terça-feira, 15 de novembro de 2022

Eu e "On Yoga: Arquitetura da Paz"


 Não sei precisar em que ano vi, pela primeira vez, o documentário " On Yoga: Arquitetura da Paz", mas sei que, desde que o vi pela primeira vez, não passo um ano sem o rever, pelo menos, uma vez.

Neste documentário, Michael O'Neill, fotógrafo renomado, fala da sua trajetória no yoga e do trabalho que desenvolveu, durante vários anos, a fotografar grandes mestres do yoga.
Tudo neste documentário é absolutamente fascinante: as fotografias de Michael O'Neill, as entrevistas e a temática abordada, a música e a forma coreografada como os movimentos do yoga se combinam com ela. Tudo harmonioso, equilibrado, fluido, belo, profundamente belo. Emocionante, envolvente. Cada vez que revejo o documentário, encanto-me novamente com as imagens, inspiro-me pelas palavras, descubro novos detalhes, novos significados, entendo um pouco mais. O documentário não nos mostra apenas a beleza das posturas físicas do Yoga, mas introduz-nos em conceitos do Yoga como filosofia de vida, espiritualidade, com os seus valores básicos e, acima de tudo, como uma resposta ao problema fundamental do ser humano: como se sentir feliz e completo? Ou, mais fundamental ainda: quem sou eu? Ao responder a essa pergunta basilar, todas as outras se encaixam como um puzzle. Yoga trata dessa busca por si mesmo, em si mesmo. "On Yoga: Arquitetura da Paz" além de um espetáculo visual de uma beleza ímpar, é um convite à pausa e à reflexão, um convite a uma desconstrução da forma como olhamos para o mundo que abre caminho a uma construção na forma como olhamos para nós. E, então, de dentro para fora, surge a arquitetura da paz (interior).

Eu e a Arte

 Quantas vezes ouvimos artistas ou desportistas dizer "nasci para fazer isto, é parte de quem eu sou"?

Eu mesma, na infância, sempre senti que a ginástica artística era parte de mim. Até...desistir da ginástica. E, então, ficou um vazio. Depois a música ocupou todos os vazios, todos os espaços. E, então, fiquei sem piano em casa por alguns anos, e senti-me perdida. Quem era eu sem aquele instrumento? Quem era eu sem a música? Como encontrar uma expressão de mim mesma que não fosse através da música? Mais ainda: como aceder a essa parte de mim que se expressa através da música? O facto de me ter afastado por algum tempo de estudar piano, revelou-se uma oportunidade para perceber que eu não sou mais nem menos com a música. Quem eu sou, em essência, não é dependente de nenhuma coisa, circunstância ou pessoa. Quem somos, em essência, não é uma colcha de retalhos, ou uma receita em que juntamos um pouco de estado civil, com um tanto de profissão, outro quê de gostos e aversões, uma pitada de género e ainda qualidades e defeitos a gosto e um pouco de status social e tantas coisas mais a que, habitualmente, recorremos para nos definir. Esses aspectos, sim, são voláteis, mutáveis, podem ou não estar na nossa vida em determinado momento. Quando nos definimos através deles, a ausência deles cria a sensação de falta, vazio, até dor. Enquanto me identificava com a música a ponto de sentir que era parte de mim, a sua ausência era como uma ferida que se abria. Mas como disse Rumi " a ferida é o lugar por onde a luz entra". Na ausência daquilo que, normalmente, usamos para nos definir, surge a oportunidade de ir mais fundo na questão: quem sou eu? Quem somos nós por trás e além daquilo com que funcionamos e nos apresentamos no mundo? Quem somos nós sem rótulo algum? Quem somos nós quando não estamos preocupados com o que somos ou deveríamos ser? E, então, percebi: a arte não "tapa os nossos buracos" - não nos dá uma identidade, não substitui algo que achamos que nos falta - ela permite-nos aceder ao Ser completo que já somos. Como aquele espelho mágico da Bela e o Monstro: mostra-nos uma outra realidade de nós mesmos, aquela que é, na verdade, a nossa realidade última, imutável, eterna, Una. A Arte, o Amor, o Yoga, qualquer atividade que fazemos de forma inteira, com absoluta entrega, devoção, funciona como uma ponte para nós mesmos. A Arte não é parte de nós. A Arte é uma forma de chegar até nós. Ao fazer arte, ao contemplar arte (ou a arte da Natureza), em qualquer atividade em que se envolva, confie nas sensações que ela lhe suscita, confie nas rachaduras que vão aparecendo e adentre nelas, pois é aquilo que de mais essencial há em si a manifestar-se. A Arte não é parte de nós. A Arte expressa o que de mais essencial existe em nós. Não é a sua fonte de origem, apenas o espelho que a reflete. Com ou sem espelho, o que existe, sempre existirá. A Arte mostra-nos tudo o que já estava aqui dentro. A Arte não é parte de nós: nós somos inteiros na Arte. É essa a magia: num mundo fraturado, numa existência tão fragmentada, de tantos estímulos, dualidades, na Arte, encontramo-nos inteiros, completos.

Confie no que a Arte lhe mostrar, as luzes e sombras, o êxtase e a dor, abrace-os: nós somos tudo isso e, principalmente, o que está além disso. Navegue, com confiança, por entre todas as sensações e pode ser que, por vislumbres que sejam, ouse mergulhar fundo em si mesmo e, por mais despedaçado que se sinta, é aí, nesse lugar único, nessa imensa sala de espelhos, que pode, finalmente, encontrar-se, uno, como sempre foi e será.