume, há animais que se alimentam do seu pólen e o espalham por aí promovendo a sua reprodução, pode ser abrigo para animais, há pessoas que a contemplam, pode até ser eternizada numa fotografia, num poema, numa música, num quadro. Enquanto a flor está viva, ela apenas tem um propósito: ser a flor que nasceu para ser e desempenhar o seu papel no ecossistema em que está integrada. Então, talvez o sentido da nossa existência, o nosso propósito, não seja outro a não ser sermos humanos, a nossa melhor versão possível de ser humano. Talvez o que é importante, então, é procurar não o sentido da vida e da morte, mas o que significa ser humano. Por alguma razão que desconhecemos - e que, provavelmente, jamais iremos saber -  nascemos neste corpo, com esta mente, com estas habilidades. Talvez o que importa é o que fazemos com isso no curto espaço de tempo em que nos é permitido andar por aqui. A flor espalha perfume, pólen, beleza. E nós, o que mais nos define enquanto seres humanos? O que significa ser humano? Acredito que a coisa mais importante é se espalhámos amor. Se o derramámos em quem conviveu connosco, em quem cruzou o nosso caminho. Fomos porto seguro, abrigo? Iluminámos o caminho dos outros? Acrescentámos mais do que tirámos? No momento de nos despedirmos, deixamos um bocadinho de  nós vivo em outros seres humanos? Nascemos para ser humanos, e a coisa mais bonita de se ser humano é amar e estabelecer conexões profundas com os outros. É esse o sentido da vida. Por que não podemos viver para sempre e viver essas conexões eternamente? Não sei. Não conhecemos todas as razões deste mundo. Mas uma coisa é certa: a vida pode não ser eterna, mas se foi vivida com propósito, eterniza-se no amor. Se fomos, da forma mais autêntica e genuína possível, o melhor ser humano que pudemos ser, a nossa vida terá tido sentido. Porque o amor é o que dá sentido à vida. O amor é o sentido da vida e a vida sente-se no amor. Quem verdadeiramente procurou, em vida, ser humano, será, para sempre, Amor.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

51-365

 




Esta árvore gigantesca está a poucas quadras da Avenida Paulista, uma das mais importantes e movimentadas de São Paulo. Embora passe por ela todas as semanas (e por outras igualmente magnânimes na região da Avenida Faria Lima e Jardins) nunca me canso de a observar e de me impressionar com a sua dimensão. Passar por esta árvore, no meio de um bairro nobre de São Paulo, faz-me sentir a grandeza da natureza. Há quantos anos aquela árvore está ali? Quantos anos demorou a transformar-se de uma pequena semente na complexa estrutura que observamos hoje? Naquela pequena semente que ela foi um dia, já estava tudo o que ela precisava para se tornar a imensa árvore que é hoje. Querem milagre maior do que esse? Muitas vezes passo por ela e penso como conseguiu manter-se ali, forte, erguida no meio de tantas construções, cimento e alcatrão. Imagino-a imortal, a resistir a todos os prédios, arranha-céus! Reflito na persistência, resiliência e força daquela árvore, de como foi possível não se render perante nenhuma incursão do Homem! E, no meio disso, percebo que ela continua a existir graças ao nosso dióxido de carbono e ela ajuda-nos a existir com o oxigénio que libera na atmosfera. Já experimentou ficar em baixo de uma árvore e sentir, perceber, essa troca essencial que ocorre entre nós? É uma sugestão que li em "Engenharia Interior" (Sadhguru) e passo adiante aqui a quem me ler. Participar da grandeza da natureza é um verdadeiro privilégio. Experimente. 

domingo, 19 de fevereiro de 2023

50-365

 


Ao ler sobre os Yoga Sutras de Patanjali, um dos tratados mais importantes na literatura do yoga, percebemos que, na concepção do yoga, o problema essencial da existência humana é o véu de ignorância que cobre a nossa percepção de quem realmente somos. Procuramos as respostas para quem somos fora de nós quando, na realidade, as conhecemos olhando para dentro. Então, para o yoga, o conhecimento liberta, pois remove a ignorância que nos impede de perceber a nossa real essência. Ao ler sobre isto, lembrei-me da famosa frase da Bíblia "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará."  Esta é uma das coisas que mais me fascina no autoconhecimento: perceber que, em diversas tradições aparentemente distintas, encontramos os mesmos princípios, descritos de formas diferentes. Se pensarmos na Antiguidade Clássica, também Platão defendia que "conhecer é relembrar" o que a nossa alma já sabe. O conhecimento liberta-nos das falsas ilusões do mundo das aparências - qualquer semelhança com Matrix não é pura coincidência. E o que seria conhecer? Parece-me que apenas conhecemos aquilo que experenciamos - tal como,  aproveitando a citação, no Matrix só era possível conhecer o mundo real ingerindo a pílula vermelha e acordando, de facto. Temos o clássico exemplo do tomate: podemos saber que o tomate é uma fruta, mas é através da nossa experiência do que um tomate é e do sabor que tem que decidimos não o colocar numa salada de frutas. Podemos saber palavras da Bíblia (ou outra escritura) mas isso não nos faz conhecer Deus ou senti-lo no nosso coração. Podemos saber que as plantas realizam a fotossíntese e que efetuamos uma constante troca gasosa com elas, mas isso não nos faz sentir que estamos realmente conectadas com elas. Podemos saber lindos poemas de amor, mas isso não nos faz conhecê-lo. Podemos saber que as perdas são dolorosas, mas só as conhecemos quando somos atravessados por essa dor. Podemos saber que vamos morrer mas só conhecemos a nossa mortalidade quando a vivenciamos (por perdas, doenças, acidentes, algo que nos confronte com ela). Só conhecemos verdadeiramente aquilo que realmente experenciamos. Por isso o yoga é tão belo: leva-nos a experenciar a nossa própria existência, em todas as suas dimensões (física, mental, emocional, energética). E, voltando à Antiguidade Clássica, encontramos um dos princípios mais famosos de Sócrates: "conhece-te a ti mesmo, e conhecerás o universo e os deuses." Se juntarmos tudo, ficamos com um belo aforismo. "A saída é para dentro" (Sadhguru) : "conhece-te a ti mesmo" e "a verdade vos libertará".
Seguimos na experiência.

sábado, 18 de fevereiro de 2023

49-365

 



Nos últimos anos tenho-me aproximado cada vez mais de uma estética mais minimalista na música. Arvo Pärt, por exemplo, é um compositor que, desde os tempos da faculdade, me emociona de uma forma muito especial. A simplicidade das linhas melódicas, a forma como as ressonâncias se propagam, como o silêncio é chamado a intervir na música. Somos levados para uma atmosfera quase celestial. Divina. Nas suas palavras: "Descobri que é suficiente quando uma única nota é tocada de forma bela." Não que um Beethoven não me emocione, um magistral Bach, Mahler ou Wagner. Claro que toda a complexa malha de emoções que ali encontramos, mexe comigo. Mas, de alguma forma, na simplicidade dos minimalistas, a minha alma repousa, suspira, sente-se em casa. Talvez porque partilho o que Arvo Pärt revelou sentir como "Uma necessidade de me concentrar em cada som, de forma a que cada folha de relva seja tão importante como uma flor." Arvo Pärt diz que o canto gregoriano lhe ensinou "que um segredo cósmico se oculta na arte de unir duas ou três notas.” Eu sinto que esse segredo está lá, na música dele, e é partilhado com quem a ouve. "Tive de me livrar de tudo o que era desnecessário...para me salvar a mim próprio", diz Arvo Pärt. Conta-se que, ao ser questionado sobre como tinha conseguido esculpir Davi de forma tão bela, Michelangelo respondeu "Eu não tive de me preocupar em esculpir Davi naquele bloco de mármore, mas em retirar daquele bloco de mármore tudo o que não era Davi e, então, Davi revelou-se plenamente."Para mim, é isso que Arvo Pärt consegue na sua música: deixa que ela se revele naquilo que realmente é e, ao mesmo tempo, nós, ouvintes, sentimos que ela nos revela que é em menos que mais nos encontramos.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

48-365

 


O quanto as circunstâncias externas definem a forma como nos sentimos? Parece óbvio que, quando a vida nos corre bem, sentimo-nos bem, e quando a vida não corre bem, sentimo-nos mal. Mas será que esta equação é tão linear assim?
O que significa a vida "correr bem" ou "mal"? Corre bem quando está de acordo com o que achamos que deveria ser, e corre mal quando as nossas expectativas estão frustradas. Então, podemos dizer que, por mais incrível que pareça, não somos diferentes da criança de 4 anos que fica feliz quando brinca ou come o doce, e faz birra quando tem de comer os legumes ou dormir no horário que os pais mandam? Quando as circunstâncias externas suprem as nossas expectativas, ficamos bem, quando as põem em causa, ficamos mal. Isso torna-nos totalmente escravos das circunstâncias, escravo dos outros! Este é um conceito que já senti na pele várias vezes e trabalho constantemente em mim: o que acontece à minha volta não depende de mim, mas a forma como reajo ao que acontece, sim. Sadhguru fala muito sobre esta temática: somos totalmente responsáveis pela nossa vida, sendo responsabilidade a capacidade de dar resposta. É um conceito muito fácil de se entender e bem mais difícil de se colocar em prática. É muito mais fácil ceder a todas as razões que encontramos para não estarmos bem: "não tenho dinheiro", "não tenho uma relação", "não tenho saúde", "o chefe/namorado/a mãe/pai filho/a dá-me cabo da paciência!" É fácil pôr a culpa nos outros, ou nas coisas. Mas diz Sadhguru "a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional". Há sempre coisas que são difíceis de enfrentar na vida, mas o tipo de resposta que damos a esses eventos faz toda a diferença na forma como nos sentimos. Wayne Dyer diz "quando mudamos a forma de olhar para as coisas, as coisas para as quais olhamos, mudam." A forma com que escolhemos olhar para as coisas é nossa responsabilidade. E tudo começa com uma decisão. Todas as vezes em que passei momentos de muito desânimo, em que era fácil ceder às dificuldades, entregar-me, o primeiro passo para recuperar foi uma simples - ainda que complexa - escolha. Eu decidi não me render, com as ferramentas que tinha, com a realidade que se me apresentou, da forma que foi possível, um dia de cada vez, eu decidi mudar a forma de ver as coisas. Eu decidi ser feliz, fazer-me feliz, comprometer-me a ser responsável pela minha felicidade. Uma decisão que sou obrigada a renovar, vezes sem conta, cada vez que as circunstâncias me desafiam.
Então, volto à primeira pergunta: o quanto as circunstâncias externas definem a forma como nos sentimos? O quanto o permitirmos. Por mais difícil que seja, por mais que esteja a doer agora, por mais incerto que lhe pareça o futuro, por mais desesperante que seja a situação: saiba agora, neste momento, que a sua felicidade está nas suas mãos! Decida agora que resposta vai dar à situação que está a enfrentar. Nenhuma situação o define: é a sua resposta que o define. Então, escolha fazê-lo da melhor forma possível.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

47-365

 



Hoje à tarde, quando saí de casa, começou a chover. Primeiro uma chuva fraca, depois foi ficando mais forte. Olhei para o céu e reparei que estava sol. Imediatamente comecei a vasculhar nas brechas de céu azul: talvez um arco-irís estivesse por ali! Não. Embora estivesse uma chuva forte e um sol resplandecente, nenhum arco-íris se fez visível. No final do dia, a chuva ficou forte, acompanhada de vento, fiquei encharcada no caminho para casa, pés ensopados, roupa que dava para torcer! Lembrei-me do arco-íris que não vi hoje mais cedo. E percebi que contemplar o arco-íris e ter de lidar com a roupa molhada e fria no corpo têm uma coisa em comum: ambas são transitórias. Tudo passa. O arco-íris é temporário, a roupa molhada no corpo é despida em casa e trocada por outra seca e confortável.
A vida é assim mesmo: em constante movimento, em constante mudança. É essencial que possamos aprender a aceitar essa realidade perene das coisas. A sabedoria popular já diz "não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe." Curta o arco-íris, mas saiba que ele vai desaparecer. Não se desespere com os pés ensopados porque tudo seca.
Nem sempre encontramos aquilo que procurávamos, mas a beleza da vida também é ser surpreendido e, principalmente, é aprender a dar cor a um dia em que nos faltou o arco-íris. E nunca, nunca podemos deixar de os procurar! Não me lembro onde li esta frase, mas anotei-a, há muitos anos, numa folha que ainda guardo e nunca a esqueci: "Devemos escolher um caminho que não tenha fim e, ainda assim, caminhar sempre na expectativa de o alcançar." E, ao escrever este texto, lembrei-me que, hoje de manhã, reparei numa estátua que está na Avenida Paulista com a seguinte inscrição: "acharei o que procuro ou morrerei na empresa." E, assim, termino este dia de intempéries. (Sempre à procura.)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

46-365

 

Em Portugal chamamos-lhes melgas. Em São Paulo, são pernilongos. A convivência é igualmente difícil, cheia de zumbidos durante a noite e picadas pelo corpo que nos dão enorme e irritante comichão.
Quando cheguei aqui, em 2012, o meu corpo estava habituado às melgas e desenvolveu uma terrível alergia aos pernilongos. As picadas inchavam, ficavam duras, doíam. (O meu corpo rejeitava tanto estar em São Paulo quanto a minha mente!) Com o passar dos anos, as picadas tornaram-se menos incómodas para mim. Continuam a dar uma comichão terrível - esta semana tem sido um Deus-nos-acuda de tanta picada que tenho! -, mas não incham nem inflamam. O nosso corpo vai-se adaptando, criando mecanismos de defesa. A teoria de Darwin tem sido, por anos, mal interpretada: não é o mais forte que sobrevive, mas o que melhor se adapta. E, seguindo a teoria da evolução, eu diria que é crucial que, cada vez mais, num mundo que muda vertiginosamente a cada dia que passa, possamos desenvolver a nossa capacidade de adaptação. Na geração dos nossos pais, era possível ter o mesmo emprego a vida inteira, por exemplo. Na nossa e, principalmente dos nossos filhos, a vida está em constante mudança: surgem novas profissões, outras tornam-se obsoletas, a tecnologia não nos dá um minuto de sossego, sempre com novas conquistas. Não adianta querer agarrar-se com unhas e dentes a alguma condição. Imaginem se o meu corpo resistisse a adaptar-se aos pernilongos, se ele se agarrasse com unhas e dentes à única noção de mosquito que conhecia até então "eu não vou criar defesas contra esses pernilongos! Demorei anos e anos para me adaptar às melgas! Não vou começar tudo de novo!" Já dizia Jung, com muita sabedoria, "aquilo a que resistimos, persiste."
Siga a inteligência inata do seu corpo: não resista, e adapte-se, o quanto antes. Vai poupá-lo de sofrimentos desnecessários e abrir-lhe novas portas de paz e felicidade.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

45-365


Sempre gostei de ler. Em criança, era a última coisa que fazia antes de dormir. A minha mãe conta que, mesmo exausta do dia na escola, treino de ginástica, deveres de casa, quando me sugeria que não lesse em algum dia e fosse logo descansar, eu não aceitava. Por cinco minutos que fosse, tinha de ler.
Cada vez mais adoro ler! Não só romances que nos levam para outros mundos, mas também poesia que nos emociona, autobiografias que nos inspiram, livros de autoconhecimento ou específicos de algum assunto que nos abrem a mente. Nos últimos anos, tenho lido livros incríveis com os quais aprendo sempre mais a cada vez que os releio. Também voltei a alguns clássicos e li, pela primeira vez, outros que nunca tinha tido a  oportunidade de ler. Voltar a um livro que lemos há muitos anos (ou filme) é uma experiência muito interessante. Deparamo-nos com a realidade de que não somos mais a mesma pessoa de quando o lemos pela primeira vez. Os nossos gostos podem ter mudado, as nossas crenças, a nossa forma de ver o mundo. Por isso, reler um livro do qual gostámos muito há 15, 20 anos atrás, pode levar-nos a uma experiência completamente diferente daquela que vivenciámos na primeira leitura. Seja como for, ler é sempre uma experiência profundamente enriquecedora. Não só nos traz conhecimento, abre horizontes sobre o mundo que nos rodeia, como nos inspira, nos leva para dentro, e nos faz conhecer mais do nosso mundo interior. Quando lemos, também aprendemos a ler-nos.
Agora, desculpem. Vou retomar a minha leitura de "Grande Sertão: Veredas".

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

44-365

 


Hoje dei por mim a pensar na minha avó, como fiz tantas vezes nos últimos anos. Já faz quantos anos que a perdemos? 18 anos? As perdas são duras. Nós temos medo da perda. Sofremos por antecipação das perdas que tememos sofrer. Mas, já dizia Mário Quintana, "só o que está perdido é nosso para sempre." Dei por mim a pensar se realmente perdi a minha avó? O mundo, sim. Perdeu a sua presença. Mas em mim, a luz e a alegria dela vivem. Enquanto eu viver, ela vive em mim. Até a presença dela eu sinto. Ouço as suas palavras em mim. Não só as que me disse, um dia, mas as que intuo me diria hoje. Quanto das nossas perdas está realmente perdido para nós? Quanto das nossas perdas se torna ausência? Quando sofremos uma perda, o que nos deixa de facto? A presença física, o abraço, a gargalhada juntos, as vivências deixam de ser possíveis, mas nada do que vivemos e sentimos nos deixa. Tudo isso, é nosso para sempre. O elo não se perde. O amor não nos deixa.
Sabe aquelas bolachas enfeitadas, trabalhadas, tão lindas que até dão pena de comer? Aquela roupa deslumbrante que guardamos para ocasiões especiais? O dinheiro guardado para aquela viagem? Se não comermos a bolacha, apodrece, se não usarmos a roupa, deixa de servir ou perde a cor, aquela viagem pode nunca acontecer. Comer a bolacha, usar a roupa ou gastar o dinheiro significa que os perdemos? De certa forma, sim, mas o facto de fazermos deles experiências nossas, torna-os nossos para sempre. A perda faz parte da vida. É inevitável. Mas deixar de viver alguma coisa por medo da perda, não nos apegarmos a alguém por medo da dor, é inútil. Nós estamos aqui para viver, plenamente. Não nos apegamos às pessoas, mas ao que vivemos com elas. Não nos apegamos às relações, mas ao que elas nos fizeram sentir. E experiências e sentimentos, nunca ninguém nos tira. Todas as coisas têm um propósito, e o nosso propósito é, acima de tudo, viver e amar. Passar pela vida a tentar poupar-se das perdas, é contrariar a nossa natureza, que é amar. Não se apegue à dor. Sinta-a pelo tempo que for necessário, viva-a e, quando estiver pronto, solte-a e celebre o que a vivência deixou em si de bom, de aprendizagem ou crescimento. A verdade é que sofremos mais pelo que não nos permitimos viver do que por aquilo que vivemos e nos magoou. Tudo o que experenciamos e amamos nunca estará perdido. Vive em nós, é parte de nós. É por isso que, enquanto eu viver, a minha avó vive. E a dor de a ter perdido não é nada comparada com o tamanho do amor que tenho por ela e a gratidão e privilégio que sinto por ter convivido com ela. Cada vez que a recordo, e que escrevo sobre ela, sinto que a eternizo, da forma que ela merece. 

domingo, 12 de fevereiro de 2023

43-365

 


Não é fácil mudar. Sair da nossa zona de conforto é profundamente assustador e, muitas vezes, doloroso, mesmo quando a nossa zona de conforto se tornou totalmente desconfortável. As pessoas têm dificuldade de abandonar seus sofrimentos. Por medo do desconhecido, elas preferem sofrer com o que é familiar” (Thich Nhat Hanh) Não é fácil mudar. Imagine na Pré-História, uma tribo fazer, todos os dias, o mesmo caminho já trilhado para procurar alimento. O caminho é sinuoso, perigoso, mas demoraram muito tempo a abri-lo, a conhecê-lo, a saber a melhor hora de se aventurar nele. Poderiam tentar um caminho diferente, abrir novos caminhos, mas já aprenderam a conviver com o perigo daquele, e o receio e a insegurança do que poderiam encontrar em um caminho novo, mantem-nos presos a seguir o mesmo velho caminho sinuoso e perigoso. Com a nossa mente funciona exatamente da mesma forma. Ela tende a criar atalhos, caminhos através dos quais resolvemos problemas, reagimos, nos comportamos, vemos o mundo. Ela segmenta em "bom" e "mau" tudo o que nos rodeia. A nossa mente é uma ferramenta fantástica! O problema é que ela também nos aprisiona nesses caminhos já trilhados e nos, potencialmente, incontornáveis "eu sou assim" que ela define. Se não estivermos conscientes das nossas escolhas, continuamos a percorrer os mesmos caminhos de forma automática, sem questionar se não haverá uma forma melhor de o fazer. Se não fizermos uma escolha de quem queremos ser, continuaremos a crer que "somos assim". Aceitaremos essa natureza como os nossos ancestrais aceitavam que percorriam o único caminho possível. Só porque é mais fácil manter-se no que já conhece. É fácil dizer "eu sou preguiçoso" e não arrumar o quarto ou não se exercitar. É fácil dizer "eu sou distraída" e não se focar nos estudos. É fácil dizer "eu sou pessimista" e entregar-se ao derrotismo, não lutar para ser feliz. Mudar é difícil. É assustador. Exige esforço, dedicação, trabalho. Mas o que mais exige é uma decisão. E coragem. Decida que não mais será escravo do que a sua mente lhe dita! Decida que, a cada momento, é você que escolhe o que quer ser! E tenha a coragem de ser fiel à sua decisão! Todos os dias, a cada momento, substitua cada pensamento que não estiver de acordo com a sua decisão por outro que se encaixe nela. Não se acomode, não se resigne a ser o que se convenceu que é!  Seja persistente e convença a sua mente da sua decisão e ela será sua aliada na mudança. A nossa mente é uma ferramenta incrível! Não se deixe manipular por ela. Use-a! Já reparou que a nossa mente nos mostra sempre mais daquilo que achamos que somos ou merecemos? Quando nos sentimos numa fase má, que tudo nos acontece, todos os dias encontramos mais razões para nos convencermos disso. Quando achamos que a fase é boa, encontramos mais coisas que nos fazem sentir sortudos. Então, seja tão firme na sua decisão, que a sua mente, ao invés de o sabotar, o impulsione na direção da mudança. Somos maiores que os nossos medos, que as nossas limitações, que as nossas crenças. Imagine-se a viver sem esse medo, essa limitação, essa crença? Como se sentiria? Como pensaria? Como agiria? O que poderia mudar na sua vida em consequência dessa mudança interior? Não vale a pena o esforço? Decisão e coragem! E vá lá ser feliz!


(O trabalho de Marisa Peer é profundamente inspirador nesta temática. Procure os vídeos no YouTube.Vale a pena!)

sábado, 11 de fevereiro de 2023

42-365

 


Sabemos que, diferentes emoções, produzem diferentes químicas no nosso corpo. Em momentos de stress, por exemplo, produzimos mais adrenalina e cortisol - o tipo de química que mobiliza os nossos músculos, que direciona a nossa energia para "fugir ou lutar" (diminuindo outras funções como a da nossa imunidade, por exemplo). Não por acaso, em situações de muito stress e adrenalina, as pessoas conseguem fazer coisas que exigem uma força extraordinária (como levantar um carro para salvar alguém, por exemplo.)
Joe Dispenza aprofunda ainda mais esta temática no seu trabalho, e explica-nos que, como acontece com qualquer química (tabaco, droga, álcool, etc), o corpo vicia-se na química das emoções que produzimos recorrentemente. Essa é uma das razões pela qual nos é tão difícil mudar. Imagine que, por alguma razão, sente-se uma vítima ("a mim tudo me acontece", "eu não tenho sorte", etc). Se esse tipo de pensamentos lhe ocorrer persistentemente, o seu corpo habitua-se à química gerada por eles. No momento em que essa química lhe faltar no corpo, ele vai "pedir-lhe" por ela. Então, a sua mente, vai começar à procura de formas de produzir essa química: vai procurar (e encontrar!) todas as razões para que se sinta uma vítima novamente. Ao fazê-lo, produz-se a mesma química, o "vício" nela fortalece-se, e estabelece-se um ciclo do qual é difícil sair. Mas, se o pensamento gera a emoção e a emoção gera a química, então, significa que trazendo a sua atenção aos seus pensamentos, pode aperceber-se deles e escolher melhores pensamentos. Pensamentos melhores, geram emoções melhores, que geram química melhor. Ou seja, partindo dos seus pensamentos, pode criar um novo ciclo bem mais positivo. Este conceito é relativamente fácil de ser entendido, mas não tão fácil de ser executado. É muito mais fácil pensar, reagir e sentir da forma que sempre fizemos porque esse caminho já está trilhado em nós. É automático. Mudar exige esforço. Esforço de criar um caminho novo. Esforço de refletir em quais pensamentos nos geram quais emoções. Esforço de substituir um pensamento por outro melhor e, assim, produzir novas emoções. Mas imagine, apenas imagine que isso é possível: não seria bom poder, automaticamente, gerar gratidão e amor em si mesmo ao invés de vitimização, insegurança ou tristeza? Não seria bom, para variar, decidir que tipo de química deixa fluir no seu corpo? 

Se o assunto interessar, os livros de Joe Dispenza são, entre outros:
"Como criar um novo eu"
"Como se tornar sobre-humano"


#joedispenza #joedispenzaportugues

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

41-365

 


Uma coisa surpreendente na cidade de São Paulo é a quantidade enorme de árvores de fruto que se vê pela cidade. Em algumas épocas do ano, o chão fica repleto de pequenos frutos vermelhos (pitanga), em outras são frutas que se assemelham a estrelas amarelas (carambola). Também se vêem limões nas árvores, amoras ou, como nestas fotografias, jacas e jabuticabas. A jabuticaba (à esquerda) é particularmente interessante porque não fica na copa da árvore, mas ao longo do tronco. Pequenos fruto que se assemelha, na aparência, a uma cereja. Pessoalmente, é uma das minhas favoritas. Come-se como, em Portugal, fazemos com os tremoços: um rasgo na casca e, com os dedos, empurramos para a boca a espécie de polpa que fica por dentro. (Tem uma pequena semente no centro que dá para engolir.)
Por incrível que pareça, São Paulo não é só uma imensa selva de pedra. Em cada canto e recanto, há surpresas pelo caminho. Como em tudo, é preciso atenção, e olhar para além do óbvio e do pré-concebido. E, para isso, é necessário criar uma abertura, um espaço entre o que percebemos e o que antecipávamos perceber. É nesse espaço que a contemplação e o encantamento acontecem.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

40-365

 


Eu sou grata, muitíssimo grata, pela experiência de ser mãe. Para mim, tem sido um verdadeiro portal de autoconhecimento. Os filhos mostram-nos as questões que estão por trabalhar em nós mesmos - eles apertam todos os nossos "gatilhos". Os nossos filhos não vêm até nós por acaso. Eles vão desafiar-nos naquilo em que mais temos necessidade de evoluir. É uma pessoa egoísta, egocêntrica? Tem problemas de autoestima, insegurança? Dificuldade para se entregar, ou não sabe impôr limites? Não se sente respeitado, amado? É preguiçoso, demasiado ambicioso? É manipulador, autoritário? O que quer que seja que tem mal resolvido em si mesmo, o seu filho vai estampar-lhe isso na cara e convidá-lo a melhorar. Talvez ele mesmo apresente essas características e o convide a olhar-se ao espelho, a perceber-se e, melhorando a si mesmo, poderá ajudar o seu filho a melhorar também, ou talvez ele o coloque em situações em que todas essas suas emoções mal resolvidas vêm à tona. Muitas vezes, temos tendência para culpabilizar a criança: "ele/a tira-me do sério!" Esse é o momento de olhar para dentro. O mais fundo possível. Sem reservas. Sem contemporização. Não é a criança que "nos tira do sério". Somos nós que não sabemos lidar com o que a criança nos mostra. Ao invés de se desesperar, aproveite a oportunidade para se questionar, para refletir: o que eu tenho a aprender aqui? Qual a lição escondida nesta experiência? Sem dúvida, com os filhos, é onde este portal mais se escancara, mas podemos observá-lo, também, nas outras relações.
Que os nossos desafios nos abram ao crescimento.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

39-365

 


Os filhos surpreendem-nos em tudo! Shefali Tsabary - de quem recomendo, vivamente, que vejam os vídeos, palestras e leiam os livros - diz que, quando a criança nasce, já é um ser, em tudo, soberano. Eles já "vêm prontos". O nosso papel não é moldá-los, dar-lhes a forma que supomos ser a melhor, mas sim proporcionar-lhes o terreno fértil para que cresçam e floresçam naquilo que já nasceram para ser. (A famosa comparação entre sermos "carpinteiros ou jardineiros".)
Isto envolve um extremo trabalho interior de nós, pais. De nos dedicarmos a conhecer os nossos filhos, de os aceitarmos como eles são, de nos desapegarmos de expectativas inúteis e prejudiciais. E também de nos (re)construirmos no melhor exemplo possível para eles - a criança presta mais atenção à nossa atitude, aos nossos actos do que às nossas palavras (temos de viver o que pregamos...Não adianta dizer à criança que tem de aprender a lidar com as emoções e, na primeira contrariedade, entrarmos em histeria, gritos, etc...)
As expectativas são uma parte muito importante da questão. Inadvertidamente, tendemos a idealizar várias coisas em relação aos filhos, o que é um tremendo equívoco. Eu, por exemplo, quando soube que ia ter um menino, fiquei, confesso, aliviada por me ter livrado dos lacinhos, vestidos, e todas as coisas "de menina", e feliz na minha ilusão de "poder jogar à bola com ele, ensiná-lo". Realmente as "coisas de menina" passaram longe, mas o futebol também, porque o Mateus não gosta de futebol. Nunca gostou. Tantas outras coisas que pensei que iam ser assim, foram assado. Até os olhos dele, que pensámos que seriam castanhos ou verdes, saíram no tom de azul maravilhoso que ninguém soube prever! Devemos abraçar essas surpresas, aprender e crescer com a pessoa que o nosso filho é.
Ele é ele mesmo, e não uma espécie de "2a edição" nossa. Ele não tem de nos agradar, não tem de ser quem nós achamos que ele deveria ser. Não tem de ser quem ele acha que nós achamos que ele deveria ser. Ele tem, sim, de descobrir quem ele é e, igualmente importante, quem ele quer ser. Nós podemos iluminar caminhos, ajudar na busca, ser presentes, sempre. Podemos, até, ajudar a abrir caminhos, mas é ele que tem que os trilhar, por escolha dele. Nós, pais, temos, principalmente, de abandonar qualquer expectativa de que eles, os nossos filhos, vão ser isto ou aquilo, que vamos fazer deles mini-pessoas que nunca erram. Quantas vezes já errámos na vida? Quantas pessoas já decepcionámos? Por que temos esta tendência insana de querer que as nossas crianças sejam perfeitas se nós não somos e nunca fomos? Mais ainda: por que tantos pais esperam que os filhos façam e sejam o que eles não fizeram ou foram? Acredito que devemos passar, aos nossos filhos, valores mas não crenças, amor mas não cobrança, orientação mas não imposição, opções mas não a escolha. Devemos aproveitar esta enorme dádiva, não para sermos uma resistência a quem eles são, mas para crescermos com eles: não há maior inspiração na vida do que um filho. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

38-365

 


Como não se comover com as imagens que nos chegam do terremoto na Síria e Turquia? Nos últimos dois anos, temos vivido situações desafiadoras. Passámos por uma pandemia que, nas suas várias ondas, matou milhões de pessoas no mundo. Onda atrás de onda, os números de mortes transformaram-se nisso mesmo: em meras estatísticas que nos acompanhavam diariamente e às quais, lamentavelmente, nos fomos habituando. 2000 mortes por dia, depois do choque inicial, deixavam-nos receosos e tristes, mas já não chocados. Depois, ainda mal tínhamos conseguido respirar da pandemia, começaram a chegar imagens da guerra na Ucrânia. Destruição, morte, êxodo. Mais tristeza a que, infelizmente, nos fomos habituando também. Ontem, chega-nos a notícia da catástrofe na Síria e Turquia. E a Síria que, há anos, já sofre com a devastação da guerra! Hoje, confesso que, ao ver aquelas crianças a ser resgatadas, fiquei profundamente emocionada. Crianças tão pequenas, a serem retiradas dos escombros todas cobertas de poeira, com olhares perdidos, exaustas, feridas, e a emoção dos adultos que as salvaram, dos adultos que as receberam de volta à vida. Os aplausos, a esperança renovada de encontrar mais sobreviventes. A celebração da vida, a crença no milagre. A verdade é que, todos nós, a cada dia, renascemos. Só não paramos para pensar nisso. Assim como, lamentavelmente, banalizámos as mortes por covid e nas guerras, banalizamos ainda mais o facto de, a cada dia, nos ser dada a bênção de continuar vivos. De certa forma, essa banalização é uma forma de nos protegermos: ninguém quer encarar a sua mortalidade de frente. Ao ver aquelas crianças a renascer dos escombros, celebrei, com os olhos marejados, o milagre que lhes foi concedido, e relembrei-me deste milagre que todos nós devemos ter presente: a cada dia renascemos. Sorria: ainda estamos aqui! 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

37-365

 


São incontáveis as vezes em que já me perguntaram "Você não é daqui, não?" A última vez foi um taxista. Ouviu-me dizer qual o nosso destino, ouviu-me trocar algumas frases com o Mateus e lançou a tal da pergunta. Respondi que "não...quer dizer, eu não sou, ele é dos dois lugares". Eu não disse de onde sou, e ele continua "É, o português dele já é bem melhor!.." O que eu me ri! Ainda me rio aqui a relembrar a história e a escrevê-la. O Mateus olhou-me com ar de interrogação. Eu respondi, ainda a disfarçar o riso, "É, para aqui, o português dele é melhor, sem dúvida, para Portugal, provavelmente, o meu é melhor". O senhor ficou, visivelmente, surpreso por eu ser...portuguesa, e falar a mesma língua que ele!
Partilho este episódio não pelo caricato da situação mas porque ele, aparentemente insignificante foi, para mim, cheio de significado. Por um lado porque é como sempre digo " na vida, é tudo uma questão de perspectiva." O que é bom e mau, melhor e pior? São só perspectivas. E, vou mais além, isso realmente importa? E, segundo, e mais importante - desculpem-me permitir-me a mim mesma este momento, mas acho essencial irmos celebrando as nossas pequenas vitórias - a Joana Gabriela de há 10 anos atrás jamais, jamais viveria este episódio com tamanha leveza e bom humor. Eu fartei-me de rir com o senhor e rio-me sempre que conto esta história. Não me senti minimamente ofendida ou atacada. Se fosse há 10 anos atrás, eu teria ficado fula "Como assim o meu português é pior?! Que palhaço! Eu, portuguesa, com um português pior! Essa é boa!" Assim como ficava fula quando me diziam "O seu sotaque ainda é bem forte, não?" Pensava "Como assim, o meu sotaque? São os brasileiros que têm sotaque, não eu!" Mais uma vez: é tudo uma mera questão de perspectivas. E o problema é que há 10 anos atrás, eu estava tão apegada à minha identidade como portuguesa que, a qualquer comentário acerca dos portugueses ou Portugal, eu sentia-me atacada. O perigo de criarmos fortes identificações é que elas nos colocam em pequenas "caixas" que nos confinam. Quanto mais nos sentimos pertencentes àquela caixa, mais queremos defendê-la e, quanto mais a defendemos, mais lhe pertencemos e menos dispostos estamos a sair dela e ver como são as outras caixas - ou, eventualmente, perceber que não temos que viver em caixas...Então, é esta pequena vitória que eu celebro: um pouco mais de desapego na minha vida. E não me interpretem mal: eu amo Portugal, amo mesmo, muito (não vejo a hora de lá voltar e de voltar para lá), só que percebo agora que ser portuguesa não me define. Ser portuguesa define-me tanto quanto ter olhos verdes. Se alguém me disser "pessoas de olhos verdes são assim ou assado", eu vou ouvir a opinião, respeitar e, sem a menor necessidade de me defender, seguir com a minha vida, porque a cor dos meus olhos não é quem eu sou. Eu não sou o meu sotaque, não sou a minha nacionalidade, nem o meu nome, nem o meu género, nem a cor dos meus olhos. E, por mais que o lugar em que nascemos nos influencie nas vivências e crenças que temos, nada disso é quem somos, em essência. Ser portuguesa definiu parte da minha experiência até aqui, mas não quem eu sou ou o que faço com ela. (Aliás, muitas das coisas que acabamos por absorver em função de cultura, sociedade, etc, impedem que nos conheçamos a nós mesmos.) Não me canso de citar estes versos de Alberto Caeiro:

"Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu."

Então, a minha pequena celebração é esta: mais um pouco de "tinta raspada" que me permite espreitar o que me é revelado nesse espaço que aí surge. (E cada espaço que ganhamos, é mais liberdade e leveza na nossa vida.)

domingo, 5 de fevereiro de 2023

36-365

 


Uma coisa que o yoga trabalha é a consciência corporal e respiratória. Ela traz-nos imediatamente para o Presente, e é um caminho para nos conhecermos melhor. Há várias, variadíssimas formas de o fazer dentro da prática do yoga. Mas também podemos explorá-la fora do tapete de yoga. Ao caminhar: concentre-se no movimento dos seus braços. Não interfira, só observe. Observe como o peso do corpo se move de um lado para o outro do corpo a cada passo, quais músculos das pernas e quadril são accionados e de que forma. Sentado: observe a sua respiração, o ar a passar nas narinas, a sensação de quente e frio quando o ar sai e entra, observe como o corpo infla na inspiração e se contrai na expiração, sinta o ar percorrer cada parte do corpo. Também pode observar o piscar dos olhos (pois é, estava a piscar até agora e só se apercebeu depois de me ler aqui. E agora já nem sabe se estava a piscar tanto assim, ou se começou a piscar mais só porque me leu. Não interfira: seja só observador). Deitado de barriga para cima, braços ao longo do corpo: faça uma espécie de scanner pelo seu corpo (se ajudar, imagine que uma luz vai iluminando cada parte do corpo, percorrendo-o). Comece pelos pés, sinta desde a ponta dos dedos até ao calcanhar (mais uma vez, pois é, os seus pés já estavam aí e só está a senti-los, com leves formigamentos, sensação de calor, ou outras depois de me ler aqui). Vá subindo até aos joelhos. Procure sentir cada parte do corpo, cada músculo. Sem se mexer, perceba as suas pernas, quadril. Vá percorrendo, calma e minuciosamente, cada parte do corpo. Mãos, braços, ombros, pescoço, sinta o coração bater, e detenha-se aí um pouco. Rosto, cabeça, topo da cabeça. Depois inspire profundamente e expire mais profundamente ainda, sentindo que o corpo relaxa completamente na cama. Faça este exercício alguns minutos antes de adormecer.
Se experimentar alguma destas práticas e quiser partilhar as sensações que lhe causaram, deixe aqui nos comentários ou, se preferir, em mensagem privada.
Boas práticas! 

sábado, 4 de fevereiro de 2023

35-365

 


Partilho sempre com os meus alunos uma frase atribuída a Beethoven "mais vale um erro com convicção do que um acerto sem convicção". Uma nota certa tocada "a medo" não convence o público. O ouvinte pode ser levado a pensar "será que está a tocar certo?" Uma nota errada tocada com convicção "ilude" o público. O ouvinte pode pensar "esta parte era mais estranha" ou, pode simplesmente nem se aperceber de nada (caso não conheça a obra em questão). Quando estávamos a tocar em aula, o meu professor gritava, nas passagens mais difíceis das obras, "Fé! Fé!" É preciso acreditar para vencer o medo. Ninguém se atira de uma prancha fazendo vários mortais e piruetas antes de entrar na água se não acreditar que é capaz. Ninguém abre uma empresa se não acreditar que vai ter êxito. Ninguém tenta mudar um hábito se não acreditar na sua disciplina. Ninguém enfrenta um tratamento complicado se não acreditar na cura. Ninguém abre o seu coração se não acreditar que está num lugar seguro. Ninguém se arrisca sem acreditar no seu potencial.
Medo, todos sentimos. O que é importante é não nos deixarmos paralisar por ele. A questão não é quão forte é o seu medo, mas quão grande é a sua fé. Em que é que acredita? É isso que o leva para a frente (ou não). Não é o medo que nos estagna, é a nossa incapacidade para acreditar.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

34-366

 


A minha professora de piano dizia "se tu te emocionares, os outros também se emocionam". O meu professor de piano na faculdade dizia "acreditas no que acabaste de tocar? Se não acreditares, ninguém 'compra' "
Eu acho que isto é o que a Música - e a Arte, em geral - tem de mais especial: este diálogo que acontece entre a minha Verdade e a Verdade de quem me ouve. Não necessariamente são a mesma, mas há algum ponto de encontro entre o que eu expresso e o que o ouvinte acolhe. Para mim, a coisa mais especial de tocar para os outros é estabelecer esta ponte. Porque esta ponte mostra-nos que, para lá das nossas eventuais diferenças, o que nos une é mais forte. Quando se emocionam com a minha música, sinto que contribuí de uma forma positiva para o mundo que me rodeia, porque acredito que estamos aqui para nos inspirar uns aos outros, estamos aqui para espalhar amor, e a Arte é uma das formas mais amorosas de nos expressarmos. "Os músicos são mestres do Amor: cada nota que tocam é feita com amor." (Paul Tortelier, violincelista). Por transcender a limitação das palavras, é um encontro de sensibilidades: a minha Verdade fala à do ouvinte. De alguma forma, aquilo que sou e que transborda na música, conversa com aquilo que o ouvinte é e para o qual desperta ao mergulhar na música. Wynton Marsalis (trompetista) disse uma vez a alunos "se tocam pelos aplausos, é isso apenas que vão ter". Em tudo o que fizer na vida, não procure validação, bajulação, recompensa, procure o Encontro. Inspire-se para inspirar os outros, entregue o seu melhor para fazer do mundo um lugar melhor. Derrame amor em tudo o que fizer, pois é esse o elo que nos une, e é essa a linguagem da nossa alma.