sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Eu e os votos para 2023


 No Ano Novo, é comum discorrermos uma lista infindável de votos: alegria, paz, prosperidade, amor, realizações. Cada primeiro dia do ano parece conter em si a promessa de que tudo de mal que tinha para acontecer ficou no ano que passou, porque daqui para a frente são só coisas boas!

Mas sabemos que isso não é possível. Todos os anos têm coisas boas e menos boas. A vida é feita de uma dualidade constante e inevitável. A vida é, eternamente, mutável. Já diz o ditado popular "não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe".

Por isso, este ano, numa perspetiva mais realista do que vão ser os próximos 365 dias, eu quero desejar muita alegria e prosperidade, mas também muita resiliência para enfrentarmos os dias mais difíceis. Quero desejar amor e amizade, mas também que aprendamos a curtir a nossa própria companhia e a ser felizes nela. Quero desejar mais vitórias do que derrotas, muitas realizações, mas também coragem para nos reerguermos nas derrotas, que façamos delas degraus para chegar onde queremos. Quero desejar paz, mas também sabedoria e tolerância para gerir os conflitos. Quero desejar viagens e experiências, mas também que nos aventuremos a viajar para dentro de nós mesmos. Quero desejar muitos sorrisos e gargalhadas, mas também que não tenhamos vergonha de chorar as nossas lágrimas e que tenhamos quem nos ajude a secá-las. Quero desejar que encontremos o que procuramos, mas também que descubramos coisas novas que nos movam, e que estejamos abertos para que a vida nos surpreenda. Quero desejar que possamos construir coisas novas, mas também que tenhamos persistência para manter e recuperar as antigas. Quero desejar saúde, mas também que curemos as nossas feridas. Quero desejar sorte, mas também que os reveses não nos derrubem, que nada nos tire do nosso centro. Quero desejar um ano tranquilo, mas também que as dores que possam surgir não se transformem em sofrimento mas sim em crescimento e aprendizagem. Quero desejar festas, fogos de artifício, mas também que saibamos ouvir e usufruir do Silêncio. Quero desejar que o ano seja tudo o que sonhamos, mas também que tenhamos a força e a maturidade para lidar com o que não previmos. Quero desejar que tenhamos as coisas que desejamos, mas também que saibamos aceitar aquilo que não vier até nós - afinal, há males que vêm por bem. Quero desejar que, daqui a um ano, possamos sentir-nos gratos por tudo o que foi, por tudo o que deixou de ser, e por tudo o que não chegou a ser, pois tudo terá feito de nós a pessoa que seremos daqui a um ano. Quero desejar que tenhamos esperança e Fé, que saibamos deixar-nos guiar por uma Força Maior, mas também que tenhamos ação, que nunca nos faltem forças para lutar, para fazer o trabalho duro de cada dia. Quero desejar que conquistemos as nossas metas, mas também que possamos usufruir do caminho até lá chegar. Que sejamos felizes mesmo quando nos faltarem razões para isso, e sejamos serenos mesmo no meio de um furacão. Que as nossas perdas não nos quebrem, mas nos abram a novas possibilidades. Que não nos falte nada, e sejamos tudo. Sim, acima de tudo, quero desejar que, neste ano, sejamos tudo aquilo que podemos Ser, que sejamos a melhor versão de nós mesmos, com todas as nossas qualidades e defeitos, que sejamos realmente quem nascemos para ser neste Mundo!
Que 2023 seja um ano memorável: o ano em que fizemos mais e fomos melhores (do que nós mesmos em qualquer ano até aqui).
Um 2023 pleno.


sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Eu e a postura invertida sobre os antebraços

 


Nos últimos meses, pratiquei, com regularidade, a postura Pincha Mayurasana (invertida sobre os antebraços). Passados estes meses, senti, finalmente, progressos: consigo montar a postura e sentir-me estável e confortável. A definição de āsana dada por Pantanjali no texto clássico do Yoga "Yogasūtras" é, precisamente, "sthira sukham asanam”, isto é, “a postura deve ser firme e confortável”.

No caminho que percorri com este āsana, além da aprendizagem da postura em si, ficam outras lições que partilho aqui:

1) Não desista de um desafio só porque, no primeiro momento, lhe parece impossível.

No primeiro dia em que tentei montar a postura, senti que era totalmente impossível para o meu corpo chegar àquela posição. Não tinha força nos braços, muito menos no abdomen, por isso, nem de perto, nem de longe, conseguia sequer elevar as pernas, quanto mais permanecer lá em cima. Literalmente pensei "Im-pos-sí-vel!" Mas fui trabalhando, a pouco e pouco, naquilo que me era possível: exercícios preparatórios e, lenta e gradualmente, fui fazendo progressos.

2) Um desafio que nos parece impossível pode ser dividido em pequenas tarefas possíveis.

Por vezes, o desafio que temos pela frente é, realmente, impossível de ser alcançado num primeiro momento. Mas, seja qual for o desafio, podemos dividi-lo em pequenas etapas para o atingir. Ninguém nasce pronto para correr uma maratona, por exemplo. Mas todos podemos começar a correr poucos metros por dia, melhorar a condição física e, quem sabe, atingir as tais dezenas de quilómetros de corrida por dia passado algum tempo e prática. Analise o seu desafio e veja que passos são possíveis HOJE: escrever a primeira linha, fazer os primeiros abdominais, ler as primeiras páginas, cortar um alimento da dieta, juntar uma pequena quantia de dinheiro por dia... Seja o que for: comece pelo que é possível. Há sempre algum passo possível. Dê o primeiro passo.

3) Para conquistar o desafio, conquiste as tarefas possíveis, que podem, na prática, ter poucas semelhanças com o resultado final.

As minhas tarefas possíveis eram exercícios preparatórios e exercícios de fortalecimento. Pouco ou nada se pareciam com a postura e, embora possíveis, nem todas eram fáceis ou mesmo agradáveis...A verdade é que, sem vencer essas etapas, não se conquista o desafio. Ele é construído em cima dessas tarefas não só possíveis mas necessárias, por mais desinteressantes que possam parecer. Apenas conquistamos o desafio se estivermos dispostos a trabalhar, dia a dia, nessas pequenas ações que podem ser exigentes e menos atrativas (como repetir escalas, arpejos e outros exercícios técnicos diariamente no instrumento musical, por exemplo).

4) Para progredir, é preciso ter uma ação persistente e regular.

Não adianta ter um plano, saber tudo sobre a teoria, ver todos os tutoriais e não agir. Qualquer desafio exige de nós uma ação persistente e constante. O progresso não se constrói investindo muito tempo e energia um dia de vez em quando, mas sim, investindo o tempo possível com a máxima regularidade.

5) Sem perder de vista o objetivo final, celebre as pequenas vitórias.

Vencer as tarefas possíveis não só vai estruturando o desafio, dando-lhe forma, materializando-o, mas é também aquilo de que precisamos para ganhar confiança para seguir em frente. Cada tarefa possível, é um passo na direção do nosso objetivo e deve ser celebrado.

6) Todos os desafios envolvem vencer medos.

Sim, pelo meio do caminho há sempre medos a vencer. Também há momentos de desconfiança se, realmente, vamos ser capazes. Só atingimos um desafio se formos capazes de superar cada hesitação no caminho. No caso do meu desafio, é óbvio que eu tinha medo de cair. Se esse medo me paralisasse, eu não teria continuado. Também tive as minhas dúvidas se estaria ao meu alcance conseguir fazer a postura. Ao invés de desistir, eu aceitei que poderia cair algumas vezes, minimizei os riscos fortalecendo-me e praticando no lugar mais seguro possível, e acreditei que, mais cedo ou mais tarde, iria conseguir progressos.

7) Cair e errar são etapas necessárias no caminho.

Sim, caí algumas vezes. Não, nunca me magoei. Mas as quedas que tive, mostraram-me fragilidades, mostraram-me caminhos que tinha de percorrer ainda, mostraram-me erros e ajustes que tinha de corrigir. Os meus erros foram parte do processo para que eu percebesse como acertar. Algumas vezes, faltou-me impulso para chegar à posição de equilíbrio. Outras vezes, tive impulso a mais e não fui capaz de sustentar a postura. Excesso de força, tira-nos do equilíbrio, falta de força não nos tira do mesmo lugar. Entre um e outro erro, encontrei o meu acerto.

8) Conseguir uma vez, não significa ter vencido: os desafios renovam-se.

A sensação de ter conseguido, finalmente, montar a postura, foi muito boa. Uma coisa que me era totalmente impossível no primeiro momento, tornou-se, pelo meu esforço e disciplina, possível. Isso deu-me um sentido de satisfação de ter ultrapassado os meus limites iniciais, de não me ter conformado com eles. O meu corpo respondeu ao desafio, adaptou-se, instruiu-se naquela aprendizagem. Mas depois de conseguir uma vez, demorou um pouco a conseguir uma segunda vez. O desafio continuava: conseguir mais vezes do que aquelas em que errava. E depois de conseguir mais vezes do que as que errava, comecei a conseguir manter-me, finalmente, por mais tempo estável na postura. Então, sim, estável e confortável na postura de equilíbrio, considerei que estava a vencer o desafio. Continuo a desafiar-me: manter-me o maior tempo possível confortável na postura, conseguir montar e desmontar a postura com menos esforço, conseguir transitar dessa postura para outra, ou chegar a ela vinda de uma primeira.

9) A postura é a porta de entrada para o Agora

A coisa que mais me atrai no yoga (e também na música, na ginástica, em todas as atividades que realmente me movem ou moveram na vida) é, além da sua beleza e do facto de eu gostar de conhecer e ultrapassar os limites do meu corpo e mente, o facto de que essas atividades exigem de mim foco total, e isso é a porta de entrada para o Agora, para este único, mágico e irrepetível momento que vivemos a cada segundo. Não há forma de me manter em equilíbrio na postura se o meu foco não estiver totalmente no meu corpo, se a minha mente não estiver totalmente entregue ao que o meu corpo está a fazer. Se os pensamentos se dispersam, se a respiração sai do controle, o corpo desmobiliza-se. E que prazer manter o equilíbrio ali, segura, com observação na respiração e a mente alinhada! Que prazer não sentir qualquer tipo de estímulo exterior ou dispersão interior. Só a respiração, só o Aqui e o Agora. Isso...é yoga.