domingo, 31 de dezembro de 2023

210-365

 


Ao entrar num novo ano, todos temos tendência a começar uma corrida. Corremos atrás daquela boa forma física, da promoção no trabalho ou de um trabalho novo, atrás de um novo amor, de uma nova casa ou carro, corremos atrás de melhores hábitos, de comer melhor, dormir melhor, de ler mais, corremos atrás de números mais expressivos na conta bancária. Como em qualquer corrida, começamos com ânimo, passadas largas, confortáveis, confiantes. Corremos, corremos, com os olhos fixos no nosso objetivo que está em algum lugar lá fora, à nossa frente. Corremos até que começam a faltar-nos as forças, ou começamos a esbarrar em obstáculos. Quando já não conseguimos correr, andamos. Paramos. Ganhamos energia, e talvez recomecemos a correr, ou talvez mudemos o foco para correr atrás de outra coisa que apareceu no caminho. Talvez consigamos correr até alcançar o nosso objetivo e, então, após um pico de felicidade, percebemos que estamos tão vazios quanto antes. Porque no meio da correria, esquecemo-nos que A Vida acontece em nós, por mais que passemos a vida a correr atrás dela.
Neste novo ano, desejo que possamos sentir mais a vida que nos corre cá dentro. Que possamos perseguir os nossos objetivos mas sem esquecer que é cá dentro que tudo acontece, que tudo pulsa. A nossa maior corrida deste ano deveria ser para dentro, em direção a nós mesmos, pois é lá que está o que tanto buscamos: completude, leveza e serenidade. É de dentro que a felicidade brota.
Que o novo ano nos leve a correr na direção certa.

Eu e "A vida secreta de Walter Mitty"

 "A vida secreta de Walter Mitty". Que filme bonito e inspirador!

Walter Mitty, um homem comum, que faz o mesmo trabalho de revelar negativos há muitos anos, perde o negativo que seria a capa da última edição da revista para a qual trabalha. A busca pelo negativo, leva-o numa aventura pelo mundo. Ele que, frequentemente, se perdia em divagações no seu mundo interior, encontra-se nessa viagem em que vive experiências incríveis! Quando finalmente encontra o fotógrafo, Sean, que poderia ter o negativo perdido, vemos uma das cenas mais bonitas do filme:

Walter Mitty: Quando vai fotografar?

Sean: Às vezes eu não sei. Se eu gosto de um momento, para mim, pessoalmente, eu não gosto de ter as distrações da câmara. Eu apenas quero ficar nele.

Walter: Ficar nele?

Sean: Sim. Ali. Bem aqui.

Esta cena condensa bem a mensagem do filme: a importância de viver e prestar atenção ao momento presente, a importância de ver o belo à sua volta, e viver e sentir o belo dentro de si mesmo. E a busca de Walter Mitty é, fundamentalmente essa: por si mesmo. Por mais que o faça ao redor do mundo, no final, o filme é sobre um retorno a si mesmo.

"Ver o mundo, as coisas perigosas por vir, ver por trás dos muros, se aproximar, encontrar o outro e sentir. Esse é o propósito da vida."
(Lema da revista)

209-365

 Se nos perguntarem qual é a palavra mais bonita da nossa língua, provavelmente vamos escolher um substantivo: amor, saudade, fé, sonho, amizade, esperança. Habituamo-nos a valorizar essas palavras bonitas, cheias de potenciais significados. Mas tenho-me apercebido, cada vez mais, que esses substantivos tão bonitos são vazios sem um verbo. Os verbos são as palavras mais poderosas da nossa língua: é o verbo que coloca o substantivo em movimento. Sem verbo, são apenas palavras, inertes, vazias. É o verbo que os concretiza, que os preenche, que os anima. "Dar amor", "espalhar amor", "demonstrar amor", "fazer amor". Amor é apenas uma palavra. Perto do verbo certo, é uma das coisas mais bonitas da nossa existência. "Exercício" é só uma palavra, mas "fazer exercício" pode fazer uma diferença enorme na nossa saúde. "Sonho" é apenas uma palavra, mas "concretizar um sonho" pode dar sentido a uma vida. "Fé" é apenas uma palavra, mas "ter fé" pode mover montanhas.

Então, neste novo ano, eu desejo que possamos escolher, da melhor forma possível, os nossos verbos: dar amor, ter fé, perseguir objetivos, ousar, perseverar, construir, evoluir, agir, crescer, renascer e nunca, nunca, desanimar ou desistir.
Feliz 2024.

domingo, 24 de dezembro de 2023

208-365

Natal é sinónimo de Amor. É o momento em que celebramos o nascimento de Jesus Cristo, que foi um dos Mestres que mais e melhor nos ensinou sobre o Amor. Também é o momento em que as famílias (de sangue e as que se escolheram ao longo do caminho) se reunem e celebram os laços de amor que as unem.
Hoje, eu escolhi celebrar o amor também de uma forma diferente: em algum lugar de São Paulo, algumas pessoas vão receber a minha doação de sangue e isso talvez as salve, ou ajude. Talvez se sintam cuidadas e amadas pelo Universo. Talvez as suas famílias se sintam mais confortadas, ou esperançosas. Talvez o meu gesto seja recebido em algum lugar da cidade com gratidão. Não a mim, mas ao cosmos, a Deus, ao Universo! Talvez o meu gesto renove a fé de alguém! Este gesto simples pode assumir significados que não poderei nunca supôr, mas quero acreditar que, nesta teia fina e subtil que nos conecta a todos, a minha ação vai, de alguma forma, em algum lugar, reverberar Amor em alguém, da mesma forma que reverbera em mim. Amor à Vida, amor a algo maior que sempre nos guia e protege. Porque não fui eu que ajudei ninguém: eu sou apenas uma minúscula engrenagem nesta grande roda da qual todos fazemos parte. Algo maior que eu agiu, amorosamente, através de mim.

Desejo a todos um feliz Natal, com muita harmonia, esperança e, sempre, sempre, muito amor.

207-365

Procurar os presentes pela casa. O cheiro do musgo do presépio. As luzes da árvore. Ajudar a avó a bater a massa das filhós e vê-la aconchegar, num cobertor quentinho, a massa com a cruz de Cristo desenhada. Juntar a família. Bacalhau. Cocktail de camarão. Salada de frutas. Doces. Mais doces. Mais salada de frutas. Um filme. Perguntar que horas são. Jogos. Perguntar quanto tempo falta para a meia-noite. Conversa. Risos. Filhós. Perguntar que horas são. Montes de presentes organizados para cada pessoa. Os mais novos começam a abrir. Tentar adivinhar o que é o presente apalpando e abanando o embrulho. Surpresas. Alegrias. Mimos. Abraços e beijos. Amor. Pilhas de papel de embrulho rasgado. Dormir tarde depois de montar alguma coisa nova que ganhou de presente. Deixar todos os presentes organizados num novo monte no quarto, agora fora do papel de embrulho. Dormir com um sorriso no rosto. Acordar mais tarde, com o mesmo sorriso. Estrear a roupa nova que a avó fez. Mais comida deliciosa. Mais doces. Mais filhós. Frio. Aquecimento ligado. Sair para ver as luzes de Natal. Não encontrar nenhum café aberto. Voltar para casa. Brincar com as coisas novas. Procurar lugar no quarto para as coisas novas.
No próximo ano, haveria mais. Houve sempre mais. (E tudo ainda há em mim, eterno.)

206-365

 Quem nunca presenciou (ou protagonizou) o célebre "mas eu quero!.." de uma criança pequena? Talvez por ser época do Natal ou, simplesmente, porque tenho refletido um pouco sobre este assunto e, por isso, estou mais atenta a ele, tenho presenciado vários pela cidade. O "mas eu quero" começa subtil...A criança vê alguma coisa que se torna objeto do seu desejo, e exterioriza "mãe/pai, posso...?..." Por alguma razão que, certamente, será válida, o pai/mãe recusa. A criança insiste, entre "por favor" e súplicas de "só um" ou "só hoje". É nesse momento que o pai/mãe, entra com a fase dos argumentos. A criança até parece estar a ouvir. Os argumentos sucedem-se, lógicos, racionais, praticamente imbatíveis. A criança parece prestar atenção. Por momentos, fica em silêncio. O pai acha que venceu na conversa mas, quando termina a sua explanação, o "mas eu quero!" sobe de tom. Vem acompanhado de choro ou mesmo alguns gritos, e torna-se repetitivo, quase um mantra entre as lágrimas "mas eu quero...mas eu quero..." Não há argumento nenhum que o demova. Nem muito menos a criança entende que, por vezes, a recusa do pai/mãe é o melhor para ela. (Não comer aqueles doces antes do almoço, por exemplo, é a melhor opção...)

Fiquei a pensar quantas vezes nós, adultos, ficamos igualmente presos nesse "mas eu quero"...Perdidos em ideias fixas de coisas que achamos que nos vão fazer felizes. Irracionalmente, por vezes contra todas as evidências e argumentos, prevalece o "mas eu quero". Ficamos enredados nesse desejo que nos cega para outras possibilidades. E assim como a criança não entende que, algumas vezes, o "não" é a melhor coisa para ela, também nós temos dificuldade de perceber que, por vezes, não termos o que (achamos que) queremos, é a melhor coisa que nos pode acontecer. A diferença é que a criança, na maior parte das vezes, passado poucos minutos já esqueceu aquilo, mudou o foco e ficou feliz com outra coisa qualquer, e nós, adultos, muitas vezes ficamos estagnados a olhar para aquela porta que se fechou sem perceber que outras tantas estão abertas. Ao invés de pensar "mas eu quero", ouse questionar "mas eu preciso?" Talvez a resposta o ajude a seguir adiante, para a próxima porta aberta.

205-365





Ontem, durante a minha última aula do dia, a noite começou, aos poucos, a surgir no céu. A minha aluna, ao olhar pela janela, comentou "Olha só como o céu está lindo!.. Mais claro em baixo e mais escuro em cima." Ambas tiramos fotografias e contemplamos um pouco aquele azul. Eu conheço-o bem. Aquele azul vive dentro de mim, enraizado, desde aqueles fins de tarde de treino de futebol em que me preenchia por completo no Estádio Universitário em Lisboa. Sentava-me em qualquer lugar e contemplava aquele céuzão abobadado sobre a cabeça, naquele azul forte, quase metalizado. Aquele mesmo azul que eu contemplava da claraboia da casa de São Julião. Aquele azul que me acompanhava tantas vezes no regresso a casa em Lisboa, e que me tem acompanhado várias vezes aqui nas últimas semanas. Claro, nunca é exatamente o mesmo azul, é sempre um novo azul, um novo céu mas, ainda assim, é sempre "aquele azul": o que mexe cá dentro. São versos diferentes, mas sempre poesia para os meus olhos.

sábado, 16 de dezembro de 2023

204-365

 


Alguns professores incentivam-nos a não ouvir gravações das músicas que estamos a estudar sem antes as amadurecermos no nosso estudo. Isto porque é muito comum ficarmos presos a determinada gravação, ou mesmo presos a interpretações nossas do passado. A interpretação que escolhemos fazer deve ter por base opções nossas, daquele momento, e não "vícios de audição". Devemos procurar, investigar, refletir, olhar para aquela partitura como quem a vê pela primeira vez, e olhar para nós mesmos sem interferência de memória: é a Verdade de quem somos, agora, que deve transbordar na interpretação, e é a Verdade que encontramos naquela música, naquele momento, que devemos abraçar.
No yoga, esse movimento é a purificação da memória: para termos uma interação profunda com o objeto, - seja uma coisa, uma pessoa, uma sensação - é preciso olhá-lo com o olhar puro, sem "cargas" de interações anteriores, sem pré-conceitos, sem expectativas. Devemos estar inteiros nessa interação, com presença, para que isso se torne uma interação de quem somos com o que o objeto da nossa interação é, agora. É um exercício exigente, desafiante, mas profundamente enriquecedor: olhar para aquela pessoa, aquele objeto, naquele momento, como ele se nos apresenta ali e não através dos véus do nosso julgamento ou expectativa que toldam a nossa visão. É como regressar a um livro ou um filme anos mais tarde: nunca são os mesmos, porque nós não somos os mesmos, o nosso olhar é outro, por isso, a percepção e a interação que se criam são outras. Purificar a memória é um esforço para criar essa Abertura: permitir-se olhar com o olhar de quem nunca viu e, assim, entrar num espaço desconhecido, novo.

203-365

 Hoje fiz algumas compras no mercado e depois uma caminhada até casa com as compras na mão. Uma das sacolas estava mais pesada. Caminhei alguns metros com ela na mão, e comecei a sentir cansaço. Optei, então, por encaixá-la entre o braço e o antebraço. Bem mais fácil e confortável. Caminhei uns tantos metros com ela assim, até que começou a "marcar-me" o braço. Voltei à posição inicial, procurando a posição em que conseguia manter o menor esforço possível no braço. Fui alternando de braço. Sempre à procura da posição de menor esforço muscular.

Este trajeto a carregar este peso, fez-me refletir nos pesos que carregamos na nossa vida: às vezes, fazemos esforço a mais, desnecessário, perante algum desafio. Outras vezes, não procuramos uma forma melhor de lidar com esse peso, ficamos presos a uma única forma de o carregar, por vezes, sofrida. E a verdade é que há sempre alguma forma de criar menos esforço, de descontrair alguma parte de nós para a qual não estávamos atentos. Mesmo carregando o mais difícil dos pesos, há sempre alguma coisa que podemos soltar (em nós) e tornar menos sofrido o trajeto enquanto carregamos esse peso. Por vezes, aceitar que temos que levar aquele peso connosco até um determinado lugar, é o suficiente para reduzir o esforço empregue. A resistência retrai-nos e dificulta o trajeto. A aceitação abre o caminho. E, seja como for, é preciso ter em mente que há sempre um momento de chegar ao destino, pousar o peso e, finalmente, abandoná-lo. Já Jesus dizia, sabiamente,  "Por isso, não fiquem preocupados com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã trará as suas próprias preocupações. Para cada dia bastam as suas próprias dificuldades."

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

202-365

É muito comum os alunos ficarem ansiosos quando existem pausas na música. Não raras vezes, tendem a querer "encurtar" o tempo da pausa e dar seguimento à música. Eu mesma já passei por isso. Aquele silêncio entre as notas pode, por vezes, deixar-nos inseguros, desconfortáveis. No geral, a verdade é que o silêncio tende a incomodar-nos. Qual de nós não passou já pela experiência de estar com estranhos no elevador e sentir na pele aquele silêncio quase cortante? Mas o silêncio faz, sim, parte da música e deve, sim, fazer parte da nossa vida. Uma das coisas mais belas de assistir a um concerto numa sala de concertos é, precisamente, a oportunidade de mergulhar no silêncio mágico que ali acontece: antes da música começar, entre as notas, imediatamente após a música terminar. É nesse silêncio que a música reverbera (principalmente em nós). É nesse silêncio que nos percebemos. É nesse silêncio que se cria o espaço para que a música possa acontecer. E assim é na vida: é preciso cultivar a pausa. A pausa antes de responder. A pausa antes de reagir. A pausa após a nossa reação automática. A pausa antes de comer aquele doce. A pausa antes de escolher. A pausa entre uma respiração e a outra. A pausa antes de começar a azáfama do dia. A pausa antes de terminar o dia. É nessas pausas que ampliamos o espaço para a investigação e a compreensão de nós mesmos. É a pausa que nos tira do piloto automático e pode levar-nos a melhores escolhas. "A música acontece no espaço entre as notas" (Debussy). Tão essencial quanto ouvir as notas, é aprender a ouvir os silêncios. E tão importante como as nossas ações, é aprender de onde elas vêm. "O silêncio não é vazio, é cheio de respostas."

201-365

 Hoje é dia do meu maninho. E é tão fácil escrever sobre ele. O meu maninho é uma das pessoas que eu mais admiro no mundo! O seu carácter, a forma como encara a vida, o ser humano em que se tornou, e que escolhe, a cada dia, ser, enche-me de orgulho. Nunca vi o meu irmão ser desrespeitoso, desagradável com quem quer que fosse. É uma das pessoas mais serenas e centradas que conheço. Doce, carinhoso, altruísta, faz o bem a quem o rodeia. Merece toda a felicidade do mundo! E fico muito feliz de ver que ele tem encontrado e abraçado essa felicidade. Por mais que nos vejamos pouco e não falemos tanto quanto eu gostaria, tem lugar cativo e especial no meu coração. Desde que era aquele miúdo lindo que eu adorava empurrar no carrinho. Foi com aquele miúdo que eu comecei a perceber, realmente, o que era amar. Porque eu podia empurrar o carrinho até me doerem os braços, e continuar até ele adormecer. Porque eu sempre fiquei feliz só de olhar para ele e vê-lo sorrir. Porque eu sempre partilhei, de bom grado, tudo com ele. Sim, tivemos os nossos momentos de provocações e brigas lá pela adolescência, mas cinco minutos depois já estava tudo bem. Sempre fomos unidos, cúmplices. Nunca precisámos de muitas palavras. Sabemos, e isso chega. Mas hoje, faço questão de dizer, que sou muito grata por os nossos caminhos se terem cruzado, por termos crescido juntos, por ele ter sido o meu maior companheiro em todos aqueles anos. É um privilégio ser a maninha do Pedro. Que este ano te traga muitos e muitos sorrisos, maninho. Que a vida te presenteie com lindas surpresas. Em breve estarei aí a abraçar-te forte!