segunda-feira, 22 de junho de 2020

Eu e as coisas que aprendemos com a Música

Quando estudamos um instrumento musical, além do prazer que, por si só, é fazer música, é sabido que, paralelamente, desenvolvemos várias habilidades. Há vários estudos científicos a respeito disso, do quanto o cérebro se desenvolve, de como a coordenação motora se aprimora, de como melhoramos a nossa capacidade de concentração, etc. Eu quero falar-vos de outras quantas que são apenas fruto da minha experiência pessoal. (E quem não é músico, mas é ou foi desportista de competição, encaixa-se igualmente na maioria dos itens.)

1- Paciência, perseverança e disciplina
    Quando alguém (que nunca estudou música) ouve uma música interpretada de forma sublime, provavelmente não imagina as dezenas, centenas de horas de trabalho que estão ali. As centenas, milhares de vezes que algumas passagens foram exaustivamente repetidas. Algumas passagens demoram semanas, meses, até se parecer com o que procuramos, até os dedos nos obedecerem. Algumas são tão difíceis que demora até acertarmos uma vez que seja. Depois demora a acertar a segunda. Aos poucos, vamos reduzindo a margem de erro. "Isto é impossível!" é um pensamento que nos ocorre algumas vezes. Mas não há impossíveis. As coisas só são impossíveis enquanto não tentámos o suficiente. Às vezes fazemos o nosso trabalho por dias, semanas, sem parecer que nada está a acontecer, que não há a menor evolução. E, um dia, acordamos, sentamo-nos ao piano, e tudo começa a fluir. Como se a semente do trabalho dos dias ou semanas antes começasse, naquele momento, a dar frutos. A música (e o desporto) ensinam-nos que temos que confiar no processo: fazer o trabalho, dar o nosso melhor, que o resultado aparece. Mesmo quando parece impossível, o difícil torna-se fácil (ou, pelo menos, acessível) se tentarmos o suficiente (com método, claro). Esse é outro ponto crucial: nada acontece sem disciplina. É preciso trabalhar com regularidade, empenho e dedicação. Mesmo quando não apetece Ou, aliás, principalmente quando não apetece. É nesses dias que ganhamos pontos na força de vontade. O meu professor costumava dizer que a Música não tem culpa se estamos ou não com ânimo, com problemas pessoais ou não. Que temos que nos fazer presentes, inteiros, deixar o resto de lado e entregarmos o trabalho - e mesmo nas coisas que não apetece tanto, como escalas, arpejos, exercícios técnicos, o nosso empenho e alegria de descobrir devem ser os mesmos.  Foi com o meu filho que melhor entendi esta lição...Uma criança não tem culpa se não estamos no nosso melhor dia: ela precisa de nós, inteiros, dedicados. Sempre. 

2 - Tudo começa na nossa mente
      Uma das coisas mais importantes para se conseguir uma boa interpretação (ou uma boa execução desportiva) é planear e optimizar cada gesto. Antes de se materializar, o gesto já está delineado, já existe na nossa mente. Cada gesto, por sua vez, serve um objetivo que o impulsiona. No caso da música: o gesto serve o som. O som, por sua vez, antes de se fazer ouvir, já existe, igualmente, em potencial, na nossa mente. Se fecharmos os olhos, conseguimos "ouvir" claramente o que queremos ouvir (de facto). É essa ideia que temos, que nos faz procurar o som e, é ao procurá-lo, que encontramos o gesto que melhor lhe serve. Se não temos essa projeção sonora idealizada na nossa mente (e o gesto que lhe corresponde), seremos sempre surpreendidos pelo som que produzirmos. Por outro lado, quando antecipamos cada som (na nossa mente), é como trazer para a esfera da realidade o som que já estava a pairar, em algum lugar, à espera de ganhar vida. De alguma forma, como se esse som já existisse, e nós apenas o tornamos...audível. Tudo começa com uma ideia. E, se pararmos para pensar, é assim em tudo na vida. Como alguém disse "As coisas são sempre criadas duas vezes: primeiro na mente, e depois na realidade física." Ou, como disse Einstein " A imaginação é mais importante que o conhecimento."

3 - Estar no momento presente
     Creio que, para além da meditação, as atividades que mais nos trazem para o momento presente são a música e o desporto. Imagine-se alguém enfrentar uma onda gigante da Nazaré e não estar focado no momento? Alguém estar em cima da trave para fazer um mortal e ter o pensamento no jantar? Alguém estar no palco a interpretar uma sonata de Beethoven com o pensamento nas contas que tem para pagar no dia seguinte? Estas atividades exigem foco total e, consequentemente, deixam-nos totalmente enraizados no Presente. Em qual momento do nosso dia-a-dia podemos dizer o mesmo? Momentos em que os pensamentos não vagueiam, em que o magnetismo do passado e do futuro não exercem influência sobre nós? Essa é a razão pela qual nos sentimos tão completos nesses momentos. Porque apenas Somos. Estamos ali, autênticos, despojados de quem fomos, de quem achamos que somos ou que deveríamos ser, do que temos ou não temos ou achamos que deveríamos ter. Fica apenas o nosso Ser, mais genuinamente autêntico e inequivocamente real. É por isso que tantos desportistas ou músicos sentem que ali, naqueles momentos, é onde se sentem mais felizes, é onde se sentem mais eles mesmos. E é. Isto porque estar focado ali, naquele instante, leva-os à sua verdadeira essência, liberta de quaisquer rótulos ou condicionalismos. Puro Ser. Indizível e indescritível. É por isso que muitos se sentem completamente perdidos quando deixam de fazer essas atividades: não encontraram outra forma de ter acesso a essa essência.
(P.S.Observem uma criança pequena a brincar, a descobrir o mundo: é uma das maiores aulas de como viver no Presente que podemos ter.)

4 - Há mais (para) além dos nossos sentidos
     A experiência de nos entregarmos totalmente a uma atividade, com a mente consciente no presente, não raras vezes, leva-nos a momentos de flow ou até de estados de consciência elevados. Todos nós, em algum momento da nossa vida, já vivenciamos isso. Momentos em que o tempo pára. Em que tudo parece deixar de existir. Sem tempo, sem espaço. É nesses momentos de flow que estamos totalmente alinhados com o nosso Ser e o que quer que estejamos a realizar, fazemo-lo no mais alto nível das nossas capacidades. (Se preferirem, chamem-lhe inspiração.) Esses momentos podem levar-nos a lugares que estão muito para além dos nossos sentidos. Quase podemos tocar o Divino... E essa é uma enorme motivação para continuar à procura - e não será essa a própria essência da Arte e de altas performances: encontrar o Divino em nós, ir além da nossa existência corpórea, das nossas (pretensas) limitações?


5 - Respirar fundo e voltar a tentar
     Muitas vezes deparamo-nos com um desafio no estudo. Tentamos uma, outra, outra e outra vez. A sucessão de erros e falhas começa a deixar-nos enervados. Quanto mais nos enervamos, menos acertamos. Ao longo dos anos, aprendi que, muitas vezes, a melhor forma de resolver um problema é afastarmo-nos um pouco, respirar fundo, tirar a mente do problema. Não raras vezes, percebi que, se parasse de estudar uma peça por um dia, no outro dia, subitamente, tudo parecia... menos complexo. Quando tiramos o nosso foco do problema, muitas vezes, aparece a solução. Como disse Einstein: "não podemos resolver os nossos problemas com a mesma mentalidade de quando os criamos". Em quantas situações na vida podemos aplicar este princípio...


6 - Só podemos corrigir aquilo que sabemos que está errado
     Muitas vezes acontece chamarmos a atenção do aluno (ou saltar à nossa atenção quando ouvimos uma gravação de algo que estamos a estudar) para determinado detalhe: uma nota que está mais forte do que devia, uma nota que está a deixar um buraco sonoro, uma imprecisão no ritmo ou mesmo um desequilíbrio sonoro entre as duas mãos. E eis que, a partir do momento em que a nossa atenção foi para aquele detalhe, ele salta-nos à vista como quando descobrimos os 7 erros numa charada: do nada, fica escancarado nos nossos ouvidos. Como nunca tínhamos percebido? E agora que já percebemos, parece-nos quase grosseiro e nem sempre é óbvia e imediata a forma de o resolver. Muitas vezes ouvimos do aluno: "É verdade!.. Agora percebi! Mas...não consigo fazer diferente." Nesse momento, respondo sempre "Que bom que já percebeste onde está o erro. É o primeiro passo para poder corrigi-lo. Enquanto achamos que está tudo bem, não há o que modificar e, consequentemente, não podemos melhorar." Então, procuramos as estratégias para solucionar o problema e uma parte essencial do nosso trabalho é, exatamente, perceber porque é que estamos a errar alguma passagem. Repetir vezes sem conta alguma coisa, quase como um autómato, nem sempre é a melhor estratégia. É preciso entender o que está a mais ou a menos. Podemos modificar alguma coisa no nosso gesto para melhorar o resultado sonoro? Mudar uma dedilhação? É a mão esquerda que está a atrapalhar, ou a direita? É uma questão de ritmo? Só quando percebemos isso, a verdadeira raíz do problema, é que realmente conhecemos o nosso erro e podemos corrigi-lo. Da mesma forma, só podemos mudar alguma coisa em nós a partir do momento em que admitimos e aceitamos que não é como gostaríamos que fosse e é bem mais fácil modificar algum comportamento, hábito ou forma de reagir quando percebermos de onde ele vem, qual a sua raíz.


7 - É possível mudar um hábito
  Todos conhecemos a velha máxima de "burro velho não aprende línguas". Aplicamos esta máxima não apenas a aprender qualquer nova habilidade mas também a todo o tipo de hábitos. Quantas vezes já ouvimos - ou nós mesmos já dissemos - "ah, eu sempre fui assim, não é agora que vou mudar." Por que não? Por que não agora? Não é fácil. Normalmente é até extremamente exigente. Mas é perfeitamente possível. Quando começamos a estudar uma peça, uma das primeiras coisas que definimos é a dedilhação. Nesse processo de escolher com qual dedo vamos tocar qual nota, vamos por tentativa e erro para perceber qual dedilhação melhor serve o que queremos fazer. Por vezes, em passagens difíceis, escolhemos uma dedilhação mas, a determinada altura do estudo, se os progressos tardam em aparecer ou se não estamos a atingir o nosso objetivo sonoro, optamos por mudar a dedilhação. Se, nesse momento, já tínhamos automatizado a dedilhação, ou seja, se os dedos já vão tocando "sozinhos", sem termos de racionalizar muito, a mudança é difícil. Em crianças, por exemplo, é uma tormenta tentar mudar uma dedilhação. Ouvimos logo "professora, já me habituei a fazer assim. Agora já não dá para mudar." (E, lamentavelmente, já lá está plantada a semente de "burro velho não aprende línguas".) Pois eu vos digo que não só dá, como muitas vezes, é a melhor coisa que podemos fazer. Quando nos decidimos por mudar uma dedilhação, passamos por um processo que exige a nossa total atenção. A mão quer fazer os movimentos A, B, C, mas a nossa cabeça, depois de ponderar as opções, escolheu o C, A, B. Cada vez que chegamos ali, a mão quer começar no A. A nossa cabeça assume o controle da situação e diz "Não, não é por aí." E coloca a mão no novo caminho escolhido. Podem ser poucas vezes ou dezenas de vezes. Pode resolver-se em um dia ou em vários. Depende muito. A única certeza é que a mudança de hábito acontece e a nova dedilhação torna-se tão automática e natural quanto a anterior. Mantendo a atenção e tomando o controle a cada vez que, automaticamente, caímos no mesmo hábito e substituindo-o, no mesmo momento, pelo que corresponde à nossa opção, será que este princípio não pode ser aplicado a qualquer coisa na vida, desde hábitos a traços de personalidade? Acredito que sim. Podemos escolher como reagir, como ser, como estar.

8- Resiliência
    Esta é uma palavra que nos últimos anos está em voga. Se procurarmos o significado literal, encontramos "propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica" Podemos dizer que resiliência é a nossa capacidade de "voltar ao jogo", a nossa capacidade de recuperação dos revezes. E como há revezes nesta atividade! Trabalhamos por meses para um único momento. As nossas horas de trabalho culminam em poucos minutos de música. Temos uma hipótese, uma só, para mostrar o que preparamos. Às vezes, esse momento é uma decepção enorme. Nada do que trabalhamos acontece. A memória trai-nos, os dedos embolam, a atenção dispersa, os nervos tomam conta. E, então, aprendemos a aceitar as coisas como elas são e a aproveitar esses momentos como enormes oportunidades para crescer e aprender. Por que as coisas correram como correram? O que podemos fazer de diferente para que, numa próxima oportunidade, a nossa performance seja melhor? Como ter a maturidade para aceitar que não estamos sempre no nosso melhor e isso não nos torna piores? Como não deixar que o ego nos enterre num poço escuro do qual sairemos com enorme dificuldade e dificilmente sem marcas? Como olhar as coisas pelo prisma do que podemos tirar de positivo, do que ganhamos e não do que perdemos?

9- Erros e acertos
     Em uma masterclass, ouvi um professor dizer: "os erros têm o valor que nós lhes damos: passa pelo erro como se nada fosse, e o público mal dará por ele; passa pelo erro a parar, corrigir, repisar, e o público sentirá o (enorme) peso que atribuímos a esse erro." É preciso desenvolver a maturidade necessária para lidar com o erro no momento da apresentação de forma a que nos mantenhamos centrados e não prejudiquemos a música. Da mesma forma, é preciso saber lidar com os acertos. Costumo dizer isso aos meus alunos: no momento da apresentação, não podemos deixar-nos levar pelas emoções de um erro ou de um acerto (numa passagem difícil e à qual precisamos dedicar mais tempo e trabalho). A música não pára, e ficar a pensar e lamentar um erro, é arriscar um outro erro em seguida; comemorar um acerto também tira o nosso foco e, não raras vezes, vem um erro tolo na sequência. Esta é uma lição que todos os grandes mestres nos transmitiram ao longo dos tempos: equanimidade da mente, ou seja, a capacidade de manter a tranquilidade, serenidade seja em que situação da vida for (boa ou má - ou melhor ainda, aceitar tudo apenas como "é", sem rotular de "bom" ou "mau"). Não sei por vocês, mas a mim parece-me um excelente objetivo de vida.

10 - O poder das crenças
     Há um fenómeno que acontece, por vezes, quando estudamos música. Por alguma distração ou precipitação, às vezes, lemos mal uma nota e introduzimo-la na nossa interpretação como se fosse a nota certa. O nosso ouvido vai-se habituando àquela sequência de sons. Para nós, aquela torna-se a sequência certa. Soa bem aos nossos ouvidos. Nem nos passaria pela cabeça que aquela não é a nota certa. Não questionamos. Aceitamos e acolhemos aquela nota como qualquer outra. De tal forma que, quando damos pelo erro e substituímos a nossa "nota certa" pela nota certa de facto, soa-nos...mal. A verdadeira nota certa não faz parte da sequência que interiorizámos. Ela soa-nos...errada. Quantas coisas na nossa vida aceitamos como certas sem nem questionar, porque sempre foi assim, ou "parece-nos" bem ou nos fizeram crer que é assim? Quem nos garante que a nossa crença é "certa" ou  mesmo "real"? Ainda assim, quanto das nossas crenças determina as nossas opções de vida? E, mais ainda, quanto das nossas crenças define o que consideramos ser o nosso limite? Ninguém conhece o seu próprio limite - quando achamos que atingimos um, logo outro surge no lugar. O que consideramos ser o nosso limite é aquilo que, inconsciente e erroneamente, nós próprios criamos. Na verdade, essa barreira estabelecida por nós ("isso não é para mim", "eu não consigo fazer isso", etc) não é real e só se torna real na medida em que acreditamos nela. A história de Roger Bannister é ilustrativa disso. Foi o primeiro homem a correr uma milha abaixo de 4 minutos, o que era considerado impossível para um ser humano e até perigoso para a saúde. No mês seguinte ao feito de Bannister, o record dele foi batido por outro atleta e, no ano seguinte, 15 outros corredores conseguiram quebrar essa barreira que se considerava, até Bannister, intransponível. Ao quebrar essa barreira mental coletiva, Bannister abriu as portas para que outros atletas, agora crentes de que era um objetivo possível, o atingissem também. Temos de analisar bem as nossas crenças e ver quais delas nos servem de âncoras. A partir do momento em que nos libertamos delas, nem o céu é o limite.

11 - O coração mostra o caminho
     Quando estudamos no Conservatório ou na Faculdade, temos um programa (de músicas) a cumprir. Nesse programa, nem tudo são peças que, imediatamente, são da nossa preferência. Algumas são, na verdade, o contrário: músicas com as quais não nos identificamos minimamente ou músicas que achamos realmente desinteressantes ou até mesmo feias. Ninguém consegue tocar uma música da qual não goste com um bom desempenho. Enquanto resistimos a gostar da música, não temos prazer a estudá-la, nem tão pouco conseguimos uma interpretação verdadeira, que convença o público. Para interpretar bem uma música, a nossa emoção, o nosso coração tem que estar lá. Aconteceu-me com uma peça contemporânea. Quando comecei a estudá-la parecia-me um puzzle. Não lhe encontrava sentido. Não lhe encontrava beleza. O meu professor orientou-me "procura algum elemento - harmonia, ritmo, melodia - da música com o qual te identifiques, qualquer um, e começa a colar a tua emoção ali". Comecei a abordar a música com curiosidade, a querer explorar alguma coisa mais ali. Já não me guiava pela resistência que tinha à música, mas por uma vontade de encontrar um elemento que me cativasse. Comecei a perceber a riqueza rítmica e a divertir-me com ela. Algumas passagens começaram a ter significado para mim. Depois comecei a entender a beleza e emotividade das frases. No final, foi um enorme desafio que me deu imenso prazer e que gostei imenso de tocar e de tentar mostrar ao público a sua beleza. Anos mais tarde, como já escrevi aqui, foi esse mesmo processo que me levou a perceber a beleza de São Paulo. A verdade é que a beleza está aí, por todo o lado, disfarçada de muitas e variadas formas: basta que saibamos como olhar para ela, e só de coração aberto isso pode acontecer. Como disse Carl Jung: aquilo a que resistimos, persiste.

12 - Fé
       O meu professor na Faculdade, quando estávamos a tocar as passagens mais difíceis e que mais receávamos, gritava entusiástico "Fé! Fé!" É preciso entrega para que as coisas aconteçam. Há um ditado árabe que diz "atira o teu coração para a frente e corre, logo em seguida, para o apanhares". Sem fé, ninguém  atira o coração ou, se atira, não o consegue agarrar de volta. Se nos encolhemos com medo, não somos bem sucedidos - como já escrevi neste post O público percebe o nosso constrangimento - e, tratando-se de um desporto, ceder ao medo é perigoso para a nossa integridade física. Temos de acreditar que estamos à altura do desafio, deixar as dúvidas de lado, e colocar-nos, inteiros, no que estamos a fazer. Nas palavras de Ricardo Reis:

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

13 - Somos parte de um todo
       Uma das experiências mais enriquecedoras e especiais que podemos ter na música é fazer música de conjunto. Se estamos em cima de um palco, como parte de um coro, a cantar com uma orquestra sinfónica, a experiência é ainda mais plena. Somos vários indivíduos mas, na verdade, somos uma única entidade. Vários elementos que formam uma única estrutura - como cada célula do nosso corpo forma um ser. O público não ouve cada um de nós em particular: ouve todos como um só. Mais do que isso: o público, cada um dos elementos ali sentados, sente-se parte de uma coisa só, uns com os outros que estão a vivenciar a mesma experiência enquanto ouvintes e também com todos no palco. A música une. Todos nós já sentimos a enorme e incrível energia que se sente ao estar numa sala de concertos (seja de que género de música for). É real. Para mim, é isso que somos enquanto humanidade: vários elementos que formam uma entidade bem maior do que temos noção. Há muito mais que nos une do que nos separa. Somos todos um.