segunda-feira, 4 de maio de 2015

Eu e o Shine

O Shine foi para nossa casa em 2004. Lembro-me bem do ano porque era ano de Europeu: o Campeonato Europeu de Futebol que foi realizado em Portugal. O Shine era um bebezinho, bem pequenino, com barriga rosada e andar trôpego. Bamboleava enquanto tentava equilibrar-se o melhor possível nas quatro patas, curtas, demasiado curtas para a redonda barriguinha que quase tocava no chão. Nos dias dos jogos de Portugal, ele ficava, por momentos, com uma bandeira de Portugal enrolada ao pescoço. A casa enchia-se de gente - amigos do meu irmão, na maioria- e o Shine era o queridinho de todos. Não havia quem não se derretesse completamente a olhar para ele. Nas primeiras noites, quentes, dormia esparramado no chão ao lado da minha cama. Ofegava, com o calor, e eu ficava preocupada "será que ele está bem? será que esta respiração é normal?", quase como uma mãe fica quando leva o seu bebezinho para casa - sei-o agora que sou mãe. Naqueles dias de calor, escolhia o chão de azulejo da cozinha para dormir. Caminhava lentamente até lá e, de repente, parava: deixava as patas da frente deslizar para a frente e as de trás deslizar para trás e ali ficava, deitado ao comprido, totalmente esparramado no chão. Outras vezes escolhia o cantinho atrás da sanita para uma sesta. Anos depois, com ele crescido, enorme, olhávamos para aquele cantinho e pensávamos: "como é possível que ele algum dia tenha dormido confortavelmente ali atrás?"
O Shine era o nosso bebé. Ninguém se queria apegar muito a ele, porque a vinda dele para nossa casa foi em consequência de uma perda bem dolorosa: a do Soneca, um quase-Husky que tinha apenas 6 meses quando nos deixou. Mas como não se apegar? Eu e o meu irmão rendemo-nos imediatamente a ele. A minha mãe conseguiu resistir mais um pouco, mas também, inevitavelmente, acabou por ceder.
O Shine sempre foi um cachorro cheio de energia. Correr e brincar era com ele!.. Muito carinhoso, adorava estar perto de nós. Enquanto bebé, cachorro, acompanhou-me muito no meu estudo de piano. Era o meu fiel ouvinte, e com gosto próprio: algumas obras musicais, ele preferia ouvir de longe - ou fugir para longe...Mal começava a tocá-las, levantava-se na cama onde estava confortavelmente aninhado, olhava para mim com aquele ar de "outra vez isso?" e ia-se embora do quarto. Nunca foi sociável com outros cães, mas sempre recebeu toda a gente em casa com festas, pulos e mais pulos!
As palavras que li ontem à noite no meu e-mail não param de ressoar no meu pensamento "Maninha, o Shine morreu." Desabei em lágrimas. Não, não é possível!..Ele tinha 11 anos, mas estava bem. Continuava cheio de energia. Eu ia revê-lo daqui a pouco tempo. Não pode ser: eu não vou mais vê-lo! Nunca mais. Cada vez que aquelas palavras do e-mail ecoam dentro de mim, invade-me uma tristeza profunda. Visualizo cada uma delas como se relesse novamente o e-mail, e não as aceito. Tenho este sentimento de incredulidade a gritar dentro de mim. Não consigo acreditar que aquele maluco não nos vai receber aos pulos!..Que não vai ficar aninhado a dormir ao pé de nós enquanto vemos televisão. Que não vai ficar a olhar piedosamente para nós enquanto estivermos a comer alguma coisa que ele gosta e não vamos ouvir aqueles sons chorados como quem diz "olha para mim aqui, a portar-me tão bem", caso ele pensasse que nos estávamos a esquecer dele ou que a sua presença não estava a ser suficientemente notada.
Há quem não entenda, mas eu sinto como se tivesse perdido um membro da família. E custa estar longe. Às vezes estar longe é uma verdadeira merda, diga-se em bom português. As dores partilhadas, às vezes, parece que doem um bocadinho menos.
O Shine fez-se presente nos meus momentos de tristeza, pulou comigo nos meus momentos de alegria, fez-me companhia em momentos de solidão. Tirou-me do sério umas quantas vezes, preocupou-me em outras. Percebo hoje que o via em todos os cães aqui em São Paulo: quando fazia carinho em algum, era nele que pensava, era uma tentativa inconsciente de matar as saudades que sinto dele. Agora as saudades serão eternas e, como diz o Mateus, "nunca vou me esquecer do Shine, ele vai viver no meu coração para sempre."
Obrigada, Shine, por tanta coisa boa que trouxeste às nossas vidas. Isso faz qualquer dor valer a pena.

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