quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Eu e " A Chegada"

 


Há filmes que nos divertem, filmes que nos inspiram, filmes que nos distraem, filmes que nos emocionam, e há filmes, como "A Chegada", que nos levam à reflexão e são verdadeiras obras de arte. Tudo neste filme é absolutamente cativante. A forma delicada como as cenas são filmadas, com momentos que evoluem num vagar harmonioso, perfeitamente coreografado ao som de uma música incrivelmente bela e envolvente, a fotografia, as incríveis paisagens, os atores - que atuação verdadeiramente extraordinária de Amy Adams! - e, não menos importante, a mensagem do filme.
O facto de se tratar de um filme sobre extraterrestres que chegam à Terra, pode deixar algumas pessoas com reservas a assisti-lo. Eu mesma, inicialmente, não me senti motivada para o ver. Mas o filme e a sua temática vão tão, tão além desse assunto e dessa categorização de ficção científica!.. "A Chegada" é, na verdade, um filme sobre entendimento, sobre Amor e sobre o Tempo.

A memória é uma coisa estranha. Não funciona como eu imaginava. Estamos tão presos pelo tempo. Pela sua ordem.

Esta frase que abre o filme contém, em si, a semente de tudo o que o filme representa mas, só no final do filme, ela faz realmente sentido para nós. Isso, só por si, faz parte da genialidade deste filme: explora o tema do Tempo, incorporando aquilo que pretende demonstrar. O Tempo é relativo e, até certo ponto da história, incompreensível. Quando o filme acaba, percebemos a conexão de tudo e o sentido de cada coisa. É um filme para ver, rever, refletir, repensar.

A história começa com a chegada de 12 naves extraterrestres em pontos diferentes do planeta. Louise Banks, uma professora universitária, especialista em Linguística, é chamada pelo exército para, em conjunto com outros especialistas em diversas áreas, descobrir uma forma de se comunicar com os seres da nave e saber as suas intenções. Louise começa, então, a trabalhar de perto com Ian, especialista em Física e Matemática e, aos poucos, os dois vão progredindo no entendimento com os seres extraterrestres. Não será por acaso que Louise e os seres se comunicam por caracteres, na sua maioria com formatos circulares, numa alusão ao círculo como forma infinita, sem começo nem fim, como o Tempo. Simultaneamente, vão surgindo, como flashbacks, cenas de Louise com sua filha.
Louise estabelece com os seres uma relação de confiança: deseja entendê-los, aprender com eles, construir pontes. No clímax do filme, é essa postura que sustenta a fé que a move nas suas escolhas e ações. É essa postura que a leva a entender a diferença essencial entre duas palavras para definir a mesma coisa. A nossa linguagem determina (a forma como vemos) o nosso mundo. No final do filme, percebemos que Louise escolhe o amor. Apesar de todos os pesares, escolhe sempre o Amor.

"Se você pudesse ver toda a sua vida do início ao fim... mudaria alguma coisa?"

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Eu e a experiência

 "A experiência é algo que (nos) acontece e que às vezes treme, ou vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo que luta pela expressão (...)"

" A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca(...) e ao nos passar nos forma e nos transforma."
                                                                                                         Jorge Larrosa

De quantas experiências podemos lembrar-nos? Momentos que nos marcam, que deixam uma impressão entranhada em nós. O que esses momentos têm em comum?
Antes de mais, a nossa absoluta entrega a esse momento. Se a mente vagueia por antes ou depois, a experiência não acontece. A experiência só pode acontecer Agora, Aqui, quando o tempo e o espaço se dissolvem. Mas não acontece por nossa decisão. Não escolhemos o que nos acontece. Somos escolhidos por ela. Podemos decidir ouvir a música, contemplar o pôr-do-sol, a obra de arte, meditar, olhar fundo nos olhos de quem amamos, beijar, mergulhar no mar, ver o filme. Podemos focar a nossa atenção nesse momento. Não podemos escolher a forma como esse momento nos vai afetar. Não podemos decidir "agora vou viver uma experiência". A experiência é sempre inesperada. Toma-nos no arrepio, na emoção, na vibração ou formigamento pelo corpo de formas imprevisíveis ou no simples suspiro.
A quantos concertos já foi na vida? Consegue lembrar-se de todos? De quais se lembra? Quantas vezes viu o sol nascer? Ou esconder-se na linha do horizonte? De quantas se lembra?
Eu lembro-me de muitos concertos a que assisti, de muitas vezes que toquei ou cantei em público, mas lembro-me exatamente daqueles momentos que foram uma Experiência para mim. Foram aqueles em que me esqueci de mim mesma, em que, simultaneamente, me dissolvi no momento e me integrei em algo maior do que eu. Aqueles em que alguma transcendência aconteceu. E nessa transcendência, paradoxalmente, o encontro, nesse "sair" de mim, um "chegar" a mim: a experiência é o catalisador que nos permite aceder àquela fagulha que nos dá vida, que nos anima. A energia que a experiência produz, revolve, em turbilhão, a nossa energia interna, e é nessa identificação de uma com a outra que percebemos a nossa unidade com tudo. Ao mergulhar fundo naquele momento, algo dele permanece em nós e trazemo-lo conosco até à eternidade. A experiência transforma-nos, enriquece-nos, como um espelho, mostra-nos partes de nós que desconhecíamos.
Há pouco mais de uma semana atrás. Sala São Paulo. Concerto para violoncelo de Elgar. Uma obra incrível, intensa, uma das minhas preferidas. Emocionei-me, claro. Arrepiei-me. Fiquei absorvida na escuta, entregue ao momento. Foi especial, mas a experiência aconteceu onde eu não antecipei. "Pinheiros de Roma" de Respighi. Desconhecia esta obra, e desde as primeiras notas senti-me totalmente cativada, encantada. A obra, eclética, leva-nos por diferentes sonoridades, paisagens, sensações. No final, verdadeiramente apoteótico, não contive a emoção. Como uma corrente elétrica, percorreu o meu corpo inteiro. Tansbordou. Reverberou. Avassaladora. Indescritível. Essa é outra característica da experiência: não cabe em palavras, conceitos, descrições. É vivenciada. Única. Inesquecível. Irrepetível. Em nenhuma outra ocasião em que eu tenha a oportunidade de ouvir esta obra novamente, eu poderei repetir a experiência que vivi agora. Se tiver sorte, e souber render-me ao momento, poderei viver uma diferente. E guardá-la no mesmo cantinho especial em que esta ficou.
Abra-se à possibilidade de experenciar. Deixe que a sua atenção abra a fresta por onde a beleza pode entrar, em qualquer das suas formas, e tocá-lo, no âmago do seu ser. E, nesse momento, poderá dizer, sem eufemismo, "Que experiência!.."


P.S. Obrigada, @marcusrojo pela indicação da leitura do J. Larrosa e pelas reflexões em torno deste tema da experiência. Obrigada, igualmente, @stefaniesamara pelas reflexões sobre este tema.

Eu e " O gambito da rainha"

 


Finalmente maratonei a premiada série "Gambito da rainha" da Netflix!
A série desenrola-se durante os anos da Guerra Fria. A pequena Beth Harmon fica órfã após a mãe falecer em um acidente de carro do qual ela própria sai ilesa. No orfanato, conhece Jolene, uma menina mais velha que Beth. No início, têm uma relação conflituosa mas, aos poucos, Jolene vai mostrando a Beth como as coisas funcionam no orfanato e as duas vão criando laços de amizade que, com o tempo, se estreitam. Também é no orfanato que Beth conhece o senhor Shaibel, zelador do orfanato, com quem Beth aprende a jogar xadrez. Shaibel rapidamente percebe a aptidão natural da menina para jogar e incentiva o seu desenvolvimento no xadrez. A menina, tal como todas as outras no orfanato, toma remédios calmantes e começa a perceber que, quando os toma à noite, consegue visualizar o tabuleiro de xadrez acima da cabeça e recriar, velozmente, todas as jogadas. Rapidamente fica viciada nos remédios. Já adolescente, é adotada por um casal. Com muita dificuldade para se integrar na escola encontra, novamente, no xadrez, o seu lugar. Sendo a única menina nas competições e extremamente talentosa, logo ganha destaque. Por se tratar de uma mulher num mundo de homens, ao longo da série, o papel de Beth também assume uma importância na questão feminista. Quando Beth começa a ganhar dinheiro nos torneios, a mãe adotiva começa a apoiá-la e acompanhá-la. As duas têm em comum a compulsão por bebida e medicamentos - o que, em parte da série assume um tema central - e um profundo anseio por liberdade, independência. Beth sonha com o título mundial de xadrez e, pelo caminho, conhece vários personagens, também jogadores de xadrez, que vão ajudá-la nesse percurso. À medida que a história se desenvolve, em flashback, vamos também conhecendo mais a vida de Beth antes do orfanato, o que nos leva a entender a origem de alguns dos seus  comportamentos.
Mais do que uma série sobre xadrez, "gambito da rainha" é uma história sobre como nos libertar de amarras e padrões do passado, de como se pode, sempre, reescrever a própria história e da importância dos afetos e da amizade para que isso possa acontecer. 

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Eu e Terças com Morrie

 



Hoje em dia, quando queremos ver um filme ou uma série, temos várias opções de plataformas que nos permitem alugar ou comprar esses títulos. Inclusivamente, na maioria das vezes, os episódios da série que queremos ver, ficam integralmente disponíveis para ser maratonados de uma ponta à outra, se assim quisermos.
Há décadas atrás, não tínhamos estas comodidades. Se queríamos ver alguma coisa que ia dar na televisão, tinha que ser naquele horário e dia, impreterivelmente, porque não existia repetição noutro canal, noutro dia, a box não gravava e, na melhor das hipóteses, poderíamos encontrar o que queríamos numa Blockbuster ou loja similar, o que significava sair de casa, ir até à loja, procurar o filme, alugar, voltar para casa, ver o filme e percorrer o mesmo caminho de volta para o devolver no dia certo, se não queríamos pagar multa. Eu e o meu irmão fizemos muitas vezes esse caminho. Também nos programamos muitas vezes para poder estar livres e nos sentarmos juntos no sofá em frente à televisão naquele dia naquela hora em que dava o Lost ou a Vingadora.
Nessa época, quando eu queria ver alguma coisa que ia dar muito tarde na televisão, deixava uma cassete no vídeo e, antes de ir dormir, apertava o REC. Claro que gravava o que tinha planeado e também tudo o mais que estivesse na programação até a cassete acabar. Foi numa dessas noites que, acidentalmente, gravei o filme "Terças com Morrie". Que bom que, naquela noite, eu tinha deixado a cassete a gravar! Que pérola de filme, com uma interpretação notável de Jack Lemmon. Quando percebi que o filme era baseado num livro autobiográfico, quis lê-lo. A minha mãe, carinhosamente antecipou-se, e deu-mo de presente de Natal.
"Terças com Morrie" é da autoria de Mitch Albom, um jornalista desportivo que, na faculdade, foi aluno de Morrie Schwartz. Após a conclusão do curso, perde o contacto com o professor. Vários anos mais tarde, vê uma entrevista de Morrie na televisão e descobre que ele tem uma doença incurável (doença de Lou Ghering). Resolve, então, procurá-lo. "Terças com Morrie" descreve os encontros entre o aluno e o professor, todas as terças, abordando os temas mais diversos e essenciais do ser humano, como amor e amizade, vida e morte, a beleza e o valor das coisas simples. "Um curso sobre a vida", como diz o próprio Morrie. O livro e o filme são emocionantes e profundamente inspiradores. Morrie mostra-nos, com a sua enorme sensibilidade, como é fácil ser feliz. De uma forma encantadora, ensina-nos que não precisamos de condições ideais para ser feliz. Mesmo na situação adversa que vive, com dor crónica e totalmente dependente dos outros para tudo, sem poder dançar (uma das suas coisas preferidas) ou saborear as comidas que mais gosta (outra das suas coisas preferidas), encontra sempre formas de sorrir e celebrar a vida.
"Terças com Morrie" é aquele tipo de livro que nos enche de lágrimas mas também de esperança e fé na vida, no amor, nas pessoas. Inesquecível e um livro a que voltamos várias vezes na vida, nem que seja para reencontrar esse ser humano especial: Morrie Schwartz.


Aqui podem ter o prazer de ouvir um pouco dos seus ensinamentos:

https://youtu.be/RtYyT6Hl3ms