quinta-feira, 29 de junho de 2023

132-365

 


A febre do anime já vem de longa data. Quando eu era adolescente, os meus colegas eram completamente alucinados por Dragon Ball Z! Queriam ir a correr para casa depois da escola para não perder pitada dos episódios! O meu irmão também! E chamava-me para ver com ele. Depois de ele ter visto mais de dez vezes comigo "a Bela e a Fera" eu, claro, acompanhava-o, de bom grado, nos animes - Dragon Ball, Pokemon, Tsubasa.
Décadas depois, comecei a ver com o Mateus. Hoje em dia, há plataformas exclusivas para assistir todo o tipo de anime. Então, já acompanhamos vários, mas dois deles chamaram a minha atenção, pela sincronicidade dos assuntos que me interessavam também: Naruto e Demon Slayer. O Mateus começou a ver Naruto mais ou menos na mesma época em que eu comecei a aprofundar-me um pouco no yoga. Acredito que foi, precisamente, quando li "Autobiografia de um iogue" pela primeira vez. E reparei que, muitas coisas que Naruto fala de "chakras" e de "poderes" que se podem obter pela manipulação e equilíbrio dos chakras, estavam descritos no livro como "poderes" que iogues avançados desenvolveram de facto! E depois veio Demon Slayer, o meu preferido. Tanjiro, o personagem principal, é admirável. Nobre. Puro. Inspirador. A relação dele com a irmã, a adorável Nezuko, é enternecedora. Só por estes fatores, já valeria a pena, mas aquilo que mais me fascinou é que este anime é baseado, em grande parte, no enorme poder da respiração. Cada personagem é, digamos, especialista em um tipo de respiração que lhe confere poderes e ataques especiais durante os confrontos. E respiração é um assunto que me fascina! Desde há milénios, as técnicas de respiração são trabalhadas pelo yoga, por exemplo. Atualmente, há inúmeras "escolas" e correntes de breathwork - uma das mais famosas é o Método Wim Hof. Diferentes tipos de respiração, levam-nos a diferentes resultados. E, assim como algumas respirações do Demon Slayer estão associadas a elementos como fogo, água ou vento, também há técnicas de respiração que ativam o nosso "fogo" (aquecem o corpo, ativam o nosso sistema), ou outras que nos "arrefecem" (trazem frescor ao corpo, por exemplo). A nossa respiração é, realmente, um superpoder de que dispomos! É uma ferramenta que, indubitavelmente, afeta o nosso estado de espírito, o nosso metabolismo, a nossa performance. Podemos usá-la, conscientemente, para refrear o nosso sistema, trazer-nos calma, ou, através dela, podemos ativar o nosso sistema e acessar estados de consciência alterada, estimular a criatividade. Não temos de aprender respirações especiais para matar Onis (os demónios de Demon Slayer) mas, com toda a certeza, se aprendermos a cultivar na nossa vida alguns momentos de respiração consciente, vamos ganhar saúde física e mental. (E, acreditem, algumas experiências realmente incríveis!)

131-365

 


Há uns dias, numa aula de piano, em conversa com a minha aluna comentei que rasguei um pouco da bainha (barra) das calças ao tirar o ténis do pé. Ela comentou, arrepiada "Ai, não gosto desse som, de roupa a rasgar. Me dá aflição!" Eu comentei "A mim dá-me aflição o som do giz a arranhar a lousa." E refleti: "Interessante como há sons que nos afetam, negativamente, de uma forma física. Muito além de questões de empatia ou gosto, é realmente uma questão física: sentimos um arrepio, um desconforto no corpo, uma aflição. E, então, lembrei-me de como os gregos, na Antiguidade Clássica, já acreditavam que diferentes instrumentos, sons e tipos de música nos afetam de forma diferente e, por isso, deveríamos apenas ouvir a música/instrumentos que eleva a nossa alma (e não a que a corrompe). Também me lembrei de uma frase de Arvo Pärt que eu adoro "Sabe que há sons que podem matar? Então, eu acredito que também há sons que podem fazer o inverso." Comentei com a minha aluna "Os sons vibram a certas frequências. E há frequências que nos afetam de formas distintas. Assim como há sons que nos afetam de uma forma tão negativa, há frequências sonoras que têm o poder de nos curar! Por mais esotérico ou místico que possa parecer, se pararmos para refletir, faz todo o sentido que seja real. Se o meu corpo e a minha mente podem rejeitar tão profundamente alguns sons e se esses sons podem afetar-me de uma forma tão profunda, por que outros sons não podem ter o poder de criar em nós, com a mesma intensidade, harmonia e equilíbrio? Aliás, experiências feitas com areia em uma placa que vibra a frequências de som diferentes, demonstra como a areia, em certas frequências, se reagrupa em formas absolutamente simétricas e organizadas. Nós, o nosso corpo, é feito da mesma matéria e elementos de tudo o que nos rodeia. Por que o nosso corpo seria diferente e deixaria de reagir de forma coerente à exposição a certas frequências? Se esquecermos os bloqueios mentais que nos dizem "isso é impossível", é fácil aceitar a conclusão mais lógica: o som cura.

* Vídeo da experiência com a placa de som:  https://www.instagram.com/p/Ci0zJsTobpm/?igshid=MTc4MmM1YmI2Ng==

sexta-feira, 23 de junho de 2023

130-365

 


Lembro-me de, após uma audição de piano, ter recebido uma lembrança e um cartão da minha professora de piano que dizia "Que encontres tudo o que procuras na vida." Não me lembro exatamente que idade tinha, mas creio que por volta de 12 anos e, naquele momento - e durante muito tempo - aquela frase foi um baque para mim. Como poderia encontrar alguma coisa se eu nem fazia a menor ideia do que estava à procura? O que é suposto procurarmos na vida? Genericamente, pareceu-me que seria felicidade. Mas o que seria isso? Onde se encontra? Onde está? Hoje, ao completar 42 anos nesta aventura de andar pelo espaço a dar voltas ao sol, abraço a frase de Espinoza:

Ser quem somos
E tornarmo-nos quem somos capazes
De nos tornar
É o único propósito da vida.

Baruch Spinoza

Hoje eu sei exatamente do que estou à procura e onde o encontrar. Estou à procura de "despir-me do que aprendi, esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, desembrulhar-me e ser eu" (Alberto Caeiro), nada mais nem nada menos do que isso: exatamente quem eu nasci para ser. Sadhguru diz que se não fazemos o que não temos capacidade para fazer na vida, tudo bem, mas se não fazemos o que somos capazes de fazer, a nossa vida é uma tragédia. Então, é essa a minha busca: ser exatamente quem eu sou, construir-me na minha melhor versão possível e transbordar isso no mundo, criando exatamente aquilo que nasci para criar. "A única saída é para dentro." (Sadhguru) Quanto mais mergulho dentro de mim, mais o mundo inteiro entra no meu peito! E talvez seja isso o que mais tenho vontade de partilhar com o mundo. Eu não construí posses, riqueza nem coisas materiais, mas sinto-me rodeada de verdadeiros tesouros, todos os dias. Aprendi que não é aquilo que vemos que mais importa, mas a forma como olhamos para as coisas. "Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre." Clara e inequivocamente eu escolhi - sim, é uma escolha ao alcance de todos - viver da segunda forma. Eu gostava que todos pudessem ver o azul do céu, a flor, o carinho de quem se ama, o sol que nos aquece, a chuva que dança ao cair, a música que nos trespassa, o pôr-do-sol que encanta, o ar que entra incessantemente nos nossos pulmões, a lua, o mar, o vento no rosto, a energia que corre no nosso corpo, a raíz da árvore que rompe a calçada, as folhas e flores que formam tapetes no chão, o milagre da vida que acontece todos, todos os dias, a cada segundo, a cada momento, agora, aqui, em mim, aí em ti, em toda a nossa volta! Nós somos parte do milagre! Nós somos o milagre! "Somos miniaturas do universo. Em nós há todo o mapa da existência."(Osho) Somos todos uma Parte (única e inigualável) do Todo. Não tenha medo de olhar para dentro, de se deixar envolver pelo silêncio. É nesse lugar que o Divino nos toca e o coração se abre e, então, ao abrir os olhos, vai encontrar um mundo novo, cheio de milagres!
Hoje, agradeço pela Vida que me anima há 42 anos, pelo absoluto privilégio que é estar aqui. Nem sempre é fácil, nem sempre há ânimo ou motivação mas, enquanto aqui estiver, sei que sempre vou encontrar o caminho de volta, porque agora já sei do que estou à procura. E, a cada dia, vou(-me) encontrando um pouco mais. 

quinta-feira, 22 de junho de 2023

129-365

 


Pôr-do-sol. Nascer do sol. Luz oblíqua da manhã. Barulho das ondas do mar. Mergulhar nas ondas do mar. Nadar. Orquídeas. Sentir o vento no rosto. Nuvens brancas num céu azul. Céu azul do final da tarde/começo da noite. Lua cheia. (Lua em qualquer fase!) Cheiro de pão e bolo acabado de fazer. Comer bolo quentinho e pão acabado de fazer com manteiga. Pizza. Melancia. Lichia. Cerejas. Caqui. Frutos secos. Dormir em lençóis lavados. Dormir de pijama quentinho e cheia de cobertas. Dormir de meias. Dormir sem ter hora para acordar. Ficar acordada sem ter hora para dormir. Pipoca doce. Um bom filme. Um bom livro. Uma boa música. Um bom concerto. Ouvir uma plateia a cantar em uníssono. Tocar piano. Aprender, aprender, aprender. Ensinar e transbordar o que aprendo. Vestir calças de ganga, tshirt/sweatshirt e ténis (All Star). Jogar futebol. Ver um bom jogo de futebol. Benfica. Portugal. O céu de Lisboa. Sardinhas assadas. Açorda de camarão. O bacalhau com natas da minha mãe. As filhós da minha (avó e da minha) mãe. Ameijoas à bulhão pato da minha mãe. Farofa com azeitona. Mandioca. Ipês floridos, principalmente o branco. Andar de bicicleta no parque do Ibirapuera. Ginástica artística. Yoga. Breathwork. Surpreender-me e inspirar-me por coisas novas. Expandir horizontes. Escrever. A minha família de sangue e a que escolhi. As minhas amigas do coração. Vitrais. Gelado. Rir com uma amiga - principalmente dos revezes! Chorar a rir. Sorrir com lágrimas nos olhos. Abraçar quem amo. Olhar nos olhos do Mateus. Quando o Sérgio "penteia" o meu cabelo com as suas mãos. Campo de girassóis. Poesia. Canto do sabiá. Céu estrelado. Passeio em museu. Banho quente. O Théo a dormir com a cabeça na minha barriga. Ter a companhia do Théo enquanto estudo piano ou medito. Arco-íris. Andar com o Mateus pela rua enquanto conversamos sobre tudo e nada. Sentir o sol acariciar-me o rosto. Pisar na areia morna na praia. Silêncio. Estar comigo mesma e mergulhar fundo em quem sou (e em quem quero ser). Sentir que pertenço a algo maior. Sentir em cada célula um sussurro do Divino. Sentir-me grata por estar aqui, neste perfeito milagre de habitar este corpo, dotada desta mente, a girar incessantemente num enorme pedregulho que percorre quilómetros e quilómetros no espaço "vazio" à volta de uma bola de fogo! Construir com as coisas simples a complexa equação da felicidade - e compreender que ela estava sempre ali, nos detalhes. Perceber a beleza de todas as coisas. Ver o Divino em mim e tudo (e todos) à minha volta. 

128-365

 


Estes dias, tem feito mais frio em São Paulo. Hoje, estava a tentar apertar o casaco e o fecho (ziper) prendeu. Tentei puxar uma vez, nada. Com mais força, nada. Com mais força ainda, e nada. Então, resolvi a estratégia inversa: abri-lo. Puxei com cuidado para baixo, e ele cedeu. E, então, como num passe de mágica, aquilo que o bloqueava desapareceu e consegui, finalmente, fechar o casaco. E refleti: quantas vezes ficamos bloqueados a tentar, sem parar, com toda a nossa energia, forçar alguma coisa, sempre da mesma forma, quando a resposta está em dar um passo atrás? Às vezes, a melhor forma de avançar é recuar um pouco. Afastarmo-nos um pouco do problema que queremos resolver, dá-nos perspetiva, novas ideias, novas estratégias, formas diferentes de lidar ou encarar. Dar um passo atrás e concedermo-nos um merecido descanso, também nos dá a energia necessária para seguir adiante. Para avançar, é preciso saber quando recuar.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

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Há um conto budista de que gosto muito.

Um dia, o único cavalo de um camponês foge. Os vizinhos, ao saber da notícia, mostram o seu pesar "Lamento, que má notícia!" O camponês, calmamente responde "Não sei...Se é bom ou mau, veremos." No dia seguinte, o cavalo retorna trazendo com ele três cavalos selvagens. Os vizinhos comentam "Que boa notícia! Aumentou o número de cavalos!" O camponês responde "Não sei... Se é bom ou mau, veremos." No dia seguinte, o filho do camponês, ao tentar domar o maior dos cavalos, cai e fratura a perna. Os vizinhos lamentam "Que azar, que má notícia!.." O camponês, mais uma vez, responde calmamente "Não sei... Se é bom ou mau, veremos." Passado alguns dias, membros do exército chegam à aldeia para convocar todos os jovens para o serviço militar obrigatório para lutar na guerra. Ao ver o filho do camponês incapacitado na cama, dispensam-no de ir para a guerra. Os vizinhos comemoram "Que boa notícia! Seu único filho não vai ter de ir para a guerra." Com a serenidade de sempre, o camponês comenta "Não sei...Se é bom ou mau, veremos."

Este conto relembra-nos que tudo nesta vida é uma questão de perspetiva. Nada é objetiva e exclusivamente bom ou mau. Depende da nossa percepção e julgamento. Haja visto que há remédios que nos sabem mal ou são dolorosos, mas nos fazem muito bem, e há coisas que nos sabem muito bem e nos fazem muito mal. O que hoje é uma benção, pode tornar-se uma dor de cabeça amanhã. O que hoje é uma dor ou um desafio, pode tornar-se a nossa maior força. Perdemo-nos em juízos, conotações, constantemente a dividir o mundo em "bom" e "mau" e, muitas vezes, esquecemo-nos de que nada permanece. Nada é. Tudo está em constante movimento, mudança. Já dizia Camões "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". Muitas vezes, esse fluxo da vida foge à nossa compreensão. Como o camponês, que não podia supôr a sequência de acontecimentos que sucederiam na sua família. Assim como não vemos os átomos, a gravidade, o eletromagnetismo, há tantas e tantas outras leis da Vida que escapam à nossa percepção e entendimento. Mais do que compreender todos os porquês (que não estão ao alcance da nossa mente limitada), é necessário recordar que, por vezes, a porta que se abre leva a um beco sem saída, e a porta que se fecha abre uma janela com uma vista esplendorosa. É preciso treinar e ensinar a mente a manter-se estável tanto nas portas que se nos fecham como nas que se nos abrem. E continuar, seguir adiante. Afinal, tudo muda, e a vida é um enorme, imenso caminho a ser percorrido, cheio de portas e janelas, passagens secretas, becos sem saída, atalhos, campos abertos e surpresas, muitas surpresas. Não se detenha demasiado em algum detalhe do caminho. Quem estagna a examinar, perscrutar e julgar a árvore e o porquê de ela ser como é ou de estar onde está, perde a beleza da floresta. "Ao caminhar se faz o caminho." (Antônio Machado) Incontornavelmente, iremos deparar-nos com obstáculos, desafios, bençãos e recompensas. Que possamos abraçar as coisas boas e más que surgirem e, assim, transformar o caminho num lugar cheio de beleza e aprendizagem, porque é nos nossos passos e no nosso olhar que a beleza mora.

126-365

 


O círculo das minhas "fronteiras imaginárias"











Todos os dias faço os mesmos caminhos para dar as aulas e, muitas vezes, dou por mim a pensar nas fronteiras imaginárias que criei para mim em relação a São Paulo. Sei, em todos os sentidos da cidade, quais são os pontos mais longe aos quais vou. Para mim, São Paulo acaba ali, naqueles exatos lugares. Naquela subidinha, antes daquela ponte, perto daquele parque, no meio daquelas avenidas, no começo daquela rua. Isso representa, na imensidão de São Paulo, um minúsculo círculo. A minha percepção de São Paulo é totalmente limitada ao que vivencio da cidade. Para mim, São Paulo é isto, esta meia dúzia de bairros - que, ainda assim, como lisboeta que sou, para mim, corresponde a uma área considerável. Dei por mim a pensar que a nossa percepção da realidade também é assim, limitada ao que vivenciamos, limitada ao que os nossos sentidos abarcam, ao que as nossas crenças permitem. Estamos sempre dentro de "fronteiras imaginárias", e a realidade é sempre tão mais vasta do que nos permitimos ver e percepcionar! Não vemos a realidade como ela é, mas como somos no momento em que a olhamos. Observe as fronteiras em que se move. Em quais delas quer realmente manter-se? O que não está a permitir-se (vi)ver?

quinta-feira, 15 de junho de 2023

125-365

 




Começou uma das minhas épocas preferidas em São Paulo: a florada dos ipês! A cada dia somos surpreendidos por um novo ipê total e inesperadamente coberto de flores. Quem abre a temporada é o ipê-roxo que, vá-se lá entender, fica coberto de flores, aos meus olhos, cor-de-rosa. Um dia passamos na rua, a árvore está repleta de grandes folhas verdes. Uns dias depois, como por milagre, a mesma árvore aparece decorada de rosa, com aquelas flores de ipê que, quando observadas de longe, sugerem um formato arredondado. Passem os anos que passarem, os ipês floridos continuam a aquecer o meu coração e a provocar-me sorrisos. Não me canso de os admirar, de os contemplar. As flores não ficam muito tempo nas árvores. Passado algumas semanas ou poucos dias, no caso do ipê-branco, proporcionam-nos uma nova moldura para admirar: tapetes de flores no chão. E eis que a árvore fica despida, novamente. Por vários meses ou até um ano.
Os ipês relembram-nos os ciclos da vida. As flores nascem e morrem. Seguem o seu ciclo. Passam-se meses e meses em que parece impossível que aquela árvore se vá transformar novamente naquele espetáculo da natureza. Durante a maioria do ano, o ipê passa totalmente despercebido, como qualquer árvore comum. Espera, pacientemente para, no tempo certo, e durante um curto período, despontar numa beleza única e marcante. Também a nossa vida é feita de ciclos, fases. Assim como as coisas nascem, morrem. Há tempo de esperar, tempo de florir, murchar e tempo de renovar. Por mais que pareça que, em algumas fases, nada aconteça, nada floresça, é certo que,  um dia, quando menos esperamos, a vida se renova, se reinventa, renasce. Confie no fluxo da vida. Assim como no ipê, as flores podem tardar, mas fazem valer a pena a espera. 

124-365

 


Hoje é dia de Santo António, santo padroeiro de Lisboa. A noite de 12 para 13 de junho é a maior festa popular de Lisboa. Começa com as tradicionais Marchas Populares, uma espécie de competição em que cada bairro da cidade desfila ao som de música típica das marchas. As ruas mais tradicionais da cidade ficam enfeitadas com bandeirinhas coloridas e totalmente apinhadas de gente. Por todo o lado há música de bailarico, gente a cantar e a dançar, sardinhas assadas, febras, sangria e cerveja. E os típicos manjericos, claro, com os versos de amor. É difícil movermo-nos pela rua. Para estacionar o carro, só a quilómetros! É uma noite cansativa, mas de alegria pura. No Porto, comemora-se a igualmente tradicional festa de São João. Durante o mês, há festa (arraial) em vários bairros de todas as cidades. Aqui no Brasil, o mês inteiro de junho tem as Festas Juninas. No Nordeste são as mais tradicionais, com muitos aspectos folclóricos. Em São Paulo, as festas juninas têm roupas e música de caipira, decoração com bandeirinhas coloridas, comidas típicas - quentão (uma espécie de sangria quente), maçã do amor (como aquelas que comíamos na Feira Popular), espeto de fruta envolta em chocolate, pé de moleque, canjica - e as tradicionais brincadeiras (pescaria, tiro ao alvo). Aqui em São Paulo, a cada fim-de-semana há festas juninas em lugares diferentes - principalmente paróquias. As festas juninas são legítimas herdeiras dos nossos Santos Populares. Assim como as festas que acontecem aqui durante o ano em homenagem a alguns santos. A Festa da Nossa Senhora da Achiropita, por exemplo, foi, no meu primeiro ano aqui, a coisa que mais me transportou para casa: de repente, parecia-me estar a tentar andar pelas ruas do Bairro Alto em plena noite de Santo António, com a diferença que as comidas são as típicas italianas - igualmente boas! - e, ao invés de ouvir "Santo António já se acabou/ O São Pedro está-se acabar/ São João, São João, São João/ Dá cá um balão para eu brincar", ouvimos as típicas músicas italianas. Igualmente imperdível.
Que venham as festas juninas (ou os Santos Populares)!

domingo, 11 de junho de 2023

A caminho dos 42...(2)




Talvez a minha memória mais antiga seja relacionada à ginástica. Sentada no chão da sala enquanto a minha mãe passava a roupa a ferro em frente à televisão e eu, vidrada na televisão, a ver as competições de ginástica artística com ela. Eu sempre fui uma criança irrequieta, cheia de energia, não parava um minuto mas, em frente à televisão para ver ginástica, ficava hipnotizada e, dizem os meus pais, apontava para lá e dizia que queria fazer aquilo. Tinha 2, 3 anos de idade. Só quando tinha de 5 para 6 anos é que os meus pais me levaram ao Benfica para fazer testes para entrar na equipa. Naquele ginásio do qual me recordo bem - com os espaldares ao fundo, as paralelas e a cama elástica à direita, quase a travar a entrada para os balneários, a trave e solo no centro - começou um percurso de cerca de 7 anos de ginástica de competição. Depois de cerca de um ano no Benfica, ingressei no meu clube gímnico do coração, o Lisboa Ginásio Clube, ainda no edifício antigo, velhinho, mas que era, carinhosamente, a nossa segunda casa. Foram anos de muita paixão. Era, sem qualquer dúvida, a minha coisa favorita no universo! Eu vivia, respirava e sonhava ginástica. Lembro-me perfeitamente de torcer pela russa Yelena Shushunova nos Jogos Olímpicos de Seul em 1988 numa final eletrizante com a romena Daniela Silivas. Eu tinha 7 anos. Vi e revi a prova inúmeras vezes. Assim como as outras cassetes com campeonatos do mundo e da Europa que os meus pais e treinadora gravavam para mim. Sabia o filme sobre a vida da Nadia Comaneci praticamente de cor.
Foram anos de muita entrega e dedicação. De vitórias e derrotas, de dor, sacrifício e recompensa. De crescimento, de erros e aprendizagem. Aqueles anos na ginástica influenciaram muito a minha vida e o meu percurso. Talvez uma das coisas que mais contribuiu para a formação da minha personalidade. Foi ali que aprendi que para alcançar os nossos objetivos, é preciso tempo e muita disciplina. Aprendi que é preciso abdicar de certas coisas - por exemplo, viver anos em uma alimentação muito regrada - para alcançar outras - uma boa forma física e melhores resultados. Aprendi a procurar e perseguir a perfeição, mesmo sabendo que alcancá-la é uma utopia. Aprendi que para evoluir, é preciso perceber a forma mais eficiente de fazer as coisas e entender onde estão os erros - por exemplo, se caio para a frente, houve energia a mais, se caio para trás, faltou movimento. (Repetições "cegas", mecânicas, imponderadas, não são eficazes.) Aprendi que o nosso percurso é feito de fases boas e fases más, vitórias e derrotas, que cair faz parte, que dores são inevitáveis. Aprendi a conviver e lidar com o medo. Aprendi a apreciar a beleza e harmonia dos movimentos. Aprendi com os erros que cometi. Aprendi a não desistir. Sou grata por tudo o que vivi na ginástica. Guardo comigo a sensação de me equilibrar em prancha na trave, fazer gigantes nas paralelas, mortais e piruetas no solo. Se fechar os olhos, ainda sei exatamente que movimentos fazer, ainda sinto aquela liberdade de voar. Eu saí da ginástica aos 13, 14 anos, mas a ginástica jamais saiu de mim.

A caminho dos 42...(1)

 Nasci cerca de duas semanas antes do previsto. Esse facto, por si só, não tem nada de invulgar. Muitos bebés nascem um pouco antes do tempo. O único problema é que já estava marcada uma cesariana devido à minha posição: girei meia volta a mais na barriga da minha mãe e fiquei com os pés perfeitamente apontados para baixo. A minha mãe brinca sempre que, já na barriga, eu gostava de fazer cambalhotas e acrobacias, que a minha paixão pela ginástica já vinha desde o útero. Acho que deve ser verdade. Essa vontade inata de transcender o corpo, de o usar como uma ferramenta para chegar mais além, já devia estar comigo desde a barriga da minha mãe. Não será por acaso que eu sempre adorei tudo o que era acrobacia. Ainda hoje me fascina e, atualmente, através do yoga e outras atividades, continuo a tentar conhecer o meu corpo e aprender a usá-lo como ele é: um veículo, uma ferramenta de autoconhecimento.

O meu parto foi tão rápido e inesperado que o meu pai não chegou a tempo de me ver nascer. Também não deu tempo de fazer a tal cesariana, e nasci assim mesmo como estava: com os pés. Não imagino o pânico do obstetra que, daquele dia em diante, dizia sempre à minha mãe, com um certo alívio na voz, "o meu primeiro parto pélvico..." Naquele dia, não mudei apenas a vida dos meus pais, mas marquei o percurso profissional do dr Moniz. Daqui a duas semanas, faz 42 anos sobre aquele dia. Era véspera de São João, por isso, os meus pais escolheram o nome Joana. Até àquele dia, achavam que ia nascer um menino, e só tinham decidido nome de menino. Talvez não seja por acaso a minha paixão por futebol, e o facto de ter sido sempre maria-rapaz...Vá-se lá saber...Há coisas que parece que já estavam connosco desde o princípio. Não sei se já chutava muito na barriga, mas girar sobre mim mesma, rodar, dar cambalhotas, isso, sem dúvida, foi desde muito tenra idade. Como diria a minha avó "o que tem de ser, tem muita força". 

123-365

 



Há alguns anos que ouvi falar, pela primeira vez, de Ikigai. Não sei se em algum vídeo ou masterclass de Mindvalley ou em algum livro. Ikigai é uma palavra em japonês que significa algo como "razão de viver". Essa "razão de viver" seria encontrada na intersecção entre quatro pontos de reflexão:
1 - "o que eu amo fazer" (ou o que me entusiasma, e não me canso de aprender e me aprimorar);

2 - "no que eu sou boa" (ou o que normalmente sou elogiada ou reconhecida quando faço);

3 - "do que o mundo precisa" (ou como posso servir à minha comunidade, contribuir com algo que é necessário aos outros)

4 - "como posso ser paga por isso" (ou como posso sentir-me recompensada pelo que faço)

A filosofia do Ikigai tem, ao que se sabe, origem na região de Okinawa, região conhecida por ter alta concentração de centenários nos seus habitantes. Uma das explicações para essa longevidade é, precisamente, o senso de propósito na vida dessas pessoas. Ter uma razão para acordar de manhã, sentir-se recompensado a fazer algo que se gosta e em que se é bom a fazer e que, de alguma forma, é um serviço à comunidade, uma contribuição.
A nossa sociedade não favorece a busca do nosso Ikigai. Somos levados a escolher um caminho académico demasiado cedo, quando a maioria de nós ainda mal sabe quem é. Pensamos em coisas como "saídas profissionais", "possibilidades de carreira", ou seja, unicamente a questão "como posso ser paga". Ou atiramo-nos de cabeça em "algo que amo fazer" sem, muitas vezes, perceber como podemos ser pagos por isso e obter o mínimo de estabilidade. Outras vezes, podemos fazer "algo em que somos bons", ser muito bem remunerados por isso, mas sentir um vazio por não ser algo que amamos fazer ou que sentimos que estamos a contribuir de forma enriquecedora com os outros. Apesar da boa remuneração, não nos sentimos recompensados. Sadhguru costuma dizer que deseja que os nossos sonhos não se realizem, porque a nossa perspetiva e noção daquilo que podemos realizar e alcançar na vida é totalmente limitada por aquilo que conhecemos e consideramos possível. Mas a vida é tão mais vasta e tão mais criativa do que nós!..
O Ikigai é um convite a olhar para dentro, para mergulhar no conhecimento de si mesmo, de forma não só a explorar os nossos pontos fortes, e o que em nós quer manifestar-se no mundo mas também a esquecer essas barreiras invisíveis que nos rodeiam e constringem. "Dentro de cada um de nós existe um talento especial à espera de se manifestar. A questão é descobri-lo." (Billy Elliot)

Para quem tiver vontade e curiosidade de mergulhar no universo Ikigai, sugiro este webinar do Cadu Cassaú:

sábado, 10 de junho de 2023

122-365

 



Hoje comemora-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Eu sou do tempo em que, ao responder "sou de Portugal", me era, muitas vezes, devolvido o clássico "Ah, sei, lá na Espanha, não é?" "Não...Ė Portugal mesmo." "Exato, Portugal não é uma parte da Espanha?" Não, pá! Portugal é um país! Desde 1143 que não somos parte da Espanha! (Com um tropeço de perda da independência pelo caminho na dinastia dos Filipes de Espanha.)
Somos um país pequeno, é certo. Minúsculo quando comparado com países como o Brasil ou os Estados Unidos da América. "À beira-mar plantado" como costumamos dizer. Pacato, tranquilo, de muita beleza natural. Uma das minhas coisas preferidas em Portugal é a cor e a luz do céu de Lisboa. Magnetizante. Indescritível. Principalmente o azul metálico do final de tarde/começo da noite. E o que dizer do pôr-do-sol no mar? Guardo as cores de Portugal em mim. Hoje, no seu dia, celebro as suas cores, perfumes e sabores, a sua poesia tão bem descrita por tantos poetas admiráveis. Este país, "cantinho da Espanha, com todos os seus problemas e defeitos, mora no meu coração. 

sexta-feira, 9 de junho de 2023

121-365



 

Hoje fomos passear ao parque. Um dos meus lugares favoritos aqui em São Paulo. Adoro sentir o vento no rosto, contemplar as árvores, variadas, frondosas, as flores coloridas, o lago e, nesta época, as folhas de outono que vão balançando e caindo com o vento, confundindo o nosso olhar quando dançam em torno do voo das borboletas.
Hoje, parei diante de uma árvore enorme. Pensei há quantos anos estaria ali. Certamente bem mais que a minha idade e, acredito que continuará ali, bem firme depois de eu já te virado pó. Encostei a minha mão ao seu tronco. Então, observei que a minha mão e o tronco partilham uma rugosidade semelhante. Pequenos sulcos percorrem a minha mão em todas as direções, linhas que se estendem e cruzam pela minha mão formam um enorme emaranhado de pequenas, minúsculas formas. Rugas subtis vão aparecendo com o passar dos anos. Não as temo nem lamento: ajudam a contar e escrever a minha história. Também o tronco exibe sulcos que formam um enorme emaranhado semelhante ao da minha mão, como um puzzle de milhares e milhares de peças encaixadas umas nas outras. E também o tronco ajuda a contar a história da árvore. A Natureza é cheia de formas que se mimetizam. A copa das árvores é semelhante ao formato do nosso pulmão. Se observarmos uma cenoura cortada, percebemos a semelhança com o nosso olho. O formato da noz lembra o do cérebro. Imagens do espaço, da imensa rede cósmica, são idênticas às da nossa rede neural. Não será por acaso. Somos todos feitos da mesma matéria, somos todos parte de uma mesma coisa, entrelaçada nas linhas da minha mão, nos sulcos do tronco da árvore. Somos incontáveis peças minúsculas que se encaixam para formar esta enorme teia a que chamamos Vida.

quarta-feira, 7 de junho de 2023

120-365

 


Nunca sabemos qual frase ou conversa vai ficar connosco pra sempre. Algumas conversas que tive com o meu professor de piano na Faculdade, por exemplo, permanecem comigo. Em uma delas, ele falava-me sobre a intrínseca, inata e imutável necessidade que o ser humano tem de conexão. Fomos feitos para criar laços. Deu-me o exemplo dos moradores de rua. Excluídos de um convívio social, solitários, a grande maioria tem um fiel companheiro, a quem se dedica carinhosamente: um cão. Vejo isso diariamente. Moradores de rua que aconchegam o seu cão no seu colchão ou barraca, com quem dividem o cobertor e a pouca água e comida que têm, com quem brincam. A quem, visivelmente, entregam o seu amor e por quem se sentem amados.
Criar laços, dar e receber amor são, inequivocamente, necessidades básicas do ser humano. Não por acaso, nas chamadas zonas azuis - regiões em que há uma invulgar percentagem de pessoas centenárias - concluiu-se, em estudos, que um dos fatores que explica a longevidade dos seus habitantes é, precisamente, o senso de comunidade, o senso de pertencimento. Nas zonas azuis, além de as pessoas cultivarem hábitos saudáveis, como alimentação balanceada, exercício físico, boa rotina de sono, o grande diferencial é a comunidade: as pessoas estabelecem relações profundas de amizade entre si. Sentem-se amparadas e acolhidas. Têm com quem chorar e com quem rir. A vida é partilhada e ganha um novo sentido nessa partilha. Além disso, nessas comunidades, todos contribuem de alguma forma, todos se sentem parte de uma coisa maior. Isso também é essencial porque o ser humano encontra propósito. E o nosso propósito maior é servir. Pense bem: quando é que se sente mais realizado? Quando sente que, de alguma forma, contribuiu. E não é preciso ser uma contribuição extraordinária como descobrir a cura de uma doença, fazer voluntariado em um país mais desfavorecido ou doar uma enorme quantia de dinheiro para alguma instituição de caridade. Pode ser em gestos simples: preparou, carinhosamente, a refeição da família. Separou o lixo para a reciclagem. Partilhou um vídeo, um livro, um filme que vai ajudar ou inspirar outra pessoa. Foi gentil com alguém. Doou o seu tempo a alguém. Realizou o seu trabalho da melhor forma possível. Procura aprimorar-se, evoluir, ser "a mudança que quer ver no mundo" (Gandhi) e educar os seus filhos de forma a inspirá-los a fazer o mesmo. Pequenos gestos, por vezes, são uma enorme contribuição para quem nos rodeia. Nunca sabemos a diferença que uma simples palavra ou conversa pode fazer na vida de outra pessoa. O quanto vai reverberar no futuro. Ou um singelo sorriso - pode mudar o rumo de um dia! Numa sociedade aparentemente cada vez mais capitalista em que impera o egoísmo, ganância, egocentrismo, e o "cada um por si", ainda há muita, muita gente que, felizmente, cultiva outros valores. De acordo com a bonita filosofia Ubuntu "eu sou porque nós somos". Neste imenso mecanismo que é a Humanidade, somos todos pequenas engrenagens. Não há real separação entre nós, por isso, as ações de uns, refletem-se nos noutros. E o que mais nos torna humanos é as conexões que fazemos. O que mais nos preenche é a realização de servir aos outros. O que mais nos fortalece é seguir juntos. "Se quer ir rápido, vá sozinho; se quer ir longe, vá acompanhado." (Provérbio africano). (Talvez por isso, os habitantes das zonas azuis, cheguem "tão longe").

119-365

 


Fiquei vários dias sem treinar a minha abertura de pernas. Nos últimos meses, estava a ter uma boa evolução, mas nas últimas semanas, priorizei outro tipo de treino. Resultado: hoje, ao retomar o treino da abertura, senti que travei, dei alguns passos para trás. Pensei no quanto era natural e confortável para mim fazer isto quando era criança - mesmo que não o treinasse por semanas seguidas. Eu era extremamente flexível. Aliás, isso é uma coisa que eu sempre reparei no meu filho enquanto ele era menor: a sua incrível flexibilidade. As crianças pequenas ficam confortáveis nas posições mais incríveis, todas esparramadas no chão com uma enorme abertura de pernas, com o pé no rosto, costas todas dobradas, de cócoras. O Mateus adorava ficar tempos imensos de cócoras numa posição em que eu não conseguia manter-me dois segundos! Era a sua posição mais natural e de maior conforto. E, da mesma forma que as crianças pequenas têm o corpo extremamente maleável, elas mesmas estão abertas e receptivas ao mundo. Se lhes dizemos para pular para os nossos braços, elas pulam da altura que for, confiantes e alegres. A criança pequena está aberta para conhecer o mundo, quer mergulhar nele, abraçá-lo! A criança pequena não tem bloqueios em relação aos outros: depois de acabar de conhecer outra criança no parque, trata-a imediatamente como amiga. Não tem preconceitos, desconfianças. Acolhe. Quando olha para a outra criança, vê-se a si mesma, entende-a como igual. A criança pequena tem o corpo flexível e a mente igualmente flexível, aberta. Quando crescemos, se deixarmos de trabalhar o corpo, ele enrijece, torna-se enferrujado. O mesmo com a mente: se não a questionamos, se não nos dedicamos a conhecê-la, ela cristaliza-se nas crenças que vamos acumulando de todo o tipo de fonte externa. Quanto menos trabalhamos o corpo, mais ele se fecha, se torna flácido e preso. E quanto menos trabalhamos a mente, mais ela se entorpece em gestos automáticos, inconscientes. A questão é: aquilo em que colocamos a nossa energia, fortalece-se, aquilo em que trabalhamos, desenvolve-se. Tornamo-nos bons naquilo em que mais investimos o nosso tempo. Invista o seu tempo e energia em ser sedentário e cada vez será melhor nessa inércia. Mas, se voltarmos a trabalhar o corpo, ele torna-se mais elástico, flexível, forte. Se continuarmos a trabalhar a mente, nos mantivermos sedentos de aprender e abertos ao que nos rodeia, podemos ter a mesma alegria, ingenuidade e entrega que uma criança tem perante a vida. Já diziam os sábios da Antiguidade clássica "mente sã em corpo são." É o nosso estado natural, é assim que nascemos: abertos, dispostos, flexíveis e com doses inesgotáveis de alegria e curiosidade! E para recuperar, é esse caminho que devemos trilhar: o da abertura,  flexibilidade, curiosidade e disciplina de direcionar a nossa energia para as coisas certas. Abra-se ao mundo. Por mais que as experiências que viveu o tenham feito recolher-se na sua casca. "Em tudo há uma rachadura, e é por aí que a luz entra." (Leonard Cohen) Abra-se à Vida. E quem sabe a Vida pode abrir-se para si também. 

sábado, 3 de junho de 2023

118-365

 


Quando estamos a atravessar uma fase complicada seja por que razão for (saúde, trabalho, relacionamentos, dinheiro), é fácil deixar a mente escapar para pensamentos derrotistas, negativos. Esse tipo de pensamentos gera em nós emoções de baixa vibração como medo, ansiedade, raiva, tristeza. Quanto mais vibramos nessas emoções, mais o nosso corpo responde com a produção de hormónios (cortisol, adrenalina) que reforçam a nossa sensação de stress, ansiedade ou mesmo depressão, e menos produz hormónios que nos causam sensação de bem-estar (dopamina, serotonina, ocitocina). Pensamentos geram emoções que geram sensações que perpetuam os pensamentos que geram as emoções. É comum dizer-se (e ouvir-se) nessas fases "pensa positivo!" Sim, essa é uma das saídas. Gerar novos pensamentos, mais elevados, positivos, gera, por sua vez, novas emoções. A questão é que de todos - pensamento, emoção e sensação - o pensamento é o mais subtil. Então, outra saída é começar pelo corpo, que é o mais denso e, por isso, mais fácil de perceber, aceder e manipular. O corpo, na verdade, reflete todas as nossas emoções. Pense em momentos em que sentiu medo. Como estava o seu corpo? Encolhido, recolhido, ombros para baixo, encurvados. Em momentos em que se sente confiante, feliz, o peito fica aberto, o queixo para o alto. Quando estamos tristes, choramos, quando estamos felizes sorrimos. Quando não está receptivo ao que lhe estão a dizer, cruza os braços. Quando está nervoso, sentado, mexe involuntariamente as pernas ou os dedos das mãos. Quando ouve música, o corpo reage. Quando se sente ansioso, nervoso, sente "borboletas no estômago". Quando está realmente nervoso pode até ficar com um desarranjo intestinal. Em certas situações, não é à toa que dizemos "foi como um soco no estômago." As nossas emoções não são meras vivências mentais: permeiam todo o corpo e todo o corpo armazena as suas memórias. As nossas memórias não ficam apenas guardadas em algum canto do cérebro mas, através do sistema nervoso que percorre o corpo inteiro, ficam em cada célula do corpo. Tensões no corpo, refletem, muitas vezes, tensões emocionais. Por isso, começando por desatar alguns "nós" do corpo, podemos começar a aceder à mente e emoções. Movimente-se, faça yoga, tai chi, Qigong, corrida, musculação, surf, escalada, nade, dance, pule, abane o corpo! Faça uma caminhada, sinta o vento no rosto, os cheiros, observe a Natureza, ative os seus sentidos, a sua percepção. Tudo o que colocar a energia do seu corpo em  movimento é válido. Faça exercícios de respiração. A respiração é uma das formas mais imediatas e eficazes para nos conectarmos com o corpo, com as sensações. Feche os olhos, coloque as mãos sobre o peito e respire. Tente reproduzir algum momento marcante pelo qual seja muito grato. Não pense apenas, mas sinta, sinta no corpo a sensação de gratidão. Procure as sensações no peito, na barriga, nas extremidades. Elas estão aí, nas células do seu corpo. Sinta-as e coloque tudo em movimento: sensações, emoções e pensamentos. Quando se aperceber, estará a pensar de outra forma, a nutrir outras emoções e sensações. Não desista! O seu corpo sabe as respostas. Aprenda a fazer as perguntas.


sexta-feira, 2 de junho de 2023

117-365

 


Hoje estava a estudar Ludovico Eunaudi. Compositor e pianista que muito aprecio. A música dele é etérea, celestial, muitas vezes criando uma atmosfera intimista, quase como se de uma prece ou uma confissão se tratasse. Dei por mim no piano a tentar "descobrir" o melhor som para aquela música, exatamente o som que eu queria ouvir: fazer corresponder o som que eu imaginava com aquele que efetivamente estava a produzir. E comecei a refletir sobre como essa busca é tão semelhante ao que se fala sobre Lei da Atração. Dizem os especialistas em Manifestação que, quando queremos manifestar alguma coisa, temos que vibrar na mesma frequência daquilo que desejamos manifestar. Por exemplo, se quero atrair paz, tenho de vibrar paz. Se quero amor, tenho de vibrar amor. Embora seja uma coisa muito conceptual e, aparentemente teórica ou mesmo idealista, analisando bem, faz sentido. Alguns dos maiores cientistas da história (Einstein, Tesla, por exemplo) já afirmaram que tudo no universo é energia que vibra em certa frequência. Frequências idênticas atraem-se. Quando vibro (leia-se "alimento em mim, através de pensamentos e emoções, a crença") em escassez, atraio experiências de escassez que perpetuam a minha vibração em escassez. Eu sinto que não tenho, acredito que ter é difícil. Olho à minha volta e constato que não tenho. A minha crença fica fincada em mim. Atraio mais experiências que me confirmam que não tenho. Reitero a minha crença e continuo a atrair experiências idênticas. Vale para qualquer coisa. Acredito que o mundo está cheio de maldade. Olho à minha volta e, por ter essa crença, o meu foco recai na maldade à minha volta. A minha crença fortalece-se, e quanto mais se fortalece, mais atraio pessoas e situações que a comprovam. E segue o loop.
Mas hoje, no piano, o som fez-me refletir. Eu quero aquele som, e faço um gesto e uma intenção de me aproximar o mais possível dele, sabendo que ele já "está ali". Imagino-o, ouço-o interiormente, sinto-o e faço o gesto que mais se  adequa à sua manifestação. Eu sei que ele está ali, sinto que ele já existe, e quando "ataco" a nota é com a intenção e a certeza que aquele som vai acontecer. É como se eu soubesse que a vibração e frequência dele é aquela, está pronta para acontecer, e eu apenas vou ser uma ferramenta que possibilita que ele se torne audível. Tento entrar na mesma frequência dele: qual carácter está presente ali, quais emoções, e que gesto pode servi-los, dar-lhes vida? Posso ter que trabalhar aspetos técnicos para o conseguir, trilhar um caminho, mas trabalho sabendo que o resultado está a caminho, é possível, é certo, quer tanto encontrar-me como eu a ele. Sinto-o, percebo-o em mim. E dizem que esse é o grande diferencial da Manifestação: vibrar na frequência do que desejamos SENTINDO que já o temos. Não basta repetir incessantemente "eu sou abundante", e manter pensamentos e sentimentos de impossibilidade, descrença, dúvida. É preciso sentir que essa abundância que desejamos já está aqui, tal como o som que eu procuro no piano. Sinta que já a tem, e vai encontrá-la manifestada em alguma das imensas possibilidades de frequência energética em que estamos imersos. Já dizia a Bíblia:
"Tudo quanto em oração pedirdes, tenhais fé que já o recebestes, e assim vos sucederá."  

116-365

 


Uma coisa que tenho aprendido nos últimos anos com o yoga e outras práticas como meditação e breathwork, é o quanto a nossa mente e corpo têm uma forte conexão. Um permeia o outro, reflete o estado do outro, são totalmente interligados, entrelaçados. Intelectualmente, talvez isto não seja novidade para ninguém. Talvez pareça ser uma coisa óbvia. O problema é que cada vez estamos mais desconectados do nosso corpo. E cada vez mais queremos entreter a nossa mente em todas as horas do dia. Então, embora esta ligação exista, não paramos, durante o nosso dia, para a perceber, para a conhecer, para lhe dar atenção, para a explorar a nosso favor. Quantas vezes no dia percebe a sua respiração? Sim, estava a respirar até agora e só agora que leu isto é que percebeu o ar a entrar e a sair das narinas, talvez os movimentos da barriga ou do peito. Fique à vontade, pode parar uns segundos para ver como está a sua respiração. Curta? Mais alongada? Tem pequenas pausas entre a inspiração e a expiração? E agora que parou estes momentos para sentir a respiração, será que se apercebeu de alguma tensão no corpo? Como está o seu pescoço, os seus ombros, os músculos da face, testa, maxilar? Talvez tenha sentido alguma espécie de formigamento nas mãos ou nos pés. Ou talvez alguma outra região do corpo tenha chamado a sua atenção. Agora que prestou atenção à sua respiração, ao seu corpo, o que aconteceu com a sua mente? Talvez aquela preocupação que estava na sua cabeça tenha dado uma trégua? Talvez aqueles pensamentos que andavam aí em loop tenham perdido, por momentos, a força. Ou talvez nem tenha conseguido prestar atenção ao seu corpo porque a mente se intrometeu.
A respiração é uma coisa fascinante. Já na Bíblia encontramos "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente." É a primeira coisa que fazemos quando nascemos e a última coisa que faremos na vida. A vida começa com uma inspiração e acaba com uma exalação. Entre uma e outra, acontece incontáveis e incessantes vezes na nossa vida. Através dela, as nossas células obtém a energia necessária para funcionar e se reproduzir. Através dela, descartamos o CO2 de que não precisamos. (E através desse CO2, as plantas conseguem fazer a sua fotossíntese! Então a nossa respiração não apenas está ligada ao nosso corpo mas ao de outros seres vivos.) Acontece involuntariamente. E adapta-se involuntariamente: em esforço físico, precisamos de mais oxigénio, então respiramos mais vezes e de forma mais curta. Em repouso, fica mais alongada. Quando estamos stressados, assustados, angustiados também fica mais curta, irregular. Em certos momentos, suspiramos. Mas a respiração também pode acontecer conscientemente: podemos respirar fundo, respirar de forma ofegante, inspirar e expirar na velocidade que decidirmos, até suster a respiração por alguns segundos ou minutos. A respiração consciente permite-nos prestar atenção ao nosso corpo, às nossas sensações e, dessa forma, retirar a nossa atenção da mente. Não é possível contar inspirações e expirações, colocar o foco no que está a acontecer no corpo, onde estão as tensões, onde formiga, etc, e, ao mesmo tempo, estar a pensar no trabalho que tem para fazer ou na conta para pagar ou na louça para lavar. Então, a respiração consciente, concede-nos uma pausa do burburinho interno. Ao mesmo tempo, pelo facto de mexermos no ritmo na respiração, vamos produzir efeitos químicos no nosso corpo que podem conduzir a nossa mente a um estado mais relaxado, por exemplo. Quando respiramos fundo, o nosso corpo deixa de produzir tantos hormónios "do stress" (cortisol, adrenalina) o que envia um sinal ao cérebro de que está tudo bem, não estamos em perigo. A mente pode sossegar. Comece a usar a respiração a seu favor, o corpo a seu favor. Perceba as tensões que ele carrega, respire fundo nelas, use a exalação como forma de "deitar fora" o que não lhe serve. Inspire vida, energia, amor, expire mágoas, cansaços, preocupações. Conduza a sua respiração para que ela o leve a lugares melhores. 

quinta-feira, 1 de junho de 2023

115-365

 


"Acredite que consegue ou acredite que não consegue: de qualquer forma, estará certo." (Henry Ford)

Por vezes não temos noção do quanto as nossas crenças nos condicionam. Às vezes, a diferença entre conseguir ou não conseguir está no nosso "mindset". É famosa a história do recorde mundial da milha: até Roger Bannister bater o recorde de correr a milha em menos de 4 minutos, achava-se que o corpo humano não poderia aguentar esse esforço. Médicos e cientistas acreditavam que, se alguém tentasse, morreria. No mês seguinte a Bannister bater o recorde, o recorde foi novamente batido por outro corredor e, nos 3 anos seguintes, caiu mais 15 vezes! O que mudou? A crença. Quando se percebeu que era possível, quando se passou a acreditar que se podia, aconteceu sucessivas vezes. Moscas podem voar a alturas elevadas. Mas, quando as prendemos em um recipiente fechado por um tempo e as libertamos depois, não mais voam acima da altura em que ficaram condicionadas a voar. O que mudou? A crença daquilo que são capazes de fazer, a crença do que é possível. Quantas pessoas tiveram remissões ou curas consideradas milagrosas pelos médicos e pela ciência? Apenas porque escolheram acreditar que a cura era possível, escolheram descartar a crença de que não havia mais nada a fazer.
Acredite no poder de acreditar. A sua crença pode ser o seu único obstáculo, a única coisa que o impede de atingir o seu objetivo. Escolha as suas crenças cuidadosa e criteriosamente. Mantenha apenas as que o elevam. Analise quais correspondem, verdadeiramente, a uma escolha sua e descarte todas as outras que, ao invés, resultam de influências externas - o que os pais/avós acreditam, a opinião dos professores, o que os amigos disseram, o que a comunicações social dissemina. As crenças são demasiado poderosas e determinantes para que concedemos esse poder a alguém mais que nós mesmos. Exerça a sua escolha.