terça-feira, 9 de agosto de 2022

Eu e a experiência

 "A experiência é algo que (nos) acontece e que às vezes treme, ou vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo que luta pela expressão (...)"

" A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca(...) e ao nos passar nos forma e nos transforma."
                                                                                                         Jorge Larrosa

De quantas experiências podemos lembrar-nos? Momentos que nos marcam, que deixam uma impressão entranhada em nós. O que esses momentos têm em comum?
Antes de mais, a nossa absoluta entrega a esse momento. Se a mente vagueia por antes ou depois, a experiência não acontece. A experiência só pode acontecer Agora, Aqui, quando o tempo e o espaço se dissolvem. Mas não acontece por nossa decisão. Não escolhemos o que nos acontece. Somos escolhidos por ela. Podemos decidir ouvir a música, contemplar o pôr-do-sol, a obra de arte, meditar, olhar fundo nos olhos de quem amamos, beijar, mergulhar no mar, ver o filme. Podemos focar a nossa atenção nesse momento. Não podemos escolher a forma como esse momento nos vai afetar. Não podemos decidir "agora vou viver uma experiência". A experiência é sempre inesperada. Toma-nos no arrepio, na emoção, na vibração ou formigamento pelo corpo de formas imprevisíveis ou no simples suspiro.
A quantos concertos já foi na vida? Consegue lembrar-se de todos? De quais se lembra? Quantas vezes viu o sol nascer? Ou esconder-se na linha do horizonte? De quantas se lembra?
Eu lembro-me de muitos concertos a que assisti, de muitas vezes que toquei ou cantei em público, mas lembro-me exatamente daqueles momentos que foram uma Experiência para mim. Foram aqueles em que me esqueci de mim mesma, em que, simultaneamente, me dissolvi no momento e me integrei em algo maior do que eu. Aqueles em que alguma transcendência aconteceu. E nessa transcendência, paradoxalmente, o encontro, nesse "sair" de mim, um "chegar" a mim: a experiência é o catalisador que nos permite aceder àquela fagulha que nos dá vida, que nos anima. A energia que a experiência produz, revolve, em turbilhão, a nossa energia interna, e é nessa identificação de uma com a outra que percebemos a nossa unidade com tudo. Ao mergulhar fundo naquele momento, algo dele permanece em nós e trazemo-lo conosco até à eternidade. A experiência transforma-nos, enriquece-nos, como um espelho, mostra-nos partes de nós que desconhecíamos.
Há pouco mais de uma semana atrás. Sala São Paulo. Concerto para violoncelo de Elgar. Uma obra incrível, intensa, uma das minhas preferidas. Emocionei-me, claro. Arrepiei-me. Fiquei absorvida na escuta, entregue ao momento. Foi especial, mas a experiência aconteceu onde eu não antecipei. "Pinheiros de Roma" de Respighi. Desconhecia esta obra, e desde as primeiras notas senti-me totalmente cativada, encantada. A obra, eclética, leva-nos por diferentes sonoridades, paisagens, sensações. No final, verdadeiramente apoteótico, não contive a emoção. Como uma corrente elétrica, percorreu o meu corpo inteiro. Tansbordou. Reverberou. Avassaladora. Indescritível. Essa é outra característica da experiência: não cabe em palavras, conceitos, descrições. É vivenciada. Única. Inesquecível. Irrepetível. Em nenhuma outra ocasião em que eu tenha a oportunidade de ouvir esta obra novamente, eu poderei repetir a experiência que vivi agora. Se tiver sorte, e souber render-me ao momento, poderei viver uma diferente. E guardá-la no mesmo cantinho especial em que esta ficou.
Abra-se à possibilidade de experenciar. Deixe que a sua atenção abra a fresta por onde a beleza pode entrar, em qualquer das suas formas, e tocá-lo, no âmago do seu ser. E, nesse momento, poderá dizer, sem eufemismo, "Que experiência!.."


P.S. Obrigada, @marcusrojo pela indicação da leitura do J. Larrosa e pelas reflexões em torno deste tema da experiência. Obrigada, igualmente, @stefaniesamara pelas reflexões sobre este tema.

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