domingo, 12 de abril de 2015

Nós e o concerto

Hoje foi um dia muito especial para mim. Há tempo demais que eu não ia assistir a um concerto de música clássica. Hoje fui. Com um programa muito agradável e com uma coisa única em relação a todos os outros concertos que vi na minha vida: o meu filho estava comigo. Ele foi, pela primeira vez, ouvir um concerto com uma orquestra. Mal entramos na sala, observou atentamente os violoncelos espalhados pelo palco e a harpa.
Os músicos começaram a entrar no palco, e eu senti uma emoção profunda. Como se um velho e querido amigo que eu não visse há anos estivesse a aparecer diante dos meus olhos. Não, não eram eles ali, aquelas pessoas, aqueles músicos maioritariamente russos. Era a Música que eu estava a reencontrar. Eles começaram a afinar os instrumentos. Expliquei ao pequeno o que estava a acontecer, ainda emocionada perante aquela massa sonora disforme e que me é tão familiar.
Para ele, não foi nada de fantástico. Gostou, foi uma coisa diferente, mas não amou. Ainda assim, portou-se muito bem. O programa era "A bela adormecida (Tschaikovsky) e Peer Gynt (Grieg). Antes do concerto, contei-lhe as histórias de ambos (no próprio concerto havia uma espécie de apresentador que contava as histórias e falava sobre os instrumentos de orquestra). Isso ajudou a que mantivesse a atenção, uma vez que ia perguntando "qual parte da história é agora?" e, com certeza, ficava a imaginá-la enquanto ouvia a música. Ainda me fartei de rir no final, quando começaram a bater muitas palmas e o apresentador disse "se fizerem muito barulho, eles tocam mais uma", e o pequenote olha para mim com um ar de desalento "mais uma?!!" Lembrei-me dos nossos tempos de escola, de audições do coro, quando tínhamos o mesmo sentimento de "já está bom: enough is enough." O momento alto para ele (e para mim) foi o da "Gruta do Rei da Montanha" de Peer Gynt. Ficou entusiasmado não só por ser a parte da história em que participavam os trolls, mas também pela própria música. A mim, corriam-me as lágrimas pelo rosto. Senti aquele arrepio que me percorre a espinha e se difunde energicamente por todo o corpo quando a música é boa. Quando li "comer, orar e amar", uma passagem em particular chamou a minha atenção:  a descrição que Elizabeth Gilbert tenta fazer de uma experiência que viveu durante um momento de meditação. Uma experiência que a fez sentir mais perto do seu ser, mais perto da divindade:

"...posso sentir uma energia suave, azul, elétrica pulsando pelo meu corpo, em ondas. (...) Sua vibração vem da base da minha coluna."

A Música leva-me para lugares parecidos com esse. Leva-me para...dentro, para mais perto de mim mesma. Foi por isso que, após muito tempo sem tocar para ninguém, quando toquei uma peça há anos atrás para um grupo de amigos, senti uma emoção tão forte e reconfortante como...regressar a casa e, quem como eu vive longe do país de origem, sabe a emoção que é. Aquele suspiro "ahhhhhhhh: era este chão que me faltava!" Foi exatamente isso: senti-me em casa, em paz, porque a música, já dizia o meu professor, leva-nos aos cantinhos mais especiais e longínquos de nós mesmos. Sempre. Passe o tempo que passar sem que lhe demos a devida atenção. A nossa música nunca ninguém nos pode tirar.


domingo, 5 de abril de 2015

Conversas paralelas

No ônibus, um senhor conversava com o cobrador:

"Cara, em São Paulo a gente vê de tudo...Essa semana eu vi uma coisa que....nem sei, eu ´tou sem dormir bem há 3 noites."

"Que aconteceu?", pergunta o cobrador.

"Olha, ´tava eu lá, esperando o metrô. Eu mais umas 5 ou 6 pessoas, todos sentados. A gente viu que o metrô vinha vindo, e se levantou, e nisto, um dos moços que ´tava ali sentado... se joga na frente do trem."

"Cara!..."

"Pois é, puxa a vida, meu, eu não ´tou nem conseguindo dormir direito depois daquela cena. O moço ´tava ali, sentado, e se joga."

"E depois, parou tudo?"

"É, o trem ficou ali, vieram uns funcionários limpar tudo, recolher os pedaços. Cara: horrível, uma cena horrível!"

"Com certeza se jogou cornudo!", arrisca o cobrador.

"Sei lá, mulher pode mexer com a cabeça de um homem. Mas sei lá....o que faz uma pessoa se jogar assim? Que cena horrível. Já tinha ouvido falar de vários casos, mas nunca tinha presenciado uma coisa assim."


Lembrei-me do filme "Sunset Limited". O filme é um diálogo entre duas personagens: um totalmente céptico e outro de uma fé inabalável. O segundo salvou o primeiro de se jogar na frente de um trem e leva-o para sua casa. Não pretende deixá-lo sair dali antes de ter a certeza que não vai tentar repetir a façanha. É um filme que nos leva à reflexão. Muito interessante. Tão interessante que os dois lados da moeda se nos apresentam como válidos. Nos dois encontramos verdade. Ou, pelo menos, nos dois encontramos possibilidade. Porque isso da Verdade, na verdade, é bem relativo. A verdade é que cada um tem a sua. Mesmo que algumas pessoas se guiem pela mesma Verdade, cada um a construiu e a vivencia à sua maneira. Não há duas pessoas iguais e, se há Verdade, ou verdades, bom...não sei. A esta hora o senhor do trem tem muito mais respostas do que qualquer um de nós aqui. A nós, restam-nos as perguntas, a dúvida, a busca. Isso, em si mesmo, já nos leva a algum lugar: dentro de nós mesmos. E como é vasto esse lugar!..Uma vida inteira, por vezes, é pouco para o conhecer. Mas...vale a pena tentar!





Para quem quiser ler um pouquinho mais do diálogo de Sunset Limited:

http://www.imdb.com/title/tt1510938/trivia?tab=qt&ref_=tt_trv_qu