terça-feira, 27 de julho de 2021

Eu e os Jogos Olímpicos

Há crianças que gostam de brincar com carrinhos, outras com bonecas, outras com legos. A minha brincadeira favorita era brincar aos Jogos Olímpicos. A parte de cima do sofá da sala era a trave, a poltrona era o salto de cavalo e o tapete da sala era o solo - apenas para as paralelas assimétricas não encontrei simulador. Imaginava todo um enredo com várias ginastas, com a sequência das notas e com o desfecho dos resultados finais. Eu sou, desde que me entendo por gente, completamente fascinada pela ginástica, pela sua beleza. A minha avó costumava dizer-me: "Vejo aquelas acrobacias todas da tua ginástica e penso: como o corpo humano consegue fazer tudo aquilo? Parece um milagre." Eu via esses mesmos milagres na televisão e, de alguma forma, sabia que tudo era possível. Vi dezenas e dezenas de vezes as mesmas provas que tínhamos gravado em cassetes. Ficava vidrada na televisão, entretida por horas. E é assim que fico, até hoje, a acompanhar os Jogos Olímpicos. Emociona-me profundamente. Desde a cerimónia de abertura, a tocha olímpica, as provas, claro, até à cerimónia de encerramento. Qualquer pessoa que tenha sido atleta de alta competição sonhou estar ali. E quem, como eu, um dia, sonhou estar ali, arrepia-se com cada momento desse evento. 
Para além de eu ser apaixonada por desporto, hoje entendo que há três fatores que explicam a minha paixão pelos Jogos Olímpicos. O primeiro é a minha incessante busca pela beleza. Eu acredito que a Beleza inspira, transforma e nos eleva. Quando acompanhamos uma Olimpíada,  sabemos que vamos ver os melhores atletas do mundo em ação e que vamos presenciar momentos incríveis: quebras de recordes, conquistas nunca antes alcançadas, momentos de incrível beleza. Como bem dizia a minha avó, parecem milagres diante dos nossos olhos. É verdadeiramente inspirador! Para além disso, cativa-me ainda mais o segundo fator: a superação. As histórias por trás de cada vitória, o percurso de cada atleta, o que enfrentaram, de onde vieram, o que passaram para chegar àquele momento sublime. Eu, tendo sido atleta, sei bem as dores e sacrifícios que estão por trás de cada performance. Mas o que dizer do campeão olímpico que não tinha dinheiro para comprar uma prancha de surf e começou a surfar nas tampas de esferovite que o pai usava nas caixas em que guardava o peixe que vendia? Ou da campeã olímpica de levantamento de peso que treinava, sem qualquer estrutura, com baldes de água? Do campeão olímpico que corria sem ténis? Do campeão olímpico cuja primeira bicicleta foi catada no ferro velho e nem assento tinha? Dos muitos campeões olímpicos que passaram fome? Da refugiada que nadou horas no Mediterrâneo para salvar outras pessoas e, anos depois, disputa uma Olimpíada? As realizações de todos eles relembram-nos que tudo, absolutamente tudo é possível. E tudo começa com uma paixão e um sonho. Não há limites para quem sonha e luta, com todas as suas forças,  por esses sonhos. E o que dizer dos exemplos de superação no momento da prova? O atleta que, exausto, quase a desfalecer, se esforça até ao limite das suas forças porque "o meu país fez um sacrifício para me enviar aos Jogos, e eu vim aqui para terminar a prova e não para desistir". O atleta que bate com a cabeça na plataforma de saltos para a água e, momentos depois, enfrenta todos os medos e sobe novamente para mergulhar brilhantemente para a medalha de ouro. Os atletas que se lesionam durante as provas mas, seja de que forma for, fazem questão de cruzar a linha de chegada. A atleta que cai nas Qualificações mas se reune emocionalmente e consegue uma performance inesquecível na Final. E a par da superação, encanta-me o outro fator: a atmosfera dos Jogos. Sim, há competição e todos querem ganhar, inscrever o seu nome na história do desporto. Mas há também união, confraternização e entreajuda. (Já na Grécia antiga os Jogos Olímpicos eram um período de trégua sagrada.) Não são raros os exemplos de atletas que ajudam outros, de nacionalidades diferentes, a terminar provas. Além de os Jogos Olímpicos unirem uma nação inteira - coisa que, nos dias de hoje é, igualmente, um milagre, dada a polarização que se vive em tantos países - também unem as diferentes nações nessa enorme celebração do desporto. O que mais me apaixona nos Jogos Olímpicos é que eles propiciam que o melhor do ser humano se revele. O lema dos Jogos é "mais rápido, mais alto, mais forte". Eu acrescentaria "mais humano", porque a Olimpíada não revela apenas o melhor do ser humano na performance física, mas principalmente nas qualidades que nos tornam humanos: empatia, compaixão, o coração a guiar as nossas ações. Eu sou, definitivamente, uma pessoa que acredita no ser humano, que acredita que somos todos partículas de uma mesma coisa, que somos todos Um. Os Jogos Olímpicos são o cenário perfeito para nos unir, e fazem-no, desde logo, no seu símbolo: os anéis entrelaçados, lembram-nos que estamos, sim, todos ligados. O meu sonho era participar dos Jogos Olímpicos, e hoje, o meu sonho é que o espírito dos Jogos Olímpicos participasse mais da nossa vida, sempre: competir de forma saudável, sem atropelos, sem deslealdade, ajudarmo-nos uns aos outros, estarmos abertos e, acima de tudo, estarmos curiosos para conhecer e abraçar as diferenças entre nós e podermos, enfim, celebrá-las. Se a Humanidade vivesse como na aldeia olímpica e competisse e se relacionasse como nos cenários das provas olímpicas,  viveríamos num mundo bem melhor. Mas...como em tudo, tudo começa com cada um de nós. Let the games begin!