quarta-feira, 31 de maio de 2023

114-365

 


Lembro-me da véspera de Natal quando era criança. À meia-noite abríamos os presentes. Depois de todos abrirem todos os presentes e arrumarmos, minimamente, as coisas, eu escolhia uma das coisas novas e ficava com o meu pai até mais tarde a montá-la. Eu queria montar rapidamente para poder brincar. O meu pai, calmamente, pegava nas instruções, lia-as e seguia, religiosamente, cada passo. "O material tem sempre razão." Com toda a tranquilidade, procurava entender como montar e como fazer a coisa funcionar - para meu desespero, que não me aguentava de tanta ansiedade! Seja o que for que utilizamos na nossa vida, temos que perceber como funciona para poder tirar partido dela. Quanto melhor lermos o manual de instruções, quanto mais conhecermos o mecanismo de funcionamento, mais otimizada será a nossa utilização, mais funcionalidades poderemos dominar. E nós? O nosso corpo, a nossa mente? Quanto tempo da nossa vida dedicamos a aprender e conhecer como funciona o nosso corpo e mente, que são as nossas ferramentas de interação com o mundo? Isso deveria ser a nossa maior prioridade! "Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses." (Sócrates) Como podemos funcionar no máximo da nossa potencialidade se não conhecemos os nossos mecanismos de funcionamento? É certo que não nascemos com manual de instruções, mas muitos dos que vieram antes de nós já desbravaram caminhos e sugeriram estratégias. O yoga, por exemplo, é um excelente manual de instruções para nós mesmos. Mas também a terapia, por exemplo, ajuda a olhar para dentro de si. Não há apenas uma ferramenta possível para se chegar ao autoconhecimento. Mas há apenas um caminho: dedicar tempo para mergulhar dentro de si mesmo. Quem sou? Quem quero ser? Quem não quero ser? Por que sou como sou? Por que acredito que no acredito? O que me faz bem? O que me faz mal? (Fisicamente e emocionalmente) Que mecanismo me faz reagir como reajo? Que mecanismo me faz agir como ajo? O que me dá energia? O que me suga energia? Que ações e pensamentos me elevam? Que ações e pensamentos me deixam letárgico? De que forma posso utilizar a minha mente para influenciar o meu corpo? De que forma posso utilizar o meu corpo para influenciar a minha mente? Estas perguntas - e tantas outras - deveriam fazer parte da nossa vida, da nossa aprendizagem. Porque somos seres complexos, que não somos apenas constituídos de carne, ossos e pele, mas também de partes mais subtis como mente e espírito (alma, coração ou o que lhe preferirem chamar). Somos seres de várias camadas, visíveis e não visíveis, um sistema complexo em que todas as partes interagem entre si. Muitas vezes, essa interação acontece de uma forma que não nos beneficia. Quantas vezes ficamos doentes no nosso corpo porque a nossa mente não pára e deixa o corpo em stress constante enfraquecendo o nosso sistema imunitário? A questão é que podemos aprender a utilizar essa interação a nosso favor: trabalhando a mente para beneficiar o corpo, e conhecendo o corpo para aprender estratégias que beneficiam a mente - por exemplo, técnicas de respiração. Nunca é tarde para aprender. E é uma aprendizagem que não tem idade para acabar. Somos obras em construção, seres em constante evolução. É essa a grande beleza de Ser humano.

113-365

 




Uma coisa que me chama a atenção em São Paulo, por mais paradoxal que pareça, é a força da Natureza. No meio desta enorme metrópole, de tanto cimento, estrada, prédio, construção, a Natureza encontra sempre uma forma de crescer. Além das grandiosas e admiráveis árvores centenárias que se mantém em diversos bairros, há sempre exemplos de arbustos, flores, todo o tipo de planta que nasce e floresce em cada cantinho. A Natureza é o maior exemplo de que o nosso mundo, a Vida é abundante. Ela prospera. Se deixarmos, flui, abunda. Veja-se nos meses de confinamento da pandemia do Covid 19, como alguns animais inusitados apareceram em plena cidade em diversos lugares do mundo. Penso naqueles filmes apocalípticos em que as cidades se transformaram em cidades-fantasma e como a natureza ocupa tudo e a cidade se transforma praticamente numa floresta cheia de ruínas. Isso não é ficção! A Natureza encontra sempre uma forma. Quando sentir que a sua vida está em contração, escassez, observe a Natureza: a coisa mais natural é florescer, crescer, prosperar. A Natureza está sempre em expansão. Basta olhar para o Universo: a Ciência acredita que está em contínua e constante expansão. E nós, somos o Universo em microcosmo. Às vezes, só é preciso "sair da frente", abandonar crenças limitantes, pensamentos de constrição e deixar a Vida fluir, no seu curso, no seu tempo. 

sábado, 27 de maio de 2023

112-365

 


Os meus avós paternos eram do Benfica. Os meus avós maternos também. Os meus pais são do Benfica, e eu e os meus irmãos também.
Sempre que ouço o hino do Benfica, lembro-me imediatamente da minha avó materna que o sabia todo de cor. Acredito que as primeiras vezes que ouvi o hino foi com ela, e foi com ela que memorizei as primeiras frases do hino "ser benfiquista é ter na alma a chama imensa que nos conquista..." E contava a história de quando foi ao (antigo) Estádio da Luz com o irmão, ainda jovens, e o Benfica foi, inesperadamente, campeão, devido ao resultado de outro encontro, e todos invadiram o relvado, incluindo ela. "Foi uma felicidade tão grande, tão grande, que eu nem quis saber e fui também para o relvado!", contava ela.
Eu devia ter uns 6 ou 7 anos quando o Benfica perdeu para o PSV Eindhoven nos penaltis a Taça dos Campeões Europeus (atual Liga dos Campeões). Lembro-me perfeitamente de estar com os meus pais a ver o jogo na televisão. Da expectativa dos penaltis, da esperança de ganhar, e de como fiquei triste quando perdemos. Sim, chorei. De raiva. O meu pai, que devia estar tão ou mais desapontado que eu, tentou fazer o seu papel, e disse-me que era assim mesmo: "Às vezes ganha-se, outras perde-se." Que haveria outras oportunidades. (Embora, 35 anos depois, não tenha chegado, ainda, outra oportunidade de um título europeu.)
Também me lembro muito bem do título de 1994, com o Rui Costa na sua última época no Benfica - regressou, anos mais tarde, para encerrar a carreira -, e o João Vieira Pinto. Depois desse título, passámos épocas atrás de épocas desastrosas, em que a grande figura foi, a par de João Vieira Pinto, Michel Preud'Homme.
Fui várias vezes ao estádio antigo e algumas vezes ao estádio novo. A energia do estádio, da águia Vitória a fazer o seu vôo é indescritível. Emoção pura.
Não escolhi ser do Benfica assim como não escolhi ser portuguesa ou ter olhos verdes. Não me torna melhor nem pior do que ninguém. E nem o Benfica é melhor nem pior do que nenhum outro clube. Hoje culminou uma boa época em título de campeão nacional. Nos 3 ou 4 anos anteriores, outras equipas foram melhores. Mas eu não escolhi ser do Benfica, por isso, eu sou do Benfica nas derrotas e nas vitórias, quando joga bem e quando joga mal. Eu sou do Benfica e é isso que o torna especial para mim. Como em tudo na vida, é a nossa ligação às coisas que lhes dá significado. As coisas, em si, não têm valor nem significado: somos nós que o atribuímos, pela nossa interpretação, pela nossa vivência e emoção. Aliás, a própria expressão "sou do Benfica" já é reveladora da ligação que existe. Então, hoje, fiquei feliz porque o Benfica se sagrou campeão. Longe ou perto, comemoro: Glorioso, SLB.

terça-feira, 23 de maio de 2023

111-365

 


Quando eu era criança, os meus pais compraram uma máquina de filmar. Com ela, filmámos aniversários, Natais, festas de escola. Depois de gravadas na máquina, víamos as imagens na televisão, conectando a câmara diretamente ou copiando-as para uma cassete. Lembro-me de ver as primeiras imagens de mim mesma. A coisa que mais me chamou a atenção foi a minha voz. Não era a minha voz. Verbalizei-o "essa não é a minha voz." Os outros não me entenderam. "Como assim não é a tua voz?" "Acho que a máquina muda a nossa voz, não é?", insisti, "Porque essa não é a minha voz. Não é assim que eu a ouço." Acho que só aí perceberam a minha dúvida. E concordaram comigo "Todos estranhamos quando ouvimos a própria voz. É normal. Soa diferente mesmo."
Por estes dias, relembrei este episódio com uma aluna minha, porque falávamos sobre como é diferente a percepção que temos do som enquanto tocamos e estamos ali no universo do teclado, e enquanto nos ouvimos "de fora" como quando nos gravamos, por exemplo. Muitas vezes, ao ouvir uma gravação nossa a tocar/cantar, percebemos que certas nuances que achávamos estar a conseguir "passar" para o ouvinte, não estão a chegar lá, não se expressaram de forma significativa. Percebemos que outras coisas estão em excesso. Aquilo que julgamos estar a comunicar, nem sempre corresponde inteiramente ao que, de facto, expressámos. Aquilo que julgamos estar a entregar nem sempre é o que o outro está a receber. Refleti como esta habilidade de tentarmos ser expectadores de nós próprios é essencial em tudo na vida. "Entre o que eu penso, o que quero dizer, o que digo e o que você ouve, o que você quer ouvir e o que você acha que entendeu, há um abismo." (Alejandro Jodorowsky) Muitas vezes pensamos estar a expressar-nos com certa "voz" mas a outra pessoa ouve "outra voz". Muitas vezes achamos que estamos a ser claros na nossa comunicação, mas a outra pessoa não está a absorver ou entender o que tentamos comunicar. O inverso também é verdade: muitas vezes julgamos ouvir no outro algo que não era, de facto, o que ele queria expressar. É importante fazer esse exercício de investigar como estamos a exprimir-nos, como a nossa voz está a chegar aos outros. Porque algumas vezes, entre a voz que julgamos projetar e aquela que, realmente, chega aos outros, há uma discrepância, que é suficiente para gerar equívocos e problemas de comunicação. Assim como a distância a que estamos da projeção do som torna distinta a nossa percepção e experiência do mesmo, os pré-conceitos, crenças, pré-julgamentos, medos, expectativas que temos, interferem na interpretação que fazemos de tudo o que nos é dito. Nunca há um mero dar e receber, porque todas as coisas passam por todos os nossos filtros. Talvez a melhor forma de dar e receber seja reduzir os filtros nos quais estamos enredados. Talvez assim possamos expressar, de facto, a nossa voz e ouvir a do outro.

(P.S. Continuo a não me identificar com a voz que ouço nas gravações, mas já a reconheço como a voz que os outros ouvem de mim.)

segunda-feira, 22 de maio de 2023

110-365

 


Acho que a primeira vez que li alguma coisa sobre meditação foi nos livros do Osho, mas foi apenas quando li "comer, orar e amar" que, verdadeiramente, me interessei pelo assunto e senti vontade de experimentar. Fui lendo mais sobre o assunto, assistindo vídeos, fazendo meditações guiadas e comecei a integrar essa prática na minha rotina. Atualmente, para quem se interessa, há incontáveis meditações guiadas no youtube ou apps (como o Headspace, por exemplo que, inclusivamente, tem séries no Netflix) que servem o propósito de facilitar a meditação. Se há prática que eu acho que todos deveriam cultivar, é esta. Um momento de autocuidado no dia. Assim como paramos em alguns momentos do dia para fazer a nossa higiene corporal, a meditação é uma forma de parar e fazer uma higiene mental. Que pensamentos surgem? Quais não lhe servem e escolhe abandonar? Que pensamentos quer cultivar? O que surge no escuro atrás dos olhos fechados? Pode surpreender-se com o que encontrar...
Hoje é o Dia Mundial da Meditação. Por que não fechar os olhos por uns minutos e ver o que acontece?

quinta-feira, 18 de maio de 2023

109-365

 


Há vários alunos meus que têm piano digital. Quando são mais novos, adoram explorar os diferentes timbres que o instrumento permite. Às vezes, de tanto apertar em tantos botões em sequência, o piano fica "travado" em alguma funcionalidade que não nos permite trabalhar. Solução: "Joana, só desligar aqui e voltar a ligar que se resolve." Qual de nós nunca fez isso com o computador ou o telemóvel? A coisa trava, não vai para trás nem para a frente, às vezes parece até uma causa perdida. Escolhemos "reset" e tudo se resolve, como num passo de mágica, destrava, volta a funcionar normalmente.
Às vezes, um simples "reset" é tudo aquilo de que precisamos para revigorar a nossa energia e a vida voltar ao rumo certo.
Exponha-se ao sol da manhã. Contemple a luz da aurora, nas suas belas cores, depois feche os olhos e sinta o sol acariciar a sua pele. O sol é, claro, uma excelente fonte de energia.
Faça um passeio na natureza, contemple-a. As nuvens no céu, a lua, o nascer ou o pôr-do-sol, uma árvore, uma flor, o mar. Encontre a beleza de todas as coisas. Se possível, tome um banho no mar ou rio, ou apenas sinta a água molhar-lhe os pés.
Tome um banho gelado. Estão cientificamente comprovados os benefícios de se expôr ao frio. Ajuda, inclusivamente, em quadros de depressão pelo alto grau de impulsos elétricos que se geram a partir do contato da pele com o frio. Também o fortalece, mentalmente, para gerir melhor situações de stress.
Caminhe na relva ou na areia da praia.
Faça algum exercício físico. Exercício físico libera hormónios "da felicidade" e reduz níveis de stress no corpo. A energia do corpo muda pelo simples facto de o colocarmos em movimento. Não tem de ser exercício pesado. Faça uma caminhada, movimente-se com yoga, tai chi, qigong ou até mesmo faça uma massagem. Tudo o que colocar as suas energias em movimento, vai ajudá-lo a "reiniciar". Dance! Escolha "aquela" música que o motiva e dance como se ninguém estivesse a ver, sem filtro, deixe que o corpo se expresse livremente.
Leia um livro inspirador, veja aquele filme ou documentário que o faz acreditar que tudo é possível (biografias são boas opções), ou mesmo vídeos motivacionais (por exemplo Jay Shetty ou Joe Dispenza). Ouça, em loop, "aquela" playlist repleta de músicas que falam à sua alma.
Escreva. Escrita livre é uma excelente forma de deixar fluir as emoções e o turbilhão dos pensamentos, o que abre espaço para renovar energia.
Falar também ajuda. Desabafe com amigos queridos ou familiares com quem sinta total à vontade. Dizer as coisas em voz alta ajuda a articulá-las e, até, exorcizá-las.
Ria! Rir é um excelente remédio. Encontre formas de se rir de si mesmo, das situações que o angustiam. Encare tudo com humor.
Faça um detox: abdique de álcool, açúcar, excesso de produtos industrializados que são fonte de desequilíbrio no nosso corpo.
Faça, diariamente, uma lista com coisas pelas quais se sente grato e sinta essa gratidão com a maior profundidade possível.
Usufrua da companhia e carinho do seu animal de estimação: é uma ótima forma de liberar ocitocina e reduzir níveis de cortisol, ou seja, diminui stress e ansiedade e fá-lo sentir bem-estar e amor.
Faça uma mudança de visual. Às vezes, um simples corte de cabelo já muda a forma como se apresenta no mundo, e isso é suficiente para mudar a sua energia. A própria postura que adopta muda a sua energia: não se curve, não descaia os ombros. Olhe mais para o céu do que para o chão.
Faça uma arrumação na casa, na caixa de e-mail, na sua mente: livre-se do que não lhe serve mais.
Viaje, se possível. Lugares diferentes (ou voltar a lugares que têm significado para si) são ótimos revigorantes!
Respire. Através da respiração obtemos o oxigénio que é fonte de energia das nossas células. Através da respiração, conectamo-nos com o nosso corpo. A respiração é uma ponte entre mente e corpo. Breathwork pode ser uma atividade surpreendentemente energizante (e reveladora)!
Reze. Medite. Procure ouvir-se no silêncio, encontrar-se, sintonizar-se consigo mesmo. Ouça o que o silêncio tem para lhe dizer. Sinta, na sua imobilidade, a energia fluir no seu corpo.
Experimente. Pesquise. Conheça-se, perceba qual destas atividades (ou outra) mais o nutre e...reinicie!

108-365

 


Diz a sabedoria popular que "Deus escreve direito por linhas tortas" e que "o acaso é o pseudónimo de Deus quando não quer assinar." Quantas sincronicidades acontecem ao longo da nossa vida? Quantas tiveram um impacto significativo na nossa vida? Quantas foram subtis mas efetivas?
Quantas vezes ouvimos na rádio aquela música que tínhamos pensado recentemente que há muito tempo não ouvíamos? Temos notícias de alguém de quem nos lembrámos recentemente, do nada, ou porque passámos por alguém muito parecido na rua? Vem parar ao nosso feed da rede social o texto certo, o vídeo perfeito sobre o assunto que nos tem tirado o sono? Quantas respostas surgem, à nossa volta, disfarçadas de filmes, músicas, séries, frases em propagandas, livros? Coisas que caem como uma luva em dúvidas, anseios que ocupam a nossa mente e coração. Podem estar escancaradas, inequívocas, ou podem surgir como sugestões, mensagens implícitas, subliminares.
Nós funcionamos como uma antena: ao mesmo tempo que estamos constantemente a emitir um sinal de frequência (através dos nossos pensamentos, palavras e ações), também estamos a captar sinais idênticos ao que emitimos. Quando estamos focados em algum assunto/problema, é comum e normal que esse assunto nos apareça mais. É nele que estamos sintonizados, é nele que repousa a nossa atenção (ou leia-se energia) e o mundo à nossa volta reage à nossa frequência. Quem é da minha geração ou mais velho, lembra-se das televisões antigas em que colocávamos a antena em cima e, paciente e lentamente, girávamos a antena, movíamo-la de um lado para o outro, milímetro a milímetro, com maior ou menor inclinação até captar a imagem mais nítida possível. Em momentos de dúvida, não se contente em olhar para uma televisão com estática. Isso apenas o deixará estagnado. Lembre-se de ajustar a sua antena, subtilmente, pouco a pouco, e preste atenção às imagens que vão surgindo. Mesmo as sombreadas ou disformes, porque até nessas pode encontrar indícios da resposta que procura. Não deixe que a dúvida e o medo o deixem preso à estática, continue a sintonizar e, quando menos esperar, as sincronicidades acontecem e terá uma imagem clara e nítida à sua frente. 

segunda-feira, 15 de maio de 2023

107-365

 


Ser mãe muda o nosso corpo. Não só durante a gravidez, mas depois. Dependendo das mulheres, o tamanho das ancas muda, do peito - encolhe, aumenta, sofre o efeito da gravidade -, o metabolismo também se altera, a estrutura, peso.
Ser mãe muda a nossa vida, as rotinas, horários, prioridades, gastos. Se não se tiver uma rede de apoio, torna-se difícil, por exemplo, sair para passear, comer fora, muito menos sair a dois - às vezes até dormir!
Mas aquilo que mais muda em nós com a maternidade é a nossa forma de olhar para o mundo. Agora, usufruimos do filtro das lentes do olhar do nosso filho. O olhar que se maravilha com tudo, o olhar atento, presente, o olhar da descoberta, da busca, do encontro. Um filho permite-nos ressignificar o valor de tudo o que nos rodeia e perceber que as coisas mais simples podem ser especiais.
E, então, se tivermos abertura  para isso, ser mãe muda a nossa forma de estar no mundo. Passamos a estar no mundo com a atenção em cada momento, porque percebemos que aquele sorriso é único, aquele primeiro passo não acontece outra vez, aquela sesta no colo tem os dias contados porque só pode acontecer enquanto couberem no nosso colo. Queremos mostrar o Mundo ao nosso filho e redescobri-lo junto com ele. Quando a criança é pequena, o mundo é um imenso parque de diversões, com novidades todos os dias. Nesses anos, temos a oportunidade de renovar a nossa visão do mundo. Quando a criança cresce, começam a surgir medos, desconfianças, dúvidas. Começa a olhar mais para as nossas ações do que para as nossas palavras. Por isso, passamos a estar no mundo de forma mais atenta porque queremos ser um bom exemplo. Queremos ser aquilo que gostaríamos de os ajudar a ser. E, mesmo com os nossos próprios medos, desconfianças e dúvidas - sim, porque também os temos -, nesses anos, é nossa responsabilidade mostrar-lhe o mundo que ela mesma no ajudou a redescobrir: cheio de oportunidades, de coisas boas, beleza, abundância. Temos a oportunidade de repensar quais crenças e visões do mundo queremos deixar que o nosso filho absorva através de nós. As nossas palavras e, principalmente, ações estão, a cada momento, a moldar a construção e entendimento que o nosso filho faz do mundo. Os nossos gestos e palavras são interpretados, incorporados e mimetizados pela criança. É nossa responsabilidade assumir se é daquela forma que gostaríamos que resolvesse os problemas, que enfrentasse as dificuldades, que celebrasse as vitórias, que se relacionasse com os outros. A maternidade proporciona-nos uma oportunidade de nos recriarmos. Inspira-nos a procurar melhores formas de expressão, crenças mais construtivas. Inspira-nos a ser melhores, a nossa melhor versão. Por mais difícil e desafiador que seja. Porque amamos incondicionalmente o nosso filho e queremos apenas o melhor para ele.

sábado, 13 de maio de 2023

106-365

 


"O tempo não evolui as coisas, o que evolui as coisas é o livre-arbítrio. Se pegar uma pedra e a deixar parada no tempo, ela não evolui, ela é destruída. O tempo só envelhece as coisas. É a sua vontade de fazer diferente que evolui as coisas."

Jonas Masetti


É certo que o tempo, na maioria das vezes, é nosso aliado. Como diz José Luís Peixoto "o tempo transforma tudo em tempo". Mas o tempo não é um ingrediente milagroso. É necessário tempo para se adquirir uma habilidade, tempo para amadurecer, tempo para recuperar de uma perda. Mas nenhuma dessas coisas acontece por si só: é preciso, antes de mais, uma intenção, depois, acção. Por fim, é preciso persistência: intenção e acção continuadas no tempo podem levar a mudanças significativas. "Insanidade é fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes." (Einstein) Por vezes, só apetece ficar no nosso cantinho escuro à espera que as coisas melhorem, de preferência, por milagre ou, como diz o povo, "por obra e graça do Espírito Santo." E é tão fácil ficar confortável na inércia desse espaço doloroso. Sim, dói, mas não dá trabalho. E tem o aconchego da autocomiseração. Ter uma intenção diferente é, emocionalmente, exigente. Iniciar uma acção condizente com essa nova intenção é, animicamente, desafiador. É trabalhoso. Mas quem disse que crescer era fácil? Quando a minha avó fazia quilos de filhós no Natal, aconchegava bem a massa num alguidar enorme, repleto de cobertores. Antes de envolver a massa, desenhava nela, cuidadosamente, uma cruz com o dedo enquanto dizia "Deus te acrescente", e deixava a massa descansar pelo tempo necessário. Sim, o tempo ajudava, a fé também, mas antes de tudo isso, havia a intenção de fazer as filhós, a combinação dos ingredientes certos e, tão importante e essencial quanto tudo isso, uma acção forte e vigorosa sobre a massa: sovar aqueles quilos de massa era extremamente exigente fisicamente. Dava muito trabalho! Os braços ficavam doloridos. Mas era tudo isso que, combinado, fazia a massa crescer. Crescer é trabalhoso e, muitas vezes, doloroso. E o tempo? O tempo é nosso aliado, mas não nosso santo milagroso. Toca a pôr a mão na massa!

105-365

 


Hoje comemora-se o dia de Nossa Senhora de Fátima. Em criança, com a escola, fui várias vezes a Fátima, precisamente por esta altura do ano. Celebrava-se uma missa na Capelinha das Aparições e nós cantávamos no coro durante a missa. Claro que, a parte da viagem que mais gostávamos era tudo o que não fazia parte da atividade na missa: o autocarro, o almoço, o convívio no tempo livre. Já em adulta, voltei lá algumas vezes. Não me considero uma devota de Nossa Senhora, mas tenho um enorme respeito e admiração por aquele lugar. Ontem, estava a ver um vídeo em que Jay Shetty explicava que não é apenas o nosso corpo que guarda memórias, os lugares também e, por isso, ele sempre sentiu que era muito mais fácil meditar em templos de milhares de anos, em que muitos monges já haviam meditado. O lugar guarda a energia. É por isso que Fátima tem uma energia tão especial. Independentemente de qual seja a crença que temos em relação às Aparições, a verdade é que, há décadas, tantas e tantas pessoas oram ali com tamanha devoção, tantas e tantas pessoas abrem ali o seu coração, tantas e tantas pessoas expressam a sua genuína gratidão. Não interessa se é católico, se segue outra religião ou mesmo se é ateu. A energia de Fátima sente-se na pele. E, por isso, é fácil emocionar-se ali, inspirar-se. Deixe os julgamentos de lado, não deixe a mente intrometer-se e abra o seu coração ali. Pode ter insights valiosos. E, quanto mais não seja, pode deixar-se inundar por um profundo e inexplicável sentimento de gratidão.

quinta-feira, 11 de maio de 2023

104-365

 


Há vários anos que dou aulas de piano. Às vezes, os alunos contam-me que tentaram ensinar um familiar ou amigo a tocar alguma música e perguntam-me como tenho paciência para ensinar. "Tentei ensinar só esta parte, mas ela não conseguia fazer!" Eu acho que um grande desafio de ensinar é colocarmo-nos no lugar do outro. Quando já conseguimos fazer alguma coisa bem, às vezes perdemos a noção de como, um dia, aquilo também foi difícil para nós, e de quais eram as nossas dificuldades concretas. (Tive um professor que dizia que a única coisa que o separava de nós, alunos, era o tempo de prática e a experiência.) Colocarmo-nos no lugar do outro significa tentar perceber quais dificuldades está a enfrentar - mesmo quando, nós mesmos, nunca passámos por nada parecido - para, então, pensar e mostrar ferramentas que possam ajudá-lo. E esse, por si só, às vezes é um desafio: entender o que o outro não percebe, ou descobrir qual dificuldade motora está a bloqueá-lo. Como em tudo na vida, sem perceber onde está o problema, não é possível resolvê-lo. Outra questão importante é que nem todos aprendem da mesma forma, e nem todas as dificuldades se resolvem com a mesma solução. Além disso, todos temos o nosso tempo (de progressão, de maturidade, etc). Na aprendizagem, vale a sabedoria popular "cada um é como cada qual". Talvez a tal "paciência" seja necessária nesse aspecto: descortinar o que aquele aluno específico precisa de nós, adaptar a nossa forma de ensinar a cada um que está a aprender. Pessoalmente, acho muito estimulante passar o conhecimento adiante. Sempre gostei de partilhar com os outros o que me toca, o que me emociona, aquilo que me enriqueceu, de alguma forma. Fico muito feliz quando um aluno se encanta com a música, quando percebe que ela é uma nova linguagem à sua disposição para se expressar de forma autêntica ou, pelo menos, para se divertir genuinamente com ela.
Acho que a única coisa que realmente é desafiante no que diz respeito à paciência é tentar ensinar e motivar, quem não está minimamente interessado em aprender. Porque para quem tem motivação, é muito fácil acontecer o diálogo da aprendizagem. O difícil é quando encontramos uma barreira, uma falta de abertura. Às vezes, dá vontade de cruzar os braços, ceder. Mas, então, lembro-me que eu já estive exatamente naquele lugar, do outro lado da barreira. E hoje estou aqui. Então, continuo a dedicar-me, a entregar o melhor que posso e a tentar encontrar formas de aceder ao melhor de quem está do outro lado. E, não raras vezes, as barreiras caem, a troca acontece, e valeu a pena! 

quarta-feira, 10 de maio de 2023

103-365


Faleceu a Rita Lee, ícone da música brasileira. Desde que se soube a notícia, ontem e hoje, merecidamente, têm proliferado as homenagens à cantora. Na televisão, ouvimos vários e vários trechos dos grandes êxitos dela. E são muitos! E maravilhosos. Dei por mim a cantarolar e "a arranhar" boa parte das músicas. Então, lembrei-me que, quando eu era pequena, os meus pais costumavam ouvir o vinil dela. É daí, da minha infância, que conheço a maioria das músicas dela. Isso fez-me pensar: se eu tenho na memória, escondido, aqui em algum canto recôndito da mente, letras das músicas da Rita Lee, o que mais anda atafulhado por aqui? A nossa mente é um verdadeiro sótão, daqueles dos filmes, cheio de caixas e mais caixas empilhadas, etiquetadas com diferentes nomenclaturas (boa, má, conhecimento, inútil, etc). Algumas estão bem guardadas, organizadas, e recorremos a elas frequente e conscientemente, mas outras estão escondidas em cantos escuros, cheios de teias de aranha e, muitas vezes, nem temos noção que elas existem. Na maioria das vezes, apetece deixar tudo como está, porque dá preguiça de começar a arrumar tamanho caos, e também dá medo do que vamos encontrar ali. Mas arrumar as nossas lembranças e vivências,  é essencial para que possamos viver com mais equilíbrio. Porque aquele sótão, lá em cima, cheio de "fantasmas", assombra as decisões e reações que temos todos os dias. Todas aquelas memórias vivem e manifestam-se nas nossas reações emocionais. Nos cantos escuros do sótão, estão muitas das respostas que procuramos para o por quê somos como somos, reagimos como reagimos, acreditamos no que acreditamos. Acessar essas caixas, permite-nos decidir se o que está lá nos serve no momento presente ou não. Ninguém está condenado "a ser assim" ou  "a fazer assim" para sempre. Podemos decidir como queremos ser e fazer as coisas. Como disse a Rita Lee "um belo dia eu resolvi mudar, e fazer tudo o que eu queria fazer." Que tal começar uma reciclagem?

segunda-feira, 8 de maio de 2023

102-365

 


Há silêncios que incomodam. Silêncios que aconchegam. Há silêncios que amedrontam. Silêncios que acalentam. Há silêncios que cortam e logo são quebrados. Silêncios que envolvem e se delongam em cumplicidade.
O silêncio é terreno fértil de ideias. Dele nascem todas as grandes obras de arte. "O silêncio não é vazio, ele está cheio de respostas." (Anónimo) Mergulhar no silêncio é abrir-se a novas possibilidades.
Neste Dia Mundial do Silêncio, tente ouvi-lo um pouco. Que pensamentos surgem? Que receios? Que dúvidas? Às vezes, o silêncio pode ser tão caótico como o trânsito de uma metrópole. Barulhento, poluído, confuso. Mas se retirarmos todos os carros, buzinas, todo o ruído, o que fica? Por trás de todo o caos aparente, há sempre um lugar de repouso. Por trás do ruído da mente, há um silêncio potencialmente revelador. É preciso tempo, treino e persistência para ir além da mente limitada e aceder, realmente, a um lugar silencioso. E, nesse lugar, as respostas podem surgir. 

domingo, 7 de maio de 2023

101-365

Hoje é o dia de celebrar a nossa mãe. Independentemente de a termos perto ou longe, ou até de já nos ter deixado. Porque uma mãe está sempre connosco, faz parte de nós para sempre, nunca nos deixa realmente. Vive no amor que lhe temos, no amor com que nos nutriu (ou nutre), vive em tudo o que nos ensinou, em tudo o que nos inspirou a ser. Podemos falar todos os dias, ou só de vez em quando, ou apenas em oração: seja como for, ela está presente no que somos e fazemos, e as suas palavras ecoam em nós, reverberam muito para além da sua existência.

Hoje é dia de celebrar a nossa mãe. Quem mais nos acarinhou, acalentou, amou, mas também quem chamou a nossa atenção, quem ralhou, repreendeu. Quem elogiou os nossos acertos, e nos fez refletir nos erros. Quem sabe, melhor do que ninguém, as coisas que mais gostamos de comer, e sabe fazê-las como ninguém, mas também quem nos obrigou a comer a sopa, as verduras e a fruta, mesmo quando não nos apetecia. Quem nos colocou na cama para dormir, aconchegou, mas também nos acordou todos os dias cedo para ir para a escola. Quem nos mostrou e abriu caminhos, motivou a sonhar, mas também orientou, protegeu. Quem sempre tenta fazer e dar o seu melhor, mas também erra pelo caminho. Quem celebra as nossas conquistas, e ampara as nossas derrotas. Quem guarda o melhor pedaço da melancia, a última fatia do bolo, quem deixaria de comer, se fosse preciso, só para que nós possamos fazê-lo. Quem daria a vida por nós, mas nos deu a vida.
Obrigada, mamã, pelo carinho, dedicação, entrega, pelo amor. Obrigada pela exemplo de força, coragem, dedicação e criatividade. Admiro-te muito. Obrigada também pelas vezes que me obrigaste a acabar de comer, por me teres obrigado a estudar piano, pelas feridas que, dolorosamente, me desinfectaste, pelos valores que me passaste.
Vivo pelos teus exemplos. Se, um dia, o Mateus tiver por mim um orgulho e admiração semelhantes, serei uma mãe feliz.
Adoro-te.