quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Coisas que me fizeram parar




O céu da Avenida Faria Lima. 
Sorrio à toa, respiro fundo e agradeço por fazer parte desta Pintura.


quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Eu e o meu irmão

Eu tinha 6 anos e meio quando o meu irmão Pedro nasceu. Tenho uma memória difusa de estarmos no quarto que tinha o papel de parede com desenhos em tom pastel quando me contaram que eu ia ter um irmão. Não me lembro que palavras escolheram para me dizer nem o que respondi mas lembro-me que me senti feliz e animada com a novidade. Também me lembro que fui eu que escolhi o nome: Pedro Miguel. (Espero que tenha aprovado a minha escolha...) As memórias que tenho do dia em que ele nasceu também são difusas. Lembro-me de acordar de manhã e alguém - talvez a Adelaide?- me dizer que os meus pais tinham ido para o hospital porque o meu irmão ia nascer. Faz hoje 32 anos. Tenho uma vaga ideia de entrar no quarto em que a minha mãe estava com ele ao colo. Também recordo que recebíamos visitas que iam conhecer o bebé lá a casa, e do Nero, o nosso dobberman, rosnar a quem tentasse entrar no quarto. Desde o primeiro momento, amei o meu irmão incondicionalmente, o mais próximo que senti na vida do amor que, bem mais tarde, encontrei no meu filho. Era - e continua a ser - com enorme orgulho que dizia "Este é o meu irmão!" Adorava empurrar o carrinho dele para que adormecesse. Sempre o achei a criança mais linda do mundo - posto que divide, agora, com o Mateus. Já um pouco mais velho, quando me batia ou era mais bruto comigo nas brincadeiras, a minha mãe dizia-me "Bate-lhe também, para ele perceber que dói e que não pode fazer isso aos outros", mas eu não conseguia. Achava-o indefeso e tão fofo e o que sempre quis foi protegê-lo. E protegi, da forma que pude e soube. É o meu maninho, como carinhosamente o chamo até hoje. Se tinha que levar a culpa por ele, levava, se tinha de ficar em casa para ele poder sair, ficava. Era com enorme prazer que dividia e partilhava tudo com ele.
Sempre admirei a forma como brincava, construía as suas histórias com os brinquedos e ficava totalmente absorto nesse mundo da imaginação. Eu nunca soube brincar assim, mas sempre brinquei com ele: construíamos tendas e cabanas nos sofás da sala, jogávamos futebol dentro do quarto - para grande irritação e infelicidade do nosso vizinho de baixo -, jogávamos jogos de tabuleiro e de cartas e, mais tarde, passávamos horas a jogar jogos de futebol na PlayStation. Também víamos filmes juntos. É de perder a conta as vezes que vimos os episódios das Tartarugas Ninja, dos Transformers, o filme da Bela e o Monstro, Jack Burton nas garras do mandarim, Regresso ao Futuro  (principalmente o 2), Indiana Jones e Star Wars. Nas férias do verão éramos igualmente companheiros de brincadeiras: na praia, na piscina e em casa, onde aguardávamos ansiosamente que passassem as horas da digestão.
As idas ao cinema eram religiosas para nós. Havia filmes que eu, simplesmente, não ia ver com mais ninguém porque tinha prometido que iria ver com o meu irmão - e ele fazia o mesmo. (Hoje em dia, alguns filmes que entram em cartaz fazem-me sempre pensar "Gostava de ver este com o mano" e tenho a certeza que ele pensa o mesmo.)
Eu sempre fui ver os jogos de futebol das equipas dele e ele sempre foi ver os meus, ou as minhas apresentações/provas de piano.
Sempre fomos cúmplices. De uma forma que nem mesmo nós saberemos explicar. Eu não preciso que me diga nada. Ele sabe tudo o que eu poderia dizer. Parece que, entre nós , as palavras tornaram-se quase desnecessárias: comunicamo-nos de formas subtis e indizíveis. Mesmo quando éramos crianças/adolescentes/jovens adultos, raramente tivemos de combinar o que dizer ou o que fazer para nos protegermos um ao outro (e sempre o fizemos, sem nenhum ter de pedir ao outro). Não raras vezes a nossa mãe dizia "Vocês são impressionantes: se um diz mata, o outro diz esfola!" Podemos ficar semanas, meses sem nos falar, anos sem nos ver, que o nosso amor e cumplicidade permanecem, magicamente, intocáveis. Sei que posso contar com ele e ele sabe que sempre estarei aqui para ele. É uma das pessoas que mais admiro no mundo e, certamente, o melhor homem que conheço: íntegro e puro, com um coração enorme e uma sensibilidade incrível que só quem o conhece bem tem o privilégio de ver. É mérito e conquista dele o ser humano especial que é, mas eu tenho orgulho e privilégio de ter participado da caminhada. Nós dois sabemos o quanto vivemos e crescemos juntos. Nem tudo foi perfeito: também tivemos os nossos momentos de luta em crianças, discussões parvas, disputas para ver quem utiliza o computador, etc, mas não consigo recordar-me de um único momento em que tenha ficado verdadeiramente zangada ou triste com ele. Ele sempre soube ouvir-me, incentivar-me, apoiar-me, às vezes com palavras, e outras à sua maneira, com gestos que recordo com carinho. A única coisa que lamento é não ter estado lá com ele em todos os momentos. Sinto a falta do meu irmão todos os dias, assim como sei que sente a minha, mas enche-me de felicidade vê-lo feliz, mesmo que seja de tão longe. A felicidade dele, a realização dele, é a minha. Hoje, especialmente, por ser o seu aniversário, gostaria de lhe dar um abraço apertado. Como hoje não é possível, abraço-o com estas raras palavras entre nós.


Adoro-te, maninho.
Feliz aniversário.
Que a vida te sorria sempre.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Eu e ser portuguesa

"O grande impedimento para as pessoas "verem" as coisas como elas são é a identificação que criamos com tantas coisas. No momento em que nos identificamos com alguma coisa, toda a mente entende que aquilo tem de ser protegido e trabalha nesse sentido. Na medida em que as identificações aumentam, o drama psicológico aumenta e "veremos" cada vez menos. Em algum momento, não veremos mais nada além disso e vamos afogar-nos nos nossos próprios pensamentos e emoções."

Sadhguru


Uma das primeiras identificações que criamos é com a nossa nacionalidade. Nascemos, por acaso (ou não), em um ponto geográfico específico, com determinadas fronteiras, nome, língua, cultura. Aprendemos a História desse pedacinho de terra: quem pisou ali primeiro, com quem os nossos antepassados lutaram ou não para que essa terra fosse nossa. Há sempre alguns vilões que tentaram (ou conseguiram) usurpar a nossa liberdade ou independência e nós, por outro lado, fomos vilões para outros tantos. (A identificação, nesse ponto, é tão complexa que, ainda hoje, vemos povos que se odeiam, após gerações e gerações de conflitos.) Aprendemos os símbolos dessa terra: bandeira e hino - que, muitas vezes, fala dos tais vilões que, heroicamente, derrotamos - e aprendemos a respeitá-los e até a sentir afeto por eles. Crescemos nesse  lugar e habituamo-nos ao tipo de alimentação, música, hobbies, histórias. Tudo isso começa a fazer parte de quem somos.
Um dia, resolvemos procurar outro pedacinho de terra para viver. Com outro nome, língua,  bandeira, hino, comidas, músicas, histórias e tradições. Logo a nossa mente, que se identifica com o outro lugar e que procura sempre o que lhe é familiar, começa a trabalhar arduamente. Para onde quer que olhemos, lá está ela a lançar-nos alertas "Não, não é assim que deve ser", "Não, não gosto disto" ou "No outro lugar é que é bonito e bom". Tudo se torna desconfortável e desafiante. A nossa identificação ganha força.  Parece que precisamos dessa referência para conseguir manter-nos inteiros ali, nesse lugar desconhecido. Tudo o mais desapareceu, mas ainda sabemos quem somos: somos de lá, do outro lugar onde deixamos (quase) tudo o que amamos. Dá vontade de gritar e bater no peito, com orgulho: Eu sou do outro lugar! As nossas raízes, estendem-se por quantos quilómetros forem necessários para nos manter no "nosso" lugar. No meu caso, cerca de 8000 km. Foi aqui no Brasil que me senti mais portuguesa do que nunca. Comecei a gostar de coisas que nunca me disseram nada enquanto vivia em Portugal, como o fado, por exemplo. Ouvir o sotaque de Portugal na rua fazia o meu coração disparar e ouvir o hino nacional deixava-me em lágrimas. E como era bom comer alguma coisa típica de Portugal, fechar os olhos e imaginar-me a saboreá-la lá. O tempo foi passando e comecei  a sentir-me mais confortável aqui. Aprendi, aos poucos, mais coisas sobre este outro pedacinho (bem maior, por sinal!) de terra, e comecei a gostar de várias coisas daqui e a aceitar com mais serenidade aquelas de que não gosto. Fui percebendo, a pouco e pouco que, ao mesmo que me sentia mais portuguesa, comecei, ainda que isso pareça totalmente paradoxal, a sentir-me cada vez mais uma cidadã do mundo. Não só por estar noutro país, mas por contactar aqui com pessoas de diversos países. Continuo a sentir-me afetivamente muito ligada a Portugal. Amo o meu país, admiro e respeito a nossa cultura, mas percebi que isso não é um factor excludente. Ser portuguesa não faz de mim melhor ou pior pessoa. Mais importante ainda: ser portuguesa, em última análise, não define nada do ser humano que sou. Eu sou quem sou seja em que lugar do Mundo for e "ser portuguesa"  certamente definiu parte das experiências que vivi e parte dos traços de personalidade que, eventualmente, adquiri por força de alguns hábitos e crenças estabelecidos mas entendi que, se me agarro com unhas e dentes a "eu sou portuguesa e isso, para mim, não é assim, não está certo" estou a fechar-me a outra série de experiências e aprendizagens.
Podemos sentir empatia com outras culturas, com pessoas das mais variadas origens, raças ou etnias. Isso não ameaça quem somos: enriquece-nos. Não  nos diminui em nenhum aspecto, mas liberta-nos de amarras que nos condicionam e permite-nos procurar quem realmente somos para além de todo e qualquer rótulo ou identificação que adquirimos com o tempo.  Deixamos de ser quem somos por adquirir uma nova nacionalidade, profissão, nome, peso ou o que quer que seja? Esqueçamos nacionalidade, género, idade, profissão, estado civil, signo ou qualquer outra coisa que achamos que nos define quando  começamos uma frase com "Eu sou...". O que resta? Somos todos feitos da mesma matéria, uma centelha do divino, guiados pelos mesmos ideais de felicidade. Somos todos uma única espécie e todos andamos com os pés na terra, com o céu, lua e estrelas sobre a cabeça. O mar é grandioso em qualquer lado e sempre existirão dias de chuva e dias de sol. Todos habitamos o mesmo pedacinho incrível: o planeta Terra. Não me tornei menos portuguesa: tornei-me mais humana.