quinta-feira, 21 de março de 2024

Eu e yoga

 



Nos últimos 5 meses e meio intensifiquei e, principalmente, aprofundei a prática de yoga. Claro que melhorei a flexibilidade, certamente algumas posturas mais exigentes que não eram confortáveis há meses atrás estão bem mais cómodas agora. Poderia mostrar fotografias de abertura de pernas, torções, ou em que fico de cabeça para baixo, mas eu sinto que a minha maior conquista está aí, nessas duas fotografias. Talvez a diferença não seja muito notória, mas a sensação que está por trás de uma fotografia e da outra é bem diferente. A aparência da postura é idêntica, mas a atuação e intenção que a anima são diferentes. Na primeira havia resistência, na segunda há entrega. As maiores evoluções que o yoga nos proporciona são assim mesmo: subtis, quase imperceptíveis pelo lado de fora, mas profundas no lado de dentro. Mais do que atingir a forma, atingem a essência. Hoje, eu sinto-me mais confortável no meu próprio corpo, tudo está mais encaixado, e isso permite que a mente se vá estabilizando também. Quando o corpo chama muito a atenção, a nossa atenção fica escrava dele. Quando assentamos no corpo, abre-se um espaço para que a atenção flua para outras coisas. Mais do que isso, percebemos que é possível direcionar a atenção. Surgem novas sensações, percepções. E, não, não são todas boas, positivas e maravilhosas. Às vezes é com alguma sombra que nos deparamos. E tudo bem. O yoga não é só sobre luz e viver sereno 100% do tempo, é sobre abraçar tudo, de peito aberto, com completude, inteireza, autenticidade, abertura. É sobre aprender a navegar pelos dias bons e maus, e saber que passos para a frente e para trás fazem parte do caminho. O mais importante é caminhar, o mais importante é o passo que damos aqui e agora.

Agradeço ao meu professor Caio Corrêa e à potência da troca que acontece no grupo inspirador e acolhedor que compõe a turma do @yogalaya_ .
Seguimos, com empenho e abertura.

Eu e Jacob Collier

 


Jacob Collier é, sem sombra de dúvidas, um dos músicos mais geniais do nosso tempo - e, atrevo-me a dizer, de todos os tempos! Não só é um excelente cantor com um timbre que vai dos graves mais profundos aos mais cristalinos falsetes, como é um exímio pianista, guitarrista, e um multi-instrumentista de todo o tipo de instrumentos. Além disso, é absolutamente admirável a sua compreensão da música, o senso de harmonia, o sentido rítmico que pulsa em tudo o que faz. As suas músicas não distraem: inspiram, espelham a sensibilidade e o quanto a música lhe corre nas veias. As versões que faz de músicas de outros cantores ou bandas são magníficas: descontruções e reconstruções que ganham uma nova cor à luz da sua imaginação prodigiosa.
E o que dizer de Jacob Collier em palco? Despojado, alegre, simples, às vezes de pé descalço, passeia pelo palco e pelos vários instrumentos como se estivesse em casa. E quando se torna o maestro do público, transformando aquela massa humana de desconhecidos, heterogénea, imensa, num gigantesco coro afinado a cantar a várias vozes, não há quem possa ficar indiferente! Milhares de pessoas, sem qualquer ensaio prévio, seguem intuitivamente os gestos de Jacob Collier, e o espaço reverbera com a música vinda de todos os cantos. As vozes fundem-se, e de forma brilhante, Jacob constrói uma narrativa com harmonias vibrantes e surpreendentes. Naqueles minutos, não existe diferença de idade, crença, nacionalidade, género, raça que prevaleça: todos são Um, e a música é a sua linguagem. Naqueles minutos, a música faz o que de melhor sabe fazer: une. Jacob Collier, ao dirigir coros nas plateias pelo mundo afora, mostra-nos a maior e mais bonita verdade da nossa existência: somos todos mais parecidos do que diferentes, somos todos parte de uma mesma coisa, e somos mais fortes quando nos unimos.

Eu, as árvores e as orquídeas

 


A Natureza tem colaborações tão bonitas!.. Uma delas é a das orquídeas e das árvores. Aqui em São Paulo, é muito comum ver as orquídeas entrelaçadas nas árvores. As orquídeas acomodam-se, a árvore acolhe. A orquídea beneficia-se, fortalece-se, floresce, sem prejudicar a árvore em nada. A árvore dá, desinteressadamente. Doa, sem esperar nada em troca, não teme a presença da orquídea, não a repulsa. As duas encontram uma forma de coexistir harmoniosamente juntas. E somos nós que também ganhamos: ao contemplar a árvore ainda mais embelezada, enfeitada, e as orquídeas a florescer, coloridas. Poderíamos aprender tanto com a Natureza...A presença do outro nem sempre tem de ser encarada como uma ameaça. Na diferença, algo bonito pode florescer. Na colaboração, o crescimento acontece. No entendimento, a Beleza manifesta-se. Que possamos ser mais árvore para as orquídeas que precisam de nós.

Eu e os erros

Se eu escrver uma palavra errada pelo meio do caminho de um texto, o seu cérebro vai lê-la corretamente. Não vai atrapalhar a sua compreensão. Às vezes, nem sequer se apercebe do erro. (Percebeu o meu erro na primeira frase deste texto?..) Isto porque o nosso cérebro é especialista em poupar energia criando atalhos: quando lê uma palavra parecida com outra que já conhece, assume que se trata dela mesma e não gasta mais tempo nisso. Então, estamos sempre a observar o mundo através das informações que já temos. Nunca vemos o mundo como ele é. Vemo-lo através dos filtros e automatismos que vamos criando. Isso significa que podemos estar a olhar para várias "palavras erradas" todos os dias sem nem nos apercebermos disso. São os nossos conhecimentos, experiências, crenças que vão criando as lentes através das quais vemos e interpretamos o mundo à nossa volta. Nada no mundo é só preto ou branco: tudo depende das cores que temos nas nossas lentes. Exatamente por isso, há pessoas que passam pela mesma experiência de forma muito diferente - por exemplo uma doença ou o luto. A verdade é que não há um mundo apenas a ser visto, mas cerca de 8 bilhões de formas de ver o mundo. Não se renda às "palavras erradas", não se limite pelas suas crenças ou vivências passadas. O mundo é vasto e cheio de possibilidades. Não dá para prestar atenção a tudo, mas em cada coisa que fazemos deve estar toda a nossa atenção. E, com essa presença, podemos abraçar a grande questão: de que forma escolhemos ver o nosso mundo? 

Eu e a dor

Hoje, um dos meus alunos estava com uma dor no pé. "É horrível sentir dor! Seria melhor se não existisse dor..." De facto, sentir dor é terrível, mas não poderíamos viver sem ela. A dor nada mais é do que um sinal de alerta do corpo. Como um alarme que toca cada vez que o corpo se sente ameaçado. Se não sentíssemos dor, poderíamos queimar-nos de forma irreversível, ou passar a vida a quebrar ossos, romper músculos ou tendões. É a dor que nos impede de ultrapassar os limites do nosso corpo. Também a dor emocional é um sinal de alerta de que ultrapassámos algum limite no nosso universo interno. Se nos magoa, se nos constrange, se nos amedronta, é preciso refletir em que limite esbarramos. A dor é desagradável, mas necessária e, se soubermos ouvi-la, é uma excelente professora sobre o assunto mais relevante da nossa vida: nós mesmos.

Eu e a beleza de cada um


 São Paulo está florida. Flores violeta, cor-de-rosa, brancas e amarelas cobrem as árvores pela cidade. Nas primeiras vezes que me deparei com elas pensei "Que árvores bonitas!.. Bom, não são como os ipês, mas são bonitas." Dia após dia, fui admirando mais a sua beleza, as suas cores únicas e, acima de tudo, fui procurando evitar a comparação com os ipês. Claro que a beleza destas árvores não é comparável com a dos ipês, porque cada uma tem a sua beleza própria. Os ipês causam-nos um deslumbramento que é difícil de igualar. Ficamos estarrecidos. Mas estas árvores, são lindas na sua forma mais singela, com flores delicadas, mas cores fortes. O violeta, principalmente, é lindíssimo e destaca-se na paisagem da cidade. Se olharmos para estas árvores à procura da beleza de um ipê, vamos decepcionar-nos. Se as admiramos com a sua beleza própria, vamos encantar-nos.
Às vezes, tudo depende da perspectiva com que abordamos alguma coisa. O peso das expectativas, pode estragar muitas experiências e interações. É preciso perceber o que está à nossa frente, quem está à nossa frente, para que possamos ter a melhor experiência possível, mais completa, única. Quando for saborear um morango, saboreie aquele morango, não o que comeu na semana passada, ou o que comia na sua infância. Não o compare com nenhuma outra experiência. Quando assistir a um concerto, ouça a música desse concerto, não reviva o concerto a que assistiu no passado. É preciso ver o que realmente está à nossa frente para que possamos deleitar-nos na experiência.

Eu, o positivo e o negativo

Se não chove num lugar há muito tempo, quando cai uma carga de água, é uma benção. Mas, se chove em demasia, pode ser uma tragédia de perdas humanas e materiais incalculáveis. A água limpa, mas se nos invade a casa, suja tudo. Precisamos de água para viver, mas a água também nos pode matar afogados.

Nada é, em si, bom ou mau. Tudo depende do contexto, das circunstâncias e, principalmente, do nosso julgamento. É preciso desapegar mais dos nossos julgamentos. O que é bom hoje, pode ser mau amanhã. O que é mau agora, pode conter uma benção escondida que se revela mais tarde. É preciso permanecer aberto, porque a única certeza que temos é que nada é certo, tudo está em constante mudança. 

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Eu e os condicionamentos


A nossa vida é repleta de condicionamentos. Desde a forma como colocamos a almofada debaixo da cabeça para dormir, à forma como vestimos as meias, como nos sentamos, como nos penteamos, até como andamos e respiramos! E os condicionamentos vão além da questão física: estamos condicionados a pensar de certa forma, a agir segundo determinadas crenças, a reagir da mesma forma a certas ações, a sentir as mesmas emoções (a maioria delas originadas pelos pensamentos que, sem termos consciência disso, permitimos ter na nossa mente.) O maior movimento do yoga, o mais bonito, exigente e difícil, não é nenhuma postura acrobática mas, precisamente, a busca por quebrar condicionamentos negativos e, conscientemente, criar novos, mais positivos. Vivemos tão embrenhados nos nossos automatismos que nem os percebemos. Como os peixes que nem sabem que estão na água, estamos tão imersos nas nossas crenças (sobre como o mundo é, como nós e os outros somos), que não as percebemos. O nosso primeiro gesto, deve ser, por isso, de reconhecer. Ver o condicionamento como aquilo que ele é: um automatismo que nos aprisiona numa forma de ser e (re)agir sobre a qual pouco ou nenhum controle temos. É necessário percebê-lo antes da nossa (re)ação. Ver que ele está ali, que existe. Quando conseguimos percebê-lo, é preciso criar momentos de pausa. Esse espaço que se abre na pausa, permite uma nova escolha, consciente. Novas escolhas sucessivas geram novos condicionamentos. Não mais aqueles a que nos habituamos a obedecer, mas aqueles que elegemos como mais benéficos para nós. Não temos de permanecer no "eu sou assim" nem continuar a fazer "o que eu sempre fiz". E é isso que o yoga nos mostra: que, com esforço e paciência, podemos aprender a conhecer os nossos padrões e quebrá-los, abrindo, assim, espaço para que uma nova construção surja no lugar das velhas edificações que nos limitavam.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Eu e os atalhos

É muito comum observar os alunos lidarem com alguns desafios de coordenação motora no piano: se quer tocar forte com uma mão, a outra mão quer segui-la, se quer tocar desligado numa mão, a outra quer segui-la, se tocamos com o polegar, a outra mão também quer tocar com o polegar. Isto acontece com todos nós, por uma simples razão: o nosso cérebro é um exímio especialista em poupar energia. Embora corresponda a apenas 2% do nosso peso corporal, consome cerca de 25% da energia, por isso, é essencial poupar. E qual é uma das melhores formas de poupar energia? Criar atalhos. No caso do piano, ao invés de dar uma ordem para uma mão e outra ordem para a outra mão, a maneira mais fácil de poupar energia é dar uma só ordem igual para ambas as mãos. O nosso cérebro cria atalhos a cada momento: tomamos banho e lavamos os dentes sem pensar muito nos gestos. Vestimo-nos e apertamos os ténis de forma idêntica todos os dias. Comemos a mesma coisa ao pequeno-almoço, fazemos os mesmos trajetos. Mas mais do que isso: pensamos e sentimos as mesmas coisas. Repetidamente. Dos cerca de 70000 pensamentos que temos por dia, 95% são inconscientes, ou seja, gerados de forma automática. Atalhos. Repetem-se dia após dia. Esses mesmos pensamentos, levam-nos a sentir as mesmas emoções. E, assim como uma mão seguir, inadvertidamente, o gesto da outra no piano não beneficia a nossa performance, muitos desses pensamentos automáticos também não nos servem. A boa notícia: é possível treinar de forma a dar ordens diferentes a cada mão no piano. O primeiro passo é trazer a nossa atenção para isso: que som está a ser produzido e que som seria o ideal a ser produzido? Com os pensamentos é a mesma coisa: o primeiro passo é reconhecer que pensamentos se passeiam diariamente na mente. Quais queremos deixar ali? Quais escolheríamos, idealmente, ter? Parece difícil? Os meus alunos dizem que fazer uma coisa com a mão direita e outra com a esquerda é impossível mas, após algumas aulas, o impossível começa a tornar-se possível...A pouco e pouco. Com treino.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Eu, o Théo e os abraços

 


O Théo, o nosso cão, não gosta de abraços. Adora carinho. Quando começamos a fazer carinho na cabeça dele ou no peito, se paramos, ele puxa a nossa mão com a pata dele para continuarmos. Costumamos brincar com ele "és insaciável!" Adora deitar-se perto de nós, em cima dos nossos pés ou com a cabeça no nosso colo. Mas não gosta de abraços. Se o abraçamos, poucos segundos depois já começa a resmungar. Se não o largamos, a reclamação sobe de tom...Nós gostamos tanto, mas tanto dele que, quando olhamos para ele, aquele focinho lindo, aquelas orelhas expressivas, aquele olhar doce temos, literalmente, vontade de o apertar num abraço bem demorado. Adoramos este peludinho, e temos vontade de lhe demonstrar o nosso carinho através de abraços apertados. Para nós, um abraço é demonstração de amor mas, para ele, esses abraços apertados são, tudo menos uma coisa boa. Deixam-no inquieto, desconfortável, até assustado.
Nem sempre o que achamos que é melhor para o outro, é. Às vezes, há gestos nossos que são carregados de amor, carinho e atenção e não são percebidos pelo outro dessa forma, ou nem são percebidos de todo. Porque não somos todos iguais, não tivemos vivências iguais, aquilo que para uma pessoa é uma inequívoca manifestação de amor, para outra pessoa é supérfluo. Aí residem muitos equívocos: esperar dos outros o que seria a nossa manifestação, e não saber receber dos outros o que é a deles. É preciso perceber se é abraço apertado que o outro gosta e precisa...

Eu e o stress

 Treinávamos por meses até chegar ao momento da competição. E, ali na hora da verdade, horas e horas de trabalho consubstanciavam-se em poucos minutos de prova. Uma hipótese apenas de acertar os movimentos que tínhamos treinado tanto. Dava aquele "friozinho" na barriga. O corpo entrava em "modo stress": super mobilizado. Não raras vezes, aconteciam quedas por um excesso de adrenalina. A vontade de fazer, de mostrar o trabalho feito, atropelava o nosso planejamento. Por vezes, íamos com tanta força e velocidade que caíamos para trás após a recepção do mortal para trás, por exemplo. Ou a saída das paralelas saía demasiado alta para o que estávamos habituados. Esses pequenos desvios eram suficientes para nos tirar do eixo. Da mesma forma que estudamos uma música no instrumento com toda uma mobilização muscular e gestos pensados para determinada velocidade e, na hora da apresentação, por o nosso sistema estar acelerado (batimentos cardíacos, ritmo respiratório) em função do stress, podemos cair no erro de tocar bem mais rápido do que tínhamos planeado. A adrenalina e o stress, por mobilizarem o nosso corpo para situações extremas, podem ajudar-nos a melhorar as nossas performances. Mas, se não conseguirmos lidar com eles, podem levar-nos ao resultado oposto. Por isso, é tão importante incluí-los no nosso trabalho. Na ginástica, mais próximo das provas, simulávamos a sensação de stress criando desafios. Por exemplo: cinco vezes sem cair e, se cair, começa de novo a contagem. A primeira vez era tranquila. A segunda também. A terceira já com um pouco de nervoso. A quarta já com stress e a quinta já bem próximo do que se sente no dia da prova "tenho que acertar!" Outra estratégia é gravar-se. É impressionante como o simples gesto de apertar o REC altera todo o nosso estado mental e físico. Falhas totalmente inesperadas acontecem!

É preciso ter ferramentas para lidar com o stress, criar formas internas de responder a ele mantendo-se no controle de si mesmo. Primeiro, em momentos de tranquilidade, criamos o condicionamento. Por exemplo, respirar algumas vezes de forma absolutamente consciente antes da apresentação, com foco em exalação lenta. Visualizar o exercício físico, no caso da ginástica, ou ouvir internamente o início da melodia no piano. Depois, essas mesmas ferramentas devem ser trabalhadas naquelas "simulações" de stress - X vezes sem errar, gravar-se, etc.
E estas estratégias devem ser levadas para a vida. Frequentemente somos enredados em situações de stress: trânsito, correria, problemas no trabalho, discussões familiares. No momento em que estamos em conflito, é impossível tentar implementar uma ferramenta. Escolha momentos serenos para começar a criar condicionamentos que o levem a um estado pacificado. Se, nesse momento, perceber que aquela ferramenta não serviu, tudo bem: redirecione o seu esforço para outra. Experimente, investigue, perceba quais funcionam melhor. Tentativa e erro. Treino. Tudo na vida melhora com a prática. Até a nossa resposta ao stress.

Eu e do que somos feitos

 Na escola, eu tinha alguns colegas que, desde muito novos, sabiam exatamente o que queriam ser: advogados, biólogos, arquitetos. Eu nunca soube muito bem...(Achei, até certo ponto da vida, que seria sempre algo relacionado com ginástica.) Mas sabia o que não queria: médica, por exemplo. Nunca senti a menor vontade ou vocação para seguir alguma coisa relacionada com medicina, ou mesmo com qualquer área de ciências. Sempre fui boa aluna e, em teoria, poderia ter seguido qualquer coisa - excepto Belas Artes (o meu talento para desenhar é praticamente nulo) - mas, na prática, sempre percebi que não, não podemos ser qualquer coisa. E isso sempre me intrigou. Cada um de nós nasce com habilidades e sonhos específicos. Eu jamais tive o sonho de ser médica. Nunca sonhei ir ao espaço, nem descobrir a cura de uma doença. Nunca sonhei ser Presidente ou projectar um edifício. Eu sonhava ir aos Jogos Olímpicos. Fazer música num palco. Escrever um livro. Como dizia o poeta "o sonho comanda a vida", e continuo a alimentar sonhos, antigos e novos, do que reverbera cá dentro, em quem sou, quem já nasci a ser e que vou descobrindo pelo caminho. Percebo que a questão não é que não podemos ser tudo o que quisermos, mas que não queremos ser tudo o que pudermos. Todos somos únicos, cada um com as suas singularidades impressas no corpo e na alma, vindas não se sabe de quando ou onde, mas que nos atravessam Aqui. "Dentro de cada um de nós há um talento à espera de ser revelado. O truque é descobri-lo." (Billy Elliot) A nossa busca deve ser mais de atravessar as camadas do que nos foi sendo acrescentado (por pais, sociedade, cultura, amigos, experiências) e tocar aquele centro que nos anima cá dentro. Talvez a nossa verdadeira questão, a mais essencial de todas, não seja quem quero ser, mas quem sou eu?

As above so below

Atualmente, há evidências científicas de que, no centro de cada galáxia, existe um buraco negro massivo, ao redor do qual os sistemas solares gravitam. Por sua vez, em cada sistema solar há uma estrela ao redor da qual os planetas gravitam.

Todos e tudo é feito de átomos. Cada átomo tem um núcleo ao redor do qual gravitam partículas de energia. Da menor partícula à maior estrutura, tudo se espelha. Vivemos num universo holográfico. "As above so below". (Ou, se preferirem, "Assim na Terra como no Céu.")
E o que isso tem de mais incrível? Se os planetas, estrelas, galáxias, buracos negros estão todos interligados e a desenhar os seus trajetos de forma harmónica e perfeita, nós, aqui, como pequenas estrelas e planetas dentro deste universo particular que é o planeta Terra, também seguimos a mesma lógica. Estamos todos interligados, relacionados, e a desempenhar o nosso papel nesta enorme trama. Nada é por acaso. No seu dia-a-dia, preocupa-se com o magnetismo da Terra, que a lua saia de órbita ou que o Sol fique demasiado perto? Nós sabemos que tudo está no lugar certo, confiamos que tudo segue o seu caminho. Então, aprenda a confiar que também cada um de nós está no lugar certo, na hora certa, a fazer a coisa certa. Há razões que desconhecemos...Faça a sua parte, o melhor que puder fazer (e ser) a cada momento, e confie. Nada é por acaso. (Nem mesmo o facto de ter lido isto aqui agora.)

Eu e a Barbie

Eu tive uma Barbie. Uma Barbie, um Ken e uma Skipper. Os meus pais e o meu avô construíram, em madeira, uma verdadeira mansão para eles, quase da minha altura, com vários cómodos mobiliados e ofereceram-me como presente de Natal. Eu era apaixonada por ginástica, por isso as minhas Barbie e Skipper eram ginastas e um dos cómodos da casa era um ginásio. Muitas vezes, eram essas as brincadeiras: treinos e competições de ginástica, porque isso era o que eu mais gostava no mundo. Passados alguns anos, deixei de brincar com elas - preferia eu mesma fazer ginástica e criar os meus campeonatos imaginários - , e acabamos por doar tudo a um orfanato.

Quando, há meses atrás, estreou o filme da Barbie, não senti especial nostalgia, nem sequer grande curiosidade de ver o filme. Honestamente, não percebi a onda de entusiasmo que se criou à volta do filme. Algumas alunas minhas que o foram ver ao cinema, vinham desanimadas "não percebi nada do filme, Joana. Não gostei..." De facto, o filme, apesar da estética cor-de-rosa, bonitinha, algo infantil, não é para crianças. E é, sim, maravilhoso. Foi uma grata surpresa para mim. Comecei a vê-lo sem qualquer expectativa, nem sabia bem qual era a temática, e foi captando a minha atenção a cada cena, a cada frase, a cada boa alusão a outros filmes (como Matrix ou 2001 Odisseia no espaço). O filme diverte mas é, acima de tudo, um convite à reflexão, não apenas a respeito da sociedade em que vivemos, do que é ser mulher mas, principalmente, do que significa ser humano. "Quem somos se esquecermos tudo aquilo que achávamos que nos definia?" Com frases inspiradoras e provocativas, e uma mensagem muito bonita, é um filme que vale a pena ver, como excelentes interpretações. (Na minha opinião, só peca por um excesso de cantoria...Algumas partes musicais, tornam-se cansativas.)

Eu e a ancestralidade

Um assunto que acho fascinante é a ancestralidade que vive em nós. Não a ancestralidade das histórias da nossa família ou cultura que guardamos na memória, mas aquela que está enraizada bem mais fundo: no nosso corpo.

Há formas de reagir que são comuns a todos nós, e que têm a sua raíz lá nos nossos ancestrais caçadores-colectores. Imagine que vivia lá na floresta, e tinha que sair à procura de comida. Andava lentamente pela floresta, atento a todos os sons. Afinal, a qualquer momento, poderia deparar-se com um predador. Por isso, é natural que, a cada farfalhar de folhas, disparasse um alarme de perigo. Fomos programados para antecipar coisas negativas. Ao andar pela floresta, e ao ouvir barulhos, os nossos ancestrais não poderiam dar-se ao luxo de pensar "não é nada, está tudo bem", porque isso poderia significar a sua morte. A primeira reação era "predador". Da mesma forma, ao deparar-se com um predador, desencadeava-se todo um processo de liberação de química que nos permitia direcionar toda a energia do corpo para lutar ou fugir: a energia era retirada de funções como a imunitária - inútil defender-se de um vírus se dali a poucos segundos poderia ser comido por um animal - para se focar em, por exemplo, nutrir os músculos para correr mais rápido e exercer mais força nos golpes. É o nosso tão e cada vez mais conhecido estado de stress. Quando se sente ameaçado, o corpo passa a atuar nesse estado para garantir a sua própria sobrevivência. Passado o perigo, o corpo liberava nova química que o devolvia à homeostase. (Como, atualmente, os perigos e ameaças estão, na maioria das vezes, na nossa cabeça, o corpo não entende quando a ameaça passou, e fica a operar nesse modo SOS indevida e prejudicialmente.) Como sobreviviam os que mais tinham estas capacidades, elas foram sendo passadas adiante às gerações seguintes.
Também instintos que temos, como proteger a região do umbigo quando nos assustamos ou achamos que vamos sofrer um embate...Porque essa é uma região extremamente letal do nosso corpo - não por acaso, era nesse ponto que os samurais, para salvar a sua honra, se esfaqueavam para cometer suicídio. O nosso corpo guarda memórias e sabedoria inata para as quais nem sempre temos abertura para ouvir e entender. Mas, dar passos nessa direção, pode ser profundamente libertador. Não só para nós, mas para todos aqueles para os quais, um dia, seremos os ancestrais. O que queremos passar adiante?

Eu e as luzes e sombras


Um dia destes, estava à espera que uma aluna me abrisse a porta, e dei por mim a contemplar um pequeno canteiro que está perto da entrada da casa dela. Primeiro porque me chamou a atenção as pequenas flores amarelas que pincelavam o relvado. Depois, reparei que parte do relvado estava sob um sol intenso e luminoso, enquanto outra parte usufruía da sombra de um pequeno arbusto. O mesmo relvado e as mesmas flores, sob uma luz diferente. Para a esquerda, escuro, mais melancólico. Para a direita, pura luz e alegria.
E refleti como todos somos assim: feitos de luz e sombra. Ninguém é só luz. Ninguém é só sombra. É preciso olhar para dentro e acolher todas as partes de nós mesmos. Celebrar a nossa luz, e perceber como ela pode brilhar mais e, até, como ela pode ajudar a luz de outros a brilhar também. Não se envaidecer, e não se acomodar. Perceber o que a alimenta, e esforçar-se sempre para a nutrir. Perceber onde estão as nossas sombras, que arbustos estão a criá-las, e se podemos remover alguns. Não ter medo, vergonha ou sentir culpa pelas nossas sombras. Todos, todos as temos. Nem Jesus foi só luz. Ele também sentiu medo. Também hesitou. Também se desiludiu. Também se sentiu tentado, esgotado. O problema não são as sombras, mas o que escolhemos fazer com elas e o que permitimos que elas façam connosco. 

Eu e Jagged Little Pill

 Esta semana vi no HBO o documentário sobre o álbum "Jagged Little Pill" de Alanis Morissette. Para mim que, sem a menor hesitação, o elejo como um dos melhores álbuns de todos os tempos, adorei mergulhar nos bastidores do álbum e da sua tourné mundial. Vemos uma Alanis madura, sorridente e bem humorada, a contar a história de uma Alanis jovem, com um qué de rebeldia, que inspirou gerações de mulheres com a sua autenticidade.

Lembro-me de "Jagged Little Pill" ter ganho alguns Grammys quando mal sabíamos quem era Alanis Morissette. Creio que só após essa entrega de prémios eu comprei o CD. Em plena adolescência, fui-me apaixonando por uma música atrás da outra. Até hoje, continuo a adorar ouvi-las. Algumas são verdadeiros hinos para mim. Músicas bem escritas, poderosas, cheias de energia e com letras que nos trespassam. Logo a primeira do CD, é impossível dizer quantas vezes a ouvi! E, com o passar dos anos, ouço-a de formas diferentes. Versos diferentes reverberam cá dentro. E aquele silêncio mais para o final da música, sempre me atravessou! Assim como Ironic, You learn, Perfect, Hand in my pocket. Quantas vezes, na Faculdade de Direito, eu rabisquei nas bordas das folhas do caderno "I'm lost but I''m hopeful" ou "I'm tired but I'm working"? E como sinto na pele, a cada dia que passa desde que fui mãe "I have no concept of time other than it is flying"? E, sim, estamos sempre a aprender: You live, you learn, You love, you learn, You cry, you learn
You lose, you learn, You bleed, you learn, You scream, you learn. Mas "life has a funny way of helping you out" e "everything's gonna be fine, fine, fine".
Continua a ser uma verdadeira terapia para mim cantá-las a plenos pulmões - ou, tecnicamente, a pleno diafragma.
E o que dizer da versão acústica que Alanis fez anos mais tarde? Maravilhosa.
Para quem curtiu "Jagged Little Pill" nos anos 90, recomendo vivamente este documentário. É uma visita ao passado, à luz do presente. "You oughta know"...

Eu e o equilíbrio

Hoje fomos andar de bicicleta no parque. Num pequeno trecho, estavam a podar árvores e todos - bicicletas nos dois sentidos e pedestres - tínhamos de passar por um espaço bem mais estreito, o que nos obrigava a andar na bicicleta a uma velocidade muito reduzida, quase parados. Imediatamente, o equilíbrio começava a falhar. A única forma de continuarmos a pedalar sem colocar os pés no chão era ir equilibrando a bicicleta em leves curvas de um lado para o outro. Lembrei-me da frase atribuída a Einstein "Viver é como andar de bicicleta. É preciso estar em constante movimento para manter o equilíbrio." E hoje percebi que não é preciso um movimento linear e em alta velocidade: pequenos ajustes, um pouco aqui, um pouco ali, já são suficientes para nos manter equilibrados. O que é essencial é aguçar a nossa percepção, as nossas sensações: para onde a bicicleta está a pender e que pequeno gesto é necessário para a manter em movimento? Às vezes, pequenas mudanças de trajetória podem ser muito significativas no caminho que se quer percorrer. Nem todo o caminho é percorrido em linha reta e alta velocidade. Os passos lentos e pequenos também nos mantém no caminho. Valorize-os. Celebre-os. (Aqueles 10 minutos de exercício, aqueles 10 minutos de leitura, aquele dia sem comer doces, o primeiro parágrafo do trabalho, a primeira semana do curso, aquele dia sem reclamar, aquele primeiro dia sem fumar...) E, acima de tudo, repita-os. É a constância e não a velocidade que nos leva mais longe.

Eu e o Théo

Guimarães Rosa tem toda a razão: "Felicidade se acha é em horinhas de descuido." Aqui em casa, é assim mesmo: sento-me, o Théo aproxima-se, dá, pelo menos, meia volta sobre si mesmo, e deita-se, encostado a mim. Quando lhe apetece, deita a cabeça na minha perna.

Todos os dias tenho este privilégio: receber e retribuir o carinho do Théo. Li, há um tempo atrás, que os cientistas descobriram que os animais de estimação ajudam a regular o nosso sistema nervoso, e eu comprovo isso todos os dias: quando o Théo deita a cabeça dele no meu colo, eu sinto-me repousar, serenar. Como se nada mais se fizesse necessário naquele instante. Embora isso aconteça todos os dias, em todas as vezes, sinto-me grata por esses momentos de carinho, silenciosos, singelos, inestimáveis.
Há cinco anos, nascia este peludinho, amado por toda a família. Temperamental, medroso, refilão, mas que transborda amor: uma verdadeira dádiva nas nossas vidas.

Eu e a louça suja

Ontem estava a lavar a louça, e uma das frigideiras tinha resquícios de frango grelhado. Detergente na bucha: esfrega a panela. O detergente começou a transformar-se em espuma. Quanto mais esfregava, mais espuma surgia e, quanto mais espuma, menos eu percebia se a sujeira ainda estava na panela. Só quando passava a frigideira por água e olhava para ela, sem a espuma, conseguia vislumbrar onde, de facto, ainda era preciso limpar. Quando parecia estar limpa, passei, cuidadosamente, os dedos, e senti que ainda havia ali pequenos pedacinhos de sujidade, imperceptíveis à vista. Esfrega mais um pouco, passa pela água, observa novamente.

E assim é na vida: é preciso olhar para os nossos defeitos, dificuldades, desafios, tal e qual como eles são, sem espuma, sem máscaras, sem disfarces. Não adianta fingir que não existem, ou tentar disfarçá-los com todo o tipo de artifício. Por trás de tudo o que parece "livrar-nos" (das partes) de nós mesmos (que não queremos encarar), os "pontos escuros" ainda vão estar lá. Só quando os encaramos, podemos realmente percebê-los, e só quando os percebemos podemos cuidar deles. E, tal como na frigideira, por vezes, não é na primeira tentativa que o conseguimos fazer. É preciso trabalhar neles, e parar para observar. Deixar a espuma sair, e ver o que fica. Às vezes não basta olhar, é preciso sentir. Contemplar, refletir, perceber o que ainda há para trabalhar. Perceber de onde vêm. Com clareza. Porque a clareza abre caminhos: "eu sou assim" ou "eu não sou assim" são limitantes, mas discernir que não "somos assim", mas "estamos assim", abre todas as possibilidades de transformação. Posso estar "assim", "senão", "apesar", "diverso". É preciso substituir "ser" por "estar" e investir onde queremos estar em seguida. E continuar. Continuar sempre. Melhorar. Melhorar sempre.
(Quanto às manchas que não saem mais, por mais que se esfregue, basta conhecê-las, aceitá-las como são e não deixar que nos definam ou limitem.)