O título não pretende ser um plágio mas uma vénia a esse grande livro desse grande escritor/cronista: As minhas aventuras na República Portuguesa (Miguel Esteves Cardoso). Neste humilde endereço, apenas um pouco de tudo, um pouco de nada, muito de mim.
quinta-feira, 27 de abril de 2023
100-365
sábado, 22 de abril de 2023
99-365
Uma das coisas que os jogos têm de estimulante é o desafio. Para passar determinada fase, temos de passar por vários obstáculos. Alguns são mais fáceis ou intuitivos e conseguimos passar por eles na primeira tentativa, mas outras partes são verdadeiros quebra-cabeças. Primeiro temos de perceber o padrão do adversário ou da situação. Normalmente há um padrão na forma como o nosso inimigo se movimenta, ataca, defende, ou há o tempo certo de pular, virar, acelerar, travar. Depois de identificar e perceber o padrão, temos que perceber de que forma podemos contorná-lo com os nossos movimentos. A nossa vida também é cheia de padrões que se repetem. Tal como nos jogos, se dedicarmos tempo e atenção a reconhecê-los, podemos entendê-los e aprender a contorná-los. Nos jogos, cada vez que perdemos, que erramos, não é um fracasso: é uma informação a mais que obtemos. Se daquela forma não deu certo por determinada razão, isso leva-nos a procurar, criativamente, uma nova estratégia, uma outra solução. Cada erro a mais, é mais informação que obtemos e, com esses dados, vamos construindo o mapa para ultrapassar aquele obstáculo. Quem já jogou esse estilo de jogos sabe a sensação de ter errado mas sentir "agora sim! Agora sei como fazer!" O erro, ali, apresenta-se-nos quase como uma revelação. É o erro que abre a porta ao acerto.
É difícil lidar com os próprios erros, com os caminhos sem saída em que, por vezes, nos perdemos. Talvez a melhor forma seja encarar o erro como parte do processo para a descoberta do acerto. O erro não é a conclusão, é só um prelúdio para o que se lhe segue. Se não desistirmos a cada vez que ele nos trava. Se o usarmos não como um impedimento para seguir adiante, mas como um impulso para nos levar mais além.
domingo, 9 de abril de 2023
O que Jesus faria (18)
E ao terceiro dia, Jesus ressuscitou. Depois de todo o sofrimento, toda a humilhação, enfim, venceu o mundo. Renasceu. Glorificado. Ao reencontrar os seus discípulos, "Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram!" (O famoso "ver para crer" de São Tomé.)
98-365
Páscoa é tempo de reflexão. Domingo de Páscoa simboliza o renascimento. A Luz que surge das Trevas. O impossível que se fez possível. É tempo de renovação. Renovar fé e ânimo. Renovar sonhos e planos. Renovar laços e afetos. Renovar palavras e gestos (de amor). Renovar hábitos e escolhas. Renovar o desapego e a entrega. Renovar empatia e compaixão. Renovar o perdão. Renovar energias e pensamentos. Renovar-se. Reinventar-se. Recriar-se. Renovar o brilho no olhar e o calor no coração. Deixar que a Luz se renove a cada dia. E renovar-se n'Ela. Com esperança. Renovar a esperança, sempre. (O impossível pode fazer-se possível.)
97-365
Na música, quando surge uma dissonância, não fugimos dela, não a evitamos: deixamo-la em evidência. Quanto mais a dissonância se destaca, melhor vai soar a consonância que lhe sucede. A consonância, aí, funciona como acender uma vela numa sala escura. Quanto mais escuridão - quanto mais a dissonância está presente - mais se nota o brilho da vela - a consonância. Como em tudo neste mundo dual em que vivemos, só conhecemos uma porque existe a outra. Assim como sabemos o que é a claridade porque conhecemos a escuridão. Sabemos o que é o frio porque conhecemos o calor. Por isso, neste mundo dual, não adianta querer excluir algumas partes e ficar com as outras. Só temos uma porque a outra existe. Às vezes, é necessário ouvir a dissonância para apreciar a consonância. Às vezes é preciso viver a dissonância para valorizar a consonância. Às vezes, é preciso perceber em nós as "dissonâncias" para aprendermos a ouvi-las, apreciá-las, aceitá-las como são ou a resolvê-las em consonâncias que sirvam melhor à nossa música. Às vezes, a própria dissonância tem a sua beleza. Se soubermos ouvi-la...
sábado, 8 de abril de 2023
96-365
Talvez seja por ter praticado ginástica artística desde muito pequena. Talvez seja um traço da minha personalidade. Talvez seja por influência dos meus pais. Talvez seja por influência da minha professora de piano. Ou talvez seja por tudo isso: sempre fui uma pessoa muito perfeccionista. Em muitas situações é uma coisa boa. Na ginástica, era absolutamente essencial. Cada ponta do pé menos esticada fazia-nos perder pontos. Embora isso nunca tivesse sido a razão pela qual eu tentava fazer as coisas o mais perfeito possível. Eu só queria sentir que aquela era a minha melhor performance, a mais bela possível. Fazer as coisas sem procurar o mais perfeito alinhamento do corpo simplesmente não parecia...certo. As melhores sensações surgiam dos movimentos mais perfeitos. Assim como na música. Cada nota pensada, ponderada, nunca foi motivada por questões de avaliação mas por beleza. É a Beleza que nos move.
No entanto, algumas vezes, a busca da perfeição atrapalha. Porque nós temos falhas, cometemos falhas. Aceitá-las é um ato de humildade: é assumir que não somos perfeitos. Aceitá-las é um passo na jornada de autoconhecimento. É necessário entender que não temos de ser perfeitos. Apenas (re)conhecendo as nossas falhas e assumindo-as poderemos corrigi-las ou melhorá-las. Com acolhimento, amorosamente, sem culpa, sem cobrança porque, de facto, estamos longe de ser perfeitos. Mas a cada dia podemos (e devemos) aprimorar-nos.
sexta-feira, 7 de abril de 2023
O que Jesus faria (17)
"Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem." Ao ser crucificado, pouco antes de morrer na cruz, Jesus teve, talvez, a atitude mais nobre da história da humanidade. Um ato de amor e perdão incondicional. Ciente da nossa ignorância, não nos condenou, não nos julgou. Mais do que isso, magnanimamente, perdoou-nos. Mesmo com todo o sofrimento que lhe foi infligido.
quinta-feira, 6 de abril de 2023
95-365
Conheci a Joana como uma das "pequeninas" da classe de piano da minha professora. Antes de sermos amigas, a minha professora falava-me das alunas mais novas e exaltava o talento da Joana, a facilidade para aprender, a musicalidade. Nem sei bem quantos anos temos de diferença. Na verdade, nem são tantos assim, embora naquela época, parecesse que um fosso separava "as pequeninas" de mim. Mas a nossa classe de piano começou a conviver e interagir cada vez mais, e aí nasceu a nossa amizade.
Sempre admirei a Joana. Não apenas o indiscutível talento dela, mas a pessoa incrível que é. Talvez a forma tão especial com que se expressa no piano derive disso mesmo: da sua invulgar sensibilidade, da sua generosidade, da sua autenticidade, da sua alegria em viver. Nunca a vi esmorecer, desanimar. Tem sempre um sorriso guardado, um "sacode a poeira e bola para a frente!" como se diria aqui no Brasil. A Joana, seja em que circunstância for, é sempre a Joana, igual a ela mesma, que acredita nas pessoas, na vida. Mas não se enganem: por trás de toda a sua doçura está uma mulher incrivelmente forte e corajosa. Nunca hesitou em se reinventar quando foi necessário. É uma das pessoas que mais admiro na capacidade de gerir inúmeros projetos e atividades ao mesmo tempo. Arregaça as mangas e muitas vezes parece que consegue fazer o que exigiria duas pessoas para ser feito!
Para mim, foi um absoluto privilégio ser colega dela enquanto alunas e enquanto professoras porque, afinal, tudo é mais fácil e divertido quando estamos com uma grande amiga. Sempre nos rimos muito juntas. Mesmo em situações stressantes ou complicadas, arranjávamos maneira de nos rirmos. Sinto muita falta do nosso convívio, das nossas palhaçadas, das nossas conversas, desabafos. Mas sei que, onde quer que estejamos, o carinho e a cumplicidade que nos unem permanecem.
Que este ano te traga tudo de melhor. Mereces isso e muito mais!
Parabéns, "pequenina".
94-365
Ontem (5 abril), foi o aniversário da morte de Kurt Cobain, vocalista dos Nirvana. Há 29 anos atrás. Eu tinha 12 anos. Um ano mais nova do que o meu filho é agora. Mas lembro-me bem. Lembro-me do quanto falávamos disso no recreio da escola. O Kurt Cobain era o ídolo de metade de nós. Aquela irreverência dos Nirvana que abriu portas a tantas outras bandas da época, o estilo despojado, as letras das músicas que soavam como desabafos - com os quais nós, adolescentes, nos identificávamos tantas vezes - as músicas que ora pareciam exorcisar a raiva, ora soavam como lamentos da alma. Por mais discos que vendessem, concertos que esgotassem, Kurt Cobain continuava com o mesmo estilo despojado, calças de ganga, t-shirt e All Stars pretos (que todos queríamos ter iguais). Continuava com a mesma simplicidade, o mesmo olhar perdido e até doce - que, admitamos, cativava as meninas adolescentes. Sim, eu tinha um póster dele no meu quarto. Tinha quase todos os CDs, aprendi a arranhar algumas músicas deles na guitarra, ganhei de uma amiga uma t-shirt com o rosto do Kurt Cobain. Quando soubemos do suicídio, começámos a ouvir as músicas dele com outra perspetiva. Encontrávamos indícios em diversos versos, interpretávamos as músicas de outra forma. Tudo ganhou uma nova dimensão. Agora era a dimensão de alguém que exprimia a sua dor, que pedia socorro. Provavelmente, em muitas das músicas não seria ainda isso. Mas agora sabíamos o desfecho, então tudo parecia estar conectado. Ouvi um psiquiatra dizer uma vez que quem se suicida não quer acabar com a vida: quer acabar com a dor. Foi muito triste que a dor de Cobain tenha sido bem maior que tudo o resto na sua vida. Quanton aos Nirvana, tornaram-se atemporais. Amigas do meu filho ouvem as músicas e vestem t-shirts com o rosto de Kurt Cobain, tal como eu fiz há 29 anos atrás. Eu, de vez em quando, ainda revisito as músicas dele. De All Apologies, guardei sempre a última frase "All in all is all we all are."
terça-feira, 4 de abril de 2023
93-365
Se ao menos houvesse tempo para ler todos os livros que gostaríamos de ler, todos os posts, assistir a todos os filmes, todas as séries, documentários, workshops. Se houvesse tempo e dinheiro para fazer todos os cursos sobre todos os assuntos que nos fascinam...
Vivemos num mundo em que temos fácil acesso a tudo. Livros, filmes, séries, cursos online, está tudo à distância de um clique. Há 15, 20 anos atrás, para ver um filme ou íamos ao cinema ou íamos até uma Blockbuster alugá-lo. Para ler um livro, tínhamos de o ir comprar à loja. Para acompanhar uma série, tínhamos que reservar aquele horário daquele dia da semana para não perder um episódio. Hoje em dia, as solicitações são tantas que temos que ser criteriosos nas escolhas. Admitamos: não é humanamente possível ver todas as boas séries, documentários, filmes que estão disponíveis em 1001 opções de streaming. Não é possível ler todos os livros, ou aprofundarmo-nos em todos os assuntos. Isso obriga-nos a uma difícil escolha. Qualquer escolha implica abdicar do que não se escolheu. Se seguimos pelo caminho A, deixamos de seguir pelo B ou C. Se escolho os sabores baunilha e caramelo, abdiquei de todos os outros sabores da loja. Talvez por isso, hoje em dia, nos seja partícularmente difícil fazer escolhas: sempre que escolhemos alguma coisa, estamos a abdicar de inúmeras outras. Mas a bem da nossa sanidade, é bom que tenhamos a consciência de fazer essas escolhas. Ou caímos no equívoco de seguir milhares de pessoas nas redes sociais, perder tempo precioso a rodar a tela para baixo, sem conseguir realmente aprofundar em nenhuma das dezenas de informações que nos aparecem.92-365
Esta semana recebi um vídeo de uma amiga com um excerto do filme "História de um Casamento" (excelente filme, por sinal, que encontram no Netflix), em que a advogada da personagem interpretada por Scarlett Johansson discorre sobre o sentimento de culpa e de obrigação de perfeição que recai sobre as mulheres. Afinal, diz ela, Maria era a mãe de Jesus: a virgem, perfeita, que deu à luz o filho de Deus, que estava lá na hora da morte do filho - "e onde estava o pai?" questiona a advogada.
Lembro-me perfeitamente da aula de piano em que o meu professor me falou sobre isto. Do complexo que nos persegue desde Eva. Somos descendentes dela, e ela é que instigou Adão a comer o fruto proibido - não, o pobre Adão não teve responsabilidade pela sua decisão... Caímos do Paraíso por causa de Eva e, inconscientemente, carregamos essa culpa no nosso ADN. Somos as pecadoras que merecemos sofrer e fazer todo o tipo de sacrifícios pelos outros - talvez para nos redimirmos da péssima influência que fomos para Adão e por termos condenado a raça humana a viver fora do Éden. Olhem à vossa volta. Os homens, em geral, são bem mais descomplexados. Para eles - talvez por uma questão genética e pelo contexto de sociedade patriarcal em que ainda nos movemos - é bem mais fácil dar-se o direito de pensar em si mesmos. Uma mulher tem que se desfazer em 2 ou 3 para dar conta de todos os recados, e ainda assim tende a achar que não é suficiente. Uma mulher sente a obrigação de colocar todos à sua frente como prioridade. No dia em que ousa pensar em si mesma primeiro, lá vem a famigerada culpa. Ser mulher nunca foi fácil. Temos de agradecer o tanto que outras mulheres de gerações anteriores à nossa já percorreram para que hoje tenhamos adquirido direitos e liberdades com que elas apenas sonhavam. Ainda há muito a ser trilhado. E continuamos a ter o caminho mais difícil para percorrer: cá dentro, de desconstrução. Não, não temos de ser perfeitas em tudo. Não, não é egoísmo pensar em si mesma: é autocuidado - e é essencial se queremos cuidar dos outros (a história de colocar primeiro a máscara de oxigénio em si mesma para depois ter condições de ajudar os outros a colocar a sua).domingo, 2 de abril de 2023
91-365
Em criança, li muita banda desenhada da Disney. Ontem, ao caminhar com o meu filho na rua, lembrei-me do Pato Donald e do Gastão. Isto porque ele me disse "Será que encontramos uma moeda no caminho, mãe?" Imediatamente me veio à memória em quantas coisas fantásticas Gastão tropeçava, sem que fizesse o menor esforço para isso. Ao mesmo tempo, por mais que o Pato Donald tentasse, as coisas corriam-lhe sempre mal. A grande diferença entre um e o outro era a atitude. O Gastão caminhava pela rua com a absoluta certeza de que tudo de bom lhe iria acontecer, de que tudo o que queria ou precisava viria ao seu encontro na hora certa. Já o Pato Donald navegava pela vida com a ansiedade de achar que tudo era difícil e perigoso e sempre atento a tentar perceber de onde o azar iria aparecer desta vez. Quanto mais o Gastão confiava na sorte, mais ela o visitava. Quanto mais o Donald acreditava que tudo de mal lhe iria acontecer, mais azares o perseguiam. (Vejam a diferença de atitude dos dois personagens nessa imagem que coloquei aí.) Reparem como isso nos acontece tantas vezes... qual de nós não passou fases em que sentia que tudo de mal lhe acontecia? Ou fases em que parecia que tudo fluía? Ou dias-não, em que parece que tudo nos acontece? Parece que funciona em espiral: quanto mais "sorte" sentimos ter, mais sorte atraímos e o mesmo para o "azar". Como mudar a nossa sorte? Talvez seguindo o exemplo do Gastão: simplesmente acreditar que tudo vai acontecer para o nosso bem.
Ah, não encontrámos moeda nenhuma no caminho, mas à noite ganhámos R$10 no lotofácil que tínhamos feito minutos antes da caminhada. Vale? :)
O que Jesus faria (15)
Jesus também sentiu medo. "E tomou consigo a Pedro, e a Tiago, e a João e começou a ter pavor e a angustiar-se. E disse-lhes: A minha alma está profundamente triste até a morte; ficai aqui e vigiai." E então, pediu a Deus que o poupasse do que estava por vir: "...prostrou-se em terra; e orou para que, se fosse possível, passasse dele aquela hora. E disse: Pai, todas as coisas te são possíveis; afasta de mim este cálice; não seja, porém, o que eu quero, mas o que tu queres."
sábado, 1 de abril de 2023
90-365
Um pouco mais à frente, Morpheus diz "Liberta a tua mente. Eu posso abrir a porta, mas és tu que tens de atravessá-la. Só posso oferecer-te a Verdade. Não disse que seria fácil." No treinamento de Neo, ao defrontar-se numa luta de kung-fu, Morpheus diz-lhe "Não penses que és mais rápido, sente e sabe que o és! Não tentes acertar-me, acerta-me!", o que nos traz à memória outro grande sábio do mundo geek, mestre Yoda "Faz ou não faças. Não existe tentativa." Morpheus oferece a Neo a possibilidade de sair do mundo das ilusões em que vive (Matrix) e conhecer o mundo real. Mais do que isso, mostra-lhe que Matrix é regido por regras mas que dentro dele, na sua mente, está o poder de manipular essas regras a seu favor, o poder de criar.
Precisamos de mais Morpheus neste mundo: pessoas que nos digam que somos mais poderosos do que pensamos ou acreditamos, pessoas que nos apontem para o conhecimento que já está aqui, dentro de nós, no nosso corpo, pessoas que nos façam acreditar e viver o nosso potencial. Na verdade, não precisamos de mais Morpheus, apenas de tirar o foco de tudo à nossa volta que nos diz que precisamos mais disto e daquilo, que nos faz crer nas limitações, e prestar mais atenção a todos os "Morpheus" que já andaram por aqui (Jesus mesmo disse-nos que podemos fazer as obras que ele fez), e a todos os que por aqui andam agora.
A grande questão, no final, é: escolhemos a pílula azul ou a vermelha?