segunda-feira, 31 de julho de 2023

155-365

A maioria de nós começou a aprender a andar de bicicleta com alguém a segurar-nos na bicicleta atrás para nos ajudar a equilibrar. Aos poucos, fomos conseguindo equilibrar-nos sozinhos. Depois, vem o desafio de começar sozinho. Aquele primeiro impulso não é fácil, com um pé no chão e outro no pedal, exige força e desafia o nosso equilíbrio inicial. No momento em que impulsionamos, a bicicleta tomba. Quando se consegue dar as primeiras pedaladas, as outras ficam mais fáceis e o equilíbrio estabelece-se à medida que ganhamos velocidade. Tal como quando nos balançamos num baloiço ou giramos naqueles brinquedos de parque infantil. Os primeiros movimentos exigem fisicamente de nós, mas quando o movimento começa a encadear-se, o esforço diminui e é só seguir o fluxo. Também no skate, o gesto de dar impulso é instável, com um pé no skate e o outro a empurrar o chão para trás. Com os dois pés assentes no skate, é mais fácil equilibrar-se. E é assim com tudo: as primeiras palavras numa apresentação ou discurso, as primeiras notas no instrumento num recital, começar a dieta, começar a ler o livro, começar a aprender uma coisa nova, começar a fazer exercício, começar uma vida sem aquele vício.

O primeiro gesto, o que nos tira da inércia, é o mais difícil. Colocar a energia em movimento, é o mais difícil. A inércia empurra-nos para baixo com a força invisível da gravidade, mantem-nos agarrados a ela, estagnados na nossa zona de conforto. Romper a inércia exige força de vontade, mas a boa notícia é que o movimento alimenta o movimento: quanto mais damos passos para que a energia se mova, mais fácil é continuarmos a mover-nos. Não é exagero dizer que, quanto menos fazemos, menos energia temos para fazer, e quanto mais fazemos, mais energia sentimos para continuar a fazer.
(E vão três dias seguidos de exercício físico.)

154-365

Depois de conviver há mais de quatro anos com o nosso cachorro, alguns gestos dele são totalmente previsíveis. A forma como corre para a cozinha cada vez que nos ouve mexer em embalagens e, ao chegar lá, senta-se elegante e educadamente à nossa frente com o olhar que diz "estou aqui...olha para mim tão comportado. Tem alguma coisa aí para mim?" Os latidos quando ouve a campainha da porta ou alguém falar na calçada perto da porta. A forma como aguarda, sentado, enquanto nos deitamos e, depois, como se aninha nas minhas pernas. A forma como reage quando ouve algumas palavras como "banho", "brincar lá fora" ou "vamos". A forma como pula para cima de mim com a bola cada vez que me sento no tapete no chão para fazer as minhas práticas de yoga ou exercício.  Podem dizer-me "os animais são assim: condicionados." Mas eu reflito: quantos dos nossos gestos e palavras de todos os dias não são igualmente condicionados? Quantas das nossas palavras, gestos e reações são conscientes? A única diferença entre o nosso cachorro e nós é que nós temos a faculdade e, por isso, a possibilidade de nos libertar, conscientemente, desses condicionamentos. “Entre o estímulo e a resposta existe um espaço. Nesse espaço está o poder de escolher a nossa resposta. Na nossa resposta encontra-se o nosso crescimento e a nossa liberdade.” (Vitor Frankl) O primeiro passo é aperceber-se de que o automatismo existe, perceber que alguma coisa "amarra" a nossa forma de (re)agir. Comece por questionar por que faz o que faz, por que acredita no que acredita, por que certos "gatilhos" mexem aí dentro. Ao questionar, cria um espaço. Nesse espaço, cria uma possibilidade: escolher de forma diferente da que seria a sua "automática". Não é tarefa fácil: dados científicos comprovam que o nosso consciente corresponde apenas a 5% da nossa forma de operar, e a sua capacidade de processamento de dados é mais de 200 mil vezes inferior à do inconsciente! Pense no consciente e inconsciente como o piloto e o piloto automático. O piloto automático tem a sua utilidade na poupança de energia mas, procure, cada vez mais na sua vida, questionar-se "quem está a escolher o destino?"


domingo, 30 de julho de 2023

153-365

 



Alguns episódios na nossa vida só ganham verdadeiro sentido à posteriori. Steve Jobs falou brilhantemente sobre isso no seu famoso discurso em Stanford https://youtu.be/5BSbOc5VYY8 .
Aos 13/14 anos, eu resolvi abandonar a ginástica artística à qual me tinha dedicado nos 7 ou 8 anos anteriores. Por inúmeras razões e, acima de tudo, por cansaço ou desânimo. Na época, foi uma decisão que me trouxe paz e até alegria: pela primeira vez em muitos anos, tinha tempo de sobra - eu treinava 4 horas por dia de segunda a sábado! - e deixei de ter uma série de restrições na alimentação - "passe livre" nos doces! Essa sensação de liberdade foi, progressivamente, substituída por um vazio, uma falta de metas e sonhos à qual eu não estava habituada. Talvez, no final de contas, não tivesse sido a melhor opção...Passado um tempo, encontrei-me numa encruzilhada no Piano. A minha professora teve uma conversa séria comigo e explicou-me que estávamos a chegar a um ponto sem retorno. Estava muito atrasada no conteúdo para uma prova de final de ciclo e tinha que decidir: ou desistir - e tudo bem, continuávamos amigas - ou arregaçar as mangas e começar a estudar a sério, várias horas por dia. "Desistir"...Aí estava uma palavra à qual eu não pretendia dar espaço outra vez. E o "estudar várias horas por dia", para quem treinava 4 por dia, pareceu perfeitamente aceitável. Resolvi aceitar o desafio, mudámos o repertório e foi nesse momento que, em uma das novas músicas, descobri a poesia da música que me apaixonou.
Entretanto, desde antes de desistir da ginástica, já andava com uma dor forte nas costas. Pensámos que, ao parar o esforço físico da ginástica, essa lesão acabaria por ceder mas o tempo foi passando e a dor ia e vinha, melhorava e piorava, até que começou a só aumentar. Fui ao querido doutor Guimarães, o ortopedista que me tinha tratado na fratura da perna anos antes. Diagnóstico: doença de Scheuermann. "Causada pela ginástica?" "Não, congénita. Mas não poderia ter continuado a praticar, mesmo que quisesse. Vai ter de acompanhar a evolução de X em X meses, fazer fisioterapia e suspender qualquer atividade física por cerca de um ano." E, então, os pontos conectam-se. Eu tive de desistir da ginástica e passar por essa experiência para, depois, não desistir do piano. (E a disciplina da ginástica foi essencial para que eu tivesse disciplina no Piano.) Se eu tivesse saído da ginástica forçada pela minha condição de saúde, acredito que todo o meu percurso tivesse sido outro. "Não podemos conectar os pontos olhando para a frente. Só podemos conectá-los olhando para trás...Tem de confiar em alguma coisa - o seu instinto, destino, vida, karma, o que for - porque acreditar que os pontos se vão conectar em algum momento vai dar-lhe a confiança para seguir o seu coração, mesmo quando isso o tirar do caminho mais conhecido." (Steve Jobs)
Confie no processo. Nada é por acaso. Mesmo quando encontrar um obstáculo no caminho, ou for obrigado a mudar de rumo, ou mesmo quando se sentir perdido, confie no processo. Um dia, tudo fará sentido.

sábado, 29 de julho de 2023

152-365

Já tinha feito algumas práticas de breathwork, conhecia o conceito e algumas práticas de pranayama, mas apenas este ano comecei a mergulhar mais fundo neste assunto fascinante e, principalmente, nas práticas. Os efeitos delas no corpo e na mente são inegáveis e diversos. Além disso, por mais esotérico que possa parecer há, além desses efeitos, práticas de breathwork que nos levam para outros estados de consciência ou, literalmente, para "outros lugares". 

Através dessas práticas, por vezes, temos insights preciosos. 

Há uns tempos atrás, fiz uma prática guiada do Cadu Cassaú. No final da prática, sentei-me ao piano e comecei a improvisar. Aquela pequena combinação de sons que surgiu ali, foi ficando comigo. Fui trabalhando-a, aos poucos. Tempos depois, fiz outra prática guiada do mesmo facilitador. Em algumas práticas de breathwork, é-nos sugerido que firmemos uma intenção para a prática. 

Nesse dia, mais uma vez, por mais esotérico que possa parecer, eu intencionei que a minha criatividade florescesse, "que o que quer que queira expressar-se e fazer-se manifesto através de mim, encontre um meio." No final da prática, sentei-me ao piano e aquela tal música, fluiu. Nas semanas seguintes, trabalhei-a conceptualmente, (inserindo elementos que, para mim, caracterizam a experiência de breathwork, como a energia a fluir, formigamento e sentir as batidas do coração) mas muitos outros trechos dela iam surgindo na minha mente enquanto caminhava na rua (e gravava-os, a cantarolar, no telemóvel, para não os perder). E assim, nasceu esta música. Por mais esotérico que possa parecer...


Aqui fica como convite a três minutos e meio de imersão no som, belas imagens e respiração consciente.

Clique no link para ouvir, e escreva nos comentários que sensações lhe surgiram:


https://youtu.be/u6LTA4mToaU

151-365

 


Desde sempre, com poucos meses de vida, quando vou dar alguma coisa para o meu cão comer, antes de abrir a boca, ele cheira o que lhe estou a mostrar na minha mão. Brincava com ele "não confias em mim?" O facto de ele primeiro farejar o que lhe estou a oferecer, poderia denotar que não confia no que lhe estou a dar, que quer certificar-se que aquilo é seguro e lhe agrada. Mas a verdade é outra: é inequívoco que ele confia em todos nós aqui em casa, mas ele tem uma confiança cega e inabalável na sua sabedoria interna, inata. Há uma inteligência que permeia toda a Natureza, que faz as aves voar em bando, os peixes nadar em cardume, a semente germinar, mantém os nossos corpos em funcionamento, a Terra a orbitar em volta do Sol. Essa mesma inteligência inata, faz o Théo cheirar tudo o que lhe dou, espreguiçar-se sempre que se levanta, jejuar quando se sente doente, abanar o corpo para equilibrar a energia ou regular a respiração sempre que sente necessário. Nós, seres humanos, somos parte dessa Natureza e essa mesma inteligência inata também nos permeia. Mas andamos esquecidos dela. Ou não confiamos nela. Esses mesmos gestos do Théo, de perceber o que nos faz bem ou não, de movimentar o corpo para o manter equilibrado e alinhar a energia, de jejuar quando necessário, deveriam ser mantidos por nós. Seremos mais saudáveis e emocionalmente equilibrados se reaprendermos a ouvir o nosso corpo e a nossa intuição. Eles sabem. Acredite.

150-365

 


Lembro-me da primeira vez em que uma pessoa me disse "vieram-me as lágrimas aos olhos quando te ouvi tocar piano." Lembro-me exatamente de onde foi, quem foi, e do momento em que ela me disse isso, com os olhos marejados, a dar-me os parabéns e a agradecer por lhe ter proporcionado uma experiência especial.
Eu apaixonei-me pela música quando percebi que ela era uma forma de me comunicar, de me conectar primeiro comigo e depois com os outros. E a minha querida professora sempre me disse "se tu te emocionares, os outros também se emocionam". Eu percebi na música essa ponte entre o que eu sinto e expresso e o que os outros recebem e sentem. A música - e a arte, em geral - é uma forma de linguagem mais pura do que as palavras. São emoções que geram emoções. Sem intermediário, sem conceptualização. É uma ponte direta entre quem expressa e quem contempla ou usufrui. Essa é a grande magia da música (e da arte). O mais curioso é que numa sala de espetáculos, em que cem pessoas ouvem a mesma música, os mesmos sons podem ser entendidos e sentidos de cem maneiras diferentes. Cento e uma, incluindo o intérprete. Ainda assim, as cem pessoas vão poder ter aquela rara sensação de pertencimento com que a música nos une. Cem consciências voltadas ao mesmo tempo com plena atenção àquele preciso momento. Cem pessoas envoltas naquele mesmo som e mergulhadas naquele mesmo silêncio. Quando me dizem "chorei ao ouvir-te tocar", sinto que a música cumpriu o seu propósito: algo de mim chegou a quem me ouviu, e quem me ouviu, chegou a algo de si.
Nunca foi sobre aplausos. Sempre foi sobre conexão. Sempre foi sobre partilhar com os outros uma forma de chegar a lugares onde as palavras não nos levam.

sexta-feira, 28 de julho de 2023

149-365

(Ainda sobre impossíveis...) Comecei a andar de bicicleta com 3 ou 4 anos. Com 5 já andava sem rodinhas. Mas nunca, em 42 anos de vida, consegui andar sem a ajuda das mãos. Fui tentando algumas vezes, mas perdia o equilíbrio nos primeiros segundos. Parecia-me completamente impossível! Quando via outras pessoas a pedalar tranquilamente por incontáveis metros sem precisar da ajuda das mãos para se equilibrar eu simplesmente não entendia como aquilo era possível.
Na semana passada andei duas vezes de bicicleta. No primeiro dia, reparei que o meu filho, que é canhoto, quando segura com uma mão só, elege a direita, e eu, que sou destra, elejo a esquerda. Achei o facto curioso, e comecei a andar com uma mão só, mas a direita. Depois de ficar confortável e trocar de uma para a a outra, arrisquei começar a tirar ambas as mãos. Pela primeira vez na vida, consegui manter o equilíbrio por uns míseros mas muito celebrados por mim 5 segundos. Foram suficientes para eu adquirir uma nova crença: isto é possível! Fui tentando, e aconteceram algumas sequências de 3, 4, 5 segundos. No segundo dia, comecei a tentar e lá foram aparecendo os mesmos cerca de 5 segundos. Resolvi, então, começar a respirar pelo nariz, manter a respiração consciente, tranquila. E sempre com a crença "eu consigo fazer isto." Os 5 segundos passaram a 10. Comecei a prestar atenção no corpo, no movimento das pernas, na melhor forma de manter o equilíbrio, ao mesmo tempo que mantinha o foco na respiração nasal e cadenciada. Terminei o dia com inacreditáveis 45 segundos sem precisar da ajuda das mãos, conseguindo, inclusivamente, desenhar uma leve curva.
Não há impossíveis. 

148-365

 


Um dia destes, fui com o meu filho ao parque andar de bicicleta. Estávamos na ciclovia, o Mateus à minha frente e, quando nos cruzámos com uma bicicleta familiar (em que duas pessoas pedalam e outras 2 crianças podem ir acomodadas) que vinha na outra direção, eu ouvi a voz de uma menina gritar eufórica "Era o Harry Potter!! Mãe, eu vi o Harry Potter!!" Não é a primeira nem segunda nem terceira vez que comparam o Mateus ao ator que interpreta Harry Potter. Ele, embora fã da saga, não fica particularmente feliz. Mas desta vez, eu disse-lhe o quão encantada aquela menina ficou por acreditar que tinha acabado de passar pelo Harry Potter a andar de bicicleta no mesmo lugar que ela! Acreditar que o viu de tão perto. Pouco importa se o Mateus não é o Harry Potter, porque para aquela menina, era, e isso fê-la genuinamente feliz. Lembrei-me de como eu fiquei maravilhada quando tinha uns 4 anos de idade e um professor meu atirou uma corda ao ar e nos disse "Olhem aqui um pedacinho de nuvem na corda!" Ninguém viu realmente nuvem ali, mas todos acreditámos que estava lá e, por isso, parecia-nos que a corda estava mais clara naquele lugar e gritávamos "Viste?! Viste?!" com aquele brilho nos olhos que as crianças têm melhor que ninguém. Não era nuvem ali, mas aquele momento fez-nos acreditar que é possível tocar o céu, fez-nos acreditar que não há impossíveis. Não era o Harry Potter ali, mas talvez agora a menina acredite que a Magia é real. E eu espero que continue a acreditar, mesmo quando perceber que era só um menino parecido com o Harry Potter. Porque a Magia existe e realmente não há impossíveis nesta vida.

quinta-feira, 27 de julho de 2023

147-365

Nós, seres humanos, somos a única espécie em todo o planeta que é bípede. E não desperdiçamos essa faculdade: caminhamos em duas pernas.
Somos a única espécie que possui destreza na mão graças à mobilidade do nosso polegar opositor e dos restantes dedos em direção ao polegar. E não desperdiçamos essa faculdade: utilizamos as mãos para realizar todo o tipo de tarefas no dia-a-dia.
Somos a única espécie, dita, racional. E não desperdiçamos essa faculdade: há mais de 200 mil anos que inventamos, descobrimos, inovamos em todas as áreas, e todos os dias recorremos à nossa racionalidade.
Somos a única espécie que se comunica através da fala. E não desperdiçamos essa faculdade: incontáveis palavras são ditas e escritas todos os dias.
Somos a única espécie que, tanto quanto se sabe, tem a faculdade de, conscientemente, manipular a sua respiração. Mas nem sempre estamos sequer cientes dessa capacidade extraordinária e, muito menos, recorremos a ela. Por vezes, bastam poucos minutos de respiração consciente para mudar o nosso estado mental e anímico.
Somos a única espécie que tem o incrível privilégio da contemplação. Mas estamos tão imersos na correria, na rotina, nos afazeres que, muitas vezes, não nos permitimos parar por alguns minutos para observar. Contemplar a Beleza, seja na Natureza ou em uma obra de arte, muda a nossa percepção do mundo, de nós mesmos. A Beleza proporciona um Encontro consigo mesmo. A Beleza cura.
Somos a única espécie que tem em seu poder a evolução da sua consciência. A única espécie que tem a capacidade de se perceber a Si mesma. Mas estamos tão ocupados a resolver problemas quotidianos que sequer paramos para pensar "quem sou eu?"
Somos a única espécie que, conscientemente, pode estabelecer uma conexão com Deus. Mas não temos tempo para isso, e a sociedade criou-nos uma versão tão deturpada de Deus que, por vezes, mal conseguimos dizer essa palavra, quanto mais parar para perceber que Ele é sinónimo de tantas outras: flor, pôr-do-sol, pássaro, mar, lua, amor.
Não desperdice as suas extraordinárias capacidades. Respire calma e conscientemente enquanto contempla um belo pôr-do-sol e sinta, em cada centímetro quadrado da sua pele o privilégio que é estar aqui e, então, talvez perceba que tudo aquilo que procurava fora, já estava aí dentro. Até mesmo Deus...

146-365

 




















Adoro estas árvores com flores vermelhas que se assemelham a escovas de garrafa! Parecem enfeites pendurados nas árvores. Quando passo por elas, lembro-me de árvores de Natal. Além da árvore ser lindíssima, passar perto dela, faz-me sentir que comungo de uma celebração da Natureza. Hoje parei em baixo de uma. Daquela perspetiva, as flores não parecem escovas. Parecem-se ainda mais com enfeites na árvore. Balançavam com o vento, como se dançassem.
Se olharmos à volta, vemos a Natureza expressar-se de diversas formas. E, se prestarmos atenção, é como se ela falasse connosco. Se ouvirmos com o coração, são como sussurros de Deus.


145-365

 




Hoje passei por um ipê amarelo "bebé". As flores são lindas e perfeitas como num ipê "adulto". A diferença é que a árvore tinha mais ou menos a minha altura e um aspecto frágil. Uns metros à frente, estava um ipê roxo "adulto", enorme. Mal conseguia abraçar o tronco com os braços! (O ipê amarelo, qualquer um poderia arrancar com as próprias mãos.) Pensei em quantos anos separam as duas? Por quantas intempéries aquele imenso ipê roxo passou até atingir aquela grandiosidade? O pequeno e singelo ipê amarelo não faz ideia do caminho que o espera, das chuvas, ventos e sol escaldante que vai enfrentar até se tornar uma enorme e frondosa árvore, como o roxo. Mas aquela pequena árvore já tem, em si, tudo o que precisa para, um dia, ser uma árvore esplendorosa como o outro ipê roxo. As suas raízes estão, dia a dia, a espalhar-se e fincar-se mais fundo na terra. Os seus arbustos estão, dia a dia, a crescer em direção ao céu. O pequeno ipê amarelo já é o incrível e magnânime ipê amarelo que veremos no futuro. Ao passar por ele e, momentos depois, pelo roxo, foi como viajar no tempo: vi a sua futura manifestação. Assim é com cada um de nós: já temos em nós tudo o que precisamos para, um dia, manifestarmos a melhor versão de nós mesmos. Por mais frágeis que estejamos, por mais que pareça impossível evoluir da situação atual para uma melhor versão no futuro. Nós já somos exatamente tudo aquilo que nascemos para ser. Às vezes só temos de nos lembrar disso - e esquecermo-nos de quem não somos - para podermos Crescer.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

144-365

 


Nunca estive no lugar errado.
Quando tinha 3 anos e os meus pais estavam à procura de escola para me inscrever, matricularam-me na escola em que fiquei até entrar na Faculdade e onde comecei a estudar piano porque naquele preciso momento, alguém desistiu da vaga, e os meus pais aproveitaram. Quando tinha uns 7 anos e resolvemos que eu ia deixar a ginástica do Benfica, tínhamos duas opções em mente: o Lisboa Ginásio Clube e um outro clube. Esse outro, lembro-me bem que o procuramos durante uma tarde, para a frente e para trás, sem dar com ele de maneira nenhuma. Os meus pais sentiram que aquilo era um sinal, e matricularam-me no Lisboa Ginásio Clube. Era o clube que eu sempre quis porque tinha grande admiração por algumas ginastas de lá e pela treinadora. No LGC fui campeã regional e nacional. Ah, e os treinadores do tal outro clube, acabaram por, poucos anos depois, ir treinar o Benfica (de forma catastrófica para a maioria das ginastas de lá.)
Quando entrei na Escola Superior de Música de Lisboa, nunca pensei ficar na classe do professor que fiquei. Quando distribuíram os alunos pelos professores, éramos 7: 3 ficaram com uma professora, dois em outro professor e eu e um colega no terceiro professor. Semanas depois, um aluno do outro professor que não o meu desistiu da vaga. Foi preciso que ele se tivesse primeiro matriculado para que eu ficasse na classe do meu professor. Não teria sido a minha primeira escolha, mas foi a melhor coisa que me aconteceu. Foram anos de excelente convívio e, acima de tudo, muita, muita aprendizagem e crescimento.
Nunca estive no lugar errado. Sigo em frente segura de que alguma coisa, alguma Força maior sempre guia os meus passos. 

quarta-feira, 19 de julho de 2023

143-365

 


Esta semana fomos ao parque e, ao caminhar na relva, lembrei-me da primeira vez que o Mateus sentiu a relva nos pés. Tinha um ano. Ficou parado. Estático. A ensaiar caretas. Depois, ganhou coragem e começou a caminhar lenta e cuidadosamente, levantando muito os pés a cada passo, e parando a cada segundo. Como se estivesse a saborear a relva, a pouco e pouco, a tentar perceber se estava a gostar ou não da experiência. Em poucos minutos já corria e gargalhava! Embora cada vez que caísse, fizesse caretas ao sentir a relva nas mãos. Eu adoro sentir a relva nos pés, deitar-me nela a olhar para o céu, sentir as pontinhas das folhas na palma da mão, sentir o cheiro da relva. Mas o que para mim é relaxante, revigorante, para outras pessoas é desagradável. Assim como adoro ver o mar! Entrar na água, então, é um absoluto bálsamo para a minha energia! Mas há quem tenha fobia de água, quem fique desconfortável ou mesmo assustado. Não há receitas mágicas. O que funciona para uma pessoa, não necessariamente funciona para outra. Não é a pessoa que tem que se encaixar numa solução, mas é a solução que se encaixa na pessoa. Todos temos coisas que nos energizam, que nos renovam o ânimo, e é preciso descobrir quais. É imperativo que o investiguemos, e que o façamos da mesma forma que o Mateus fez quando tinha apenas um ano: experimentando, tentando, sem pressa, abrindo-se às experiências. Sem ideias pré-concebidas, sem bloqueios, sem julgamentos. Procure na Natureza. Quando nos conectamos com a Natureza, o nosso eixo alinha-se. Porque nós e a Natureza somos feitos da mesma matéria. Somos partes distintas do mesmo Corpo. Percebê-la, é perceber-se. Deixar-se envolver por ela, é diluir-se no Todo. E quando nos percebemos parte do Todo, tudo se encaixa.

terça-feira, 18 de julho de 2023

142-365




Crescemos a ver animações da Disney, filmes e telenovelas em que "Fim" aparece após o casamento dos heróis da história. Somos levados a acreditar que depois do casamento vivemos "felizes para sempre." Mas o que não nos mostram nem ensinam é que o casamento é apenas o começo do caminho. E não é um caminho linear, aberto, repleto de flores e rosas, com dias sempre bonitos e solarengos. Na verdade, é um caminho cerrado que vamos abrindo juntos, construindo juntos, desbravando juntos, contornando ou retirando obstáculos quando necessário. O amor não é um ponto de chegada: é só o ponto de partida. O amor é dar as mãos e decidir trilhar um caminho juntos. É aí, nos primeiros passos, que tudo realmente começa. E não é fácil, porque cada um tem a sua forma de caminhar, o seu passo, a sua ideia de como abrir o caminho, o seu tempo de pausa, a sua evolução. Nem sempre vamos estar exatamente lado a lado, e nem sempre vamos concordar facilmente sobre que caminho seguir. Nem sempre vamos ter o mesmo ânimo. Por vezes, os dois correm juntos e, outras vezes, um carrega o outro. É por isso que o amor é, acima de tudo, uma escolha, uma decisão: amar é continuar, permanecer, é dar as mãos e não largar, mesmo quando está difícil, principalmente quando está difícil. Porque é aí que o amor se fortalece, floresce, é aí que se cresce. Quando se vê o amor como ponto de chegada, ele é facilmente abalado em qualquer contrariedade. Quando surge a dificuldade, descarta-se para encontrar um novo, porque queremos o "felizes para sempre". Queremos "o fim". Mas o amor está no meio, no caminho. O amor é ponto de (part)ida.


(Há 14 anos a caminhar juntos, de mãos dadas.)

sexta-feira, 14 de julho de 2023

141-365

 


Um dos maiores desafios da vida é lidar com o medo. E o medo, nada mais é do que uma antecipação de um desfecho que se prevê negativo. Mas apenas podemos antever esse desfecho negativo no futuro porque já o vimos acontecer no passado. Então o medo é uma projeção que fazemos de um evento passado num evento futuro. Percebi isso em tenra idade. Quando comecei a praticar ginástica artística era uma alegre e totalmente inconsequente criança. Todos os movimentos novos eram uma alegria! Eu não era corajosa. Eu apenas tinha uma total ignorância acerca das possíveis consequências das minhas acrobacias. O problema começou quando eu fui caindo aqui e ali, ou fui vendo os outros a cair, ou fui ganhando consciência do que realmente estava envolvido em determinados processos. Rapidamente, aquela sementinha do medo foi criando raízes. O que antes era pura diversão e aventura, começou a ter uma sombra de "e se" 's atrelada: "e se eu escorregar?", "e se o pé/mão 'escapar' ". O mais difícil era ter uma queda feia em algum exercício e ter de o executar novamente poucos minutos depois. O passado parecia presente demais para seguir adiante com o futuro daquele movimento. Muitas vezes estagnávamos, entre a vontade de conseguir e o receio de falhar. E assim é na vida também. Porque temos receio de nos entregar? De amar? De perdoar? De criar uma coisa nova? De mudar? Por eventos passados que se intrometem no nosso presente. Se fôssemos aquela alegre criança pequena ancorada no Presente e que não projeta futuros, seria fácil. Mas a verdadeira coragem é ousar agir contra toda e qualquer possibilidade que se nos apresente. A verdadeira coragem é escolher agir mesmo que seja para errar, cair, falhar. Porque - e isso eu também aprendi na ginástica - ninguém aprende sem cair algumas vezes. Todas as quedas trazem uma lição. A queda não acontece para nos bloquear, para nos fazer desistir, mas para nos mostrar o caminho certo, a melhor forma de lá chegar. A verdadeira coragem é, apesar de saber que existem inúmeras razões e possibilidades de a coisa não correr bem, escolher acreditar que o melhor cenário também é possível.
Para quê tanto medo? Na pior das hipóteses, ganhamos experiência e aprendizado que pavimentarão o nosso caminho. Na melhor das hipóteses? Não há limites para onde a coragem nos pode levar.

140-365

 


Há momentos marcantes na nossa vida em que sentimos uma felicidade extasiante, que nos faz flutuar. Aquele beijo, aquele concerto, aquela conquista profissional, o nascimento de um filho. Momentos únicos e inesquecíveis que nos tiram completamente do chão! E há momentos aparentemente banais, em que a felicidade nos preenche por completo, vinda não se sabe de onde. Porque o vento fez balançar as folhas, porque a lua nos sorriu, porque o ar entrou nos nossos pulmões ou o coração bateu no peito, porque sentimos o perfume das flores, porque a nuvem dançou no céu, ou a água correu para nosso deleite. Ou por uma mera sensação. Apenas porque parámos um segundo, percebemos o mundo à nossa volta e o percebemos inteiro dentro de nós. E isso fez-nos sentir profundamente gratos por ter o privilégio de estar Aqui. Essa felicidade agarra-nos ao chão. Faz-nos enraizar em nós mesmos. Nela, percebemo-nos como uma parte de tudo o que nos rodeia, e percebemos tudo o que nos rodeia como parte de nós.
Guardo na memória todos os momentos incríveis que me fazem flutuar, mas percebo cada vez mais que a felicidade mais autêntica encontra-se é nestes momentos de pé no chão, em que ela nos visita sem razão aparente (ou por todas as razões aparentes). Só porque estávamos receptivos à sua chegada, de coração aberto. Já dizia o genial Guimarães Rosa “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria… Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos… Essa… a alegria que ele quer.” Essa, a felicidade que, nas palavras do mesmo autor "se acha é em horinhas de descuido". 

terça-feira, 11 de julho de 2023

139-365

 


O Mateus tem umas caixas cheias de todo o tipo de peças de lego. São aos milhares, de todas as formas e cores! Ontem, ele quis remontar uns robots e pediu a minha ajuda. Como eu não tenho o menor jeito nem criatividade para montar essas coisas, eu fico com a tarefa de procurar a matéria-prima: as peças necessárias. Virámos a caixa e começamos a operação. Ele precisava de umas peças muito específicas, pretas, para encaixar os braços e pernas do robot. No meio daquele oceano de peças, parecia quase uma missão impossível encontrá-las. Mas foi aparecendo uma, e outra, e os robots foram ganhando forma. Até que ele me perguntou "por acaso viste por aí uma peça parecida com esta?" E eu respondi "não faço ideia, estava focada naquelas pretas, então nem reparei bem no resto que me ia passando pelas mãos." E essa frase, fez-me parar. O meu foco e atenção estavam naquelas peças pretas. Única e exclusivamente. Tudo o resto passava-me diante dos olhos como um emaranhado ao qual eu nem procurava dar forma ou sentido. Eu só "via" as peças pretas. Embora dezenas de peças me passassem pelas mãos e visão, eu não "absorvia" nenhuma a não ser que se assemelhasse minimamente com aquelas que eu tinha escolhido observar. As outras simplesmente deixaram de existir para mim naquele momento. Estavam à minha frente, mas eu não as percebia.
Fazemos isto todos os dias, na nossa vida, sem refletir. O que é que está na nossa realidade? O que é que vemos à nossa volta? O que é que aparece diante dos nossos olhos? Passam milhares de "peças" por nós todos os dias, mas nós não vemos. Apenas reparamos naquilo que a nossa atenção permite. É a nossa atenção que gera as lentes através das quais vemos a realidade. Somos co-criadores de tudo o que aparece na nossa vida. E isso é uma boa notícia: temos o poder de mudar tudo. Começa com uma decisão: em quais "peças" quero colocar a minha atenção? O que é que eu escolho ver?

segunda-feira, 10 de julho de 2023

138-365

 


Já há vários anos que absorvi uma grande verdade da qual, para meu próprio bem, tento relembrar-me constantemente: não podemos esperar dos outros o que eles não nos podem dar. Cada um dá o que é e o que pode e sabe (em determinado momento). Quando criamos falsas expectativas, que não correspondem à realidade do que o outro é, estamos a sentenciar-nos a constantes decepções. Não quero com isto dizer que temos de ser pessimistas e esperar o pior dos outros, ou não esperar nada de ninguém. A questão é esperar as coisas certas das pessoas certas. Por exemplo: não posso querer que todos os meus alunos tenham a mesma atitude, postura e resultado. Porque eles são todos diferentes! De alguns espero progressos semanais, de outros apenas que evoluam na aula e progridam, a pouco e pouco, dessa forma. Também não espero atitudes iguais dos meus amigos ou familiares, porque todos são diferentes. Não posso esperar de A as atitudes de B porque A não é B. Aliás, dei por mim a refletir novamente sobre este assunto quando percebi que uma das mensagens mais bonitas e carinhosas de "feliz aniversário" que recebi veio de uma querida amiga que, precisamente, nesse dia, estava a passar por uma dolorosa perda. Ainda assim, dedicou uns minutos do seu dia difícil para derramar amor naquela mensagem. Como tem feito, aliás, ao longo destes anos em que vivo fora. Sempre presente. Além de quaisquer expectativa que eu tivesse quando vim para o Brasil.
É preciso tentar entender quem é o outro, e tentar encaixar as nossas expectativas nessa realidade. Normalmente fazemos o oposto: criamos expectativas baseadas em uma realidade que nós mesmos idealizamos. Um enorme castelo de cartas! Eu acredito que andamos todos aqui a dar o nosso melhor. A questão é que, muitas vezes, padronizamos ou generalizamos o que seria esse "melhor". Só que o melhor de cada um é, literalmente, o melhor de cada um. A nossa tendência é esperar ou querer do outro o que é o nosso melhor, e não o deles: o que nós faríamos, o que nós seríamos naquela situação. (Ou pior: exigir ainda mais dos outros do que nós mesmos sabemos dar!) Mas é o outro que está ali. Não nós. Da mesma forma, por vezes, os outros também se decepcionam connosco porque nos julgam pelos seus padrões, julgam-nos por quem eles são ou por quem gostariam que fôssemos. Mas nós somos só quem somos. E o outro é só quem ele é. Não é dever do outro corresponder às nossas expectativas, assim como não é nosso dever corresponder às dos outros. As expectativas, de parte a parte, são obstáculo ao entendimento. O mais bonito de se amar alguém é saber aceitar o outro por inteiro. Não apenas as partes boas, não apenas "quando" ou "se" (corresponde às nossas expectativas), mas sempre.  Amor incondicional é um dos mais belos pleonasmos da Língua Portuguesa.

domingo, 9 de julho de 2023

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Festival de Inverno de Campos do Jordão é sempre uma boa oportunidade para visitar a Sala São Paulo. E não poderíamos ter escolhido dia mais simbólico: hoje a Sala comemora 24 anos de existência. Quase meio século a brindar São Paulo com o melhor da música, e em condições privilegiadas: é, sem dúvida, uma sala de concertos muito especial. Impressiona pela estética, pela beleza única e pela fantástica acústica. Hoje aproveitamos o Boulevard que liga a lindíssima Estação da Luz ao estacionamento da Sala São Paulo de forma prática e mais segura.
Ouvimos Wagner e Shostakovich. Excelente música, e primorosamente interpretada pelos jovens da Orquestra do Festival. Infelizmente, por se tratar de um concerto gratuito, o público não foi dos mais fáceis. Logo no primeiro minuto de Prelúdio e Morte de Amor (de "Tristão e Isolda", de Wagner), exatamente no primeiro silêncio dramático da música, começou a tocar incessante e gritantemente um alarme de telefone que se assemelhava a um alarme de incêndio. O maestro baixou os braços, encarou a orquestra, esperou que o silêncio se reinstalasse, e recomeçou a música! Nunca antes na minha vida tinha visto tal coisa. E foi, sem dúvida, a melhor opção. Pelo meio, tivemos de lidar com dois bebés de meses que resolveram interagir entre si durante "Tristão e Isolda". O Mateus segredou-me discretamente "Eles estão a dialogar!.." Sim, dialogaram e expressaram-se muito para além do que seria desejável. Isto sem mencionar as terríveis tosses barulhentas que parecem atormentar qualquer sala de concertos seja lá em que lugar do mundo for. Poderia ter ficado chateada, irritada com aqueles percalços, mas fiz uma escolha consciente de simplesmente curtir a música, trazendo o meu foco de volta a ela a cada vez que alguma distração surgisse. E, assim, pude aproveitar mais de uma hora de música incrível e vibrante. Temos sempre uma escolha. Apesar e além de todas as circunstâncias. Temos sempre uma escolha. É preciso escolher sempre o que nos faz bem, o que nos faz felizes. Saímos de lá a rir das situações caricatas que ali presenciamos e inspirados e emocionados pela força da música russa que tínhamos acabado de ouvir. Valeu a pena.

sábado, 8 de julho de 2023

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Caminhava pela rua, junto a duas árvores grandes, quando vi a esvoaçar o que me pareceu ser uma borboleta branca. Logo em seguida, outra. E mais outra. Estranhei porque só as via descer e não subir, então, comecei a olhar para o chão e percebi que não eram borboletas. O chão estava coberto daqueles pequenos pedaços do que parecia, afinal, visto mais de perto, ser um plástico. Curiosamente, ao vê-los de perto, pareciam ter um pequeno coração dourado no meio. Desta vez não eram borboletas, e nem consegui sequer descortinar o que era, mas valeu um bonito espetáculo pelo ar - lembrando-me da célebre cena do saco de plástico no filme "Beleza Americana" - e uma foto peculiar.

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É preciso dar o primeiro passo. Para começar a perder peso, para aprender uma língua nova, para mudar de carreira, para mudar de visual, para correr uma maratona, para começar a acordar cedo, para encontrar um novo amor, para mudar de cidade, para ter um filho, para mudar de casa, para ler um livro, para perder o medo de alguma coisa, para montar um projeto, para concretizar aquela viagem, para fazer aquele curso, para largar aquele vício, para mudar hábitos de alimentação, para melhorar a saúde, para iniciar uma nova atividade física, para nos tornarmos melhores. Não basta pensar, idealizar, esperar, planear. É preciso agir. E basta um pequeno passo para começar. Pequenos gestos, reiterados, operam grandes mudanças. Às vezes, olhar apenas para o resultado final, gera-nos inércia, desânimo. "Como vou conseguir perder 20kg?!", por exemplo. 20kg parece muito. Parece impossível de alcançar. Ou correr X quilómetros. Ou escrever um livro. Essa dificuldade deixa-nos estagnados, sem forças para seguir com o objetivo. Mas se dividirmos esses 20kg em X quilos por mês (ou os quilómetros em X quilómetros a cada semana, ou livro em X páginas por dia), a missão parece mais acessível. "Acho que consigo perder 2kg este mês." Comece por dividir o seu objetivo em pequenas etapas, desafiadoras mas possíveis. E, então, com coragem e determinação, dê o primeiro passo. Ainda que seja um passo de bebé. Qualquer passo que comece a tirá-lo da inércia, é válido. O primeiro passo pode ser tão simples mas tão significativo quanto "Hoje, eu escolho não me render. Escolho levantar-me de manhã e fazer algo por mim." Vá aprendendo com os erros e construa a sua autoconfiança em cima de cada etapa conquistada.
Não espere. Tente. Arrisque. Hoje. É preciso dar o primeiro passo. E, embora possamos ter ajuda, inspiração, apoio, ninguém vai fazê-lo por nós. 

sexta-feira, 7 de julho de 2023

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Em criança/adolescente tive o enorme, imenso privilégio de estar num palco a cantar a 3a e a 8a Sinfonias de Gustav Mahler. Não, naquele preciso momento, não tive a noção do quão privilegiados eram aqueles momentos. Do quão especiais, sim. A sensação de estar naquele palco, particularmente na 8a Sinfonia, é indescritível. Ser uma pequena parte integrante de toda aquela vibração sonora, de toda aquela energia! Totalmente absorvida naquele momento. Inesquecível. Ainda hoje, ao ouvir a parte final da 8a Sinfonia, com as palavras de Goethe "Alles Vergängliche/ Ist nur ein Gleichnis", todos os poros da minha pele se eletrizam e arrepios percorrem a minha espinhappp. Durante a gravidez, ouvi muitas vezes essa parte específica da Sinfonia. Dizem que os bebés se acalmam quando ouvem os sons a que foram expostos na gravidez. E, de facto, era impressionante como, ao som de uma magistral obra com cerca de mil músicos em palco, o Mateus, tranquila e serenamente adormecia. Aquela música fantástica marcava presença na nossa vida. Há tempos que não a ouvia. Hoje, aniversário de Mahler, foi um excelente pretexto para a revisitar.
Podem ouvir aqui:

https://youtu.be/uYM54vhLYTU

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Nesta última semana temos tido o canal SIC Internacional aberto. Não acompanhei as novelas, por isso, não percebo os enredos, mas gosto de ver os lugares, as paisagens, e é bom rever caras conhecidas, vozes familiares. Algumas pessoas estão quase iguais e, em outras, o tempo vai deixando as suas marcas. Ao longo da programação, vão aparecendo velhos conhecidos: Rodrigo Guedes de Carvalho, Júlia Pinheiro, Diana Chaves, João Baião, Ana Marques. É interessante ver as notícias dadas de outra forma, com outra visão do mundo, do outro lado do oceano. Somos brindados com alguns programas de variedades. Aqueles típicos em qualquer país, com conversas amenas, convidados famosos, histórias "lamechas" de "gente como a gente", dicas sobre todo e qualquer assunto. Em algum programa desses, o Marco Paulo era o homenageado. Esse ícone da música popular portuguesa de que a minha avó tanto gostava e que nos rendia, a todos, muita diversão em festas populares! Nunca fui fã dele, mas gostei de o rever. Tive uma surpreendente reação de "Olh'ó Marco Paulo!..", como se de um vizinho ou ex-colega de escola se tratasse. Lembrei-me de uma conversa que tive com um amigo há anos atrás sobre ser emigrante. De como ambos tínhamos a mesma percepção: coisas banais ganham outro significado. Uma comida, um pão, uma outra pessoa a falar com o nosso sotaque, uma reportagem na televisão sobre qualquer coisa de Portugal, ouvir o hino nacional é capaz de nos levar às lágrimas! E damos por nós, inclusivamente, a tolerar ou até a ficar felizes por ouvir músicas de que nem gostávamos. Mas, ao ver agora a SIC Internacional, percebi que esse nosso nível de tolerância não é tão alargado. Por mais saudades que tenha de casa, do meu país, há algumas coisas a que não consigo assistir. Alguns (pretensos) programas de humor e, principalmente, a programação de domingo à tarde. Não consigo ver mais do que alguns minutos...É verdade que há gostos para tudo, e a SIC Internacional pretende ser um espaço democrático, que leva um pouco de tudo a todos os que estão fora do país. E nós, aqui espalhados pelo mundo, agradecemos. Ainda assim, perdoem-me os fãs desses programas e perdoe-me a SIC a quem realmente estou grata por trazer um bocadinho de Portugal até mim, mas lembrei-me de uma frase que a minha professora de História da Música costumava dizer: "gostos não se discutem...lamentam-se."