sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Eu e o amor



Na minha vida sempre foi o amor que governou. Tudo. Todas as minhas escolhas privilegiam o que me vai cá dentro. Sou assim. Mais coração que cabeça. Ou talvez o coração seja mais teimoso. Ou a cabeça tenha a sabedoria de o ouvir. Até hoje tem sido uma parceria eficaz. Não me arrependo das minhas escolhas. Reconheço que algumas foram ousadas. Para quem via de fora poderiam até ser consideradas loucas. O que é que eu posso dizer? Por vezes, é preciso fazer como se diz num provérbio árabe: "atira o teu coração para a frente e corre logo em seguida para o apanhares." Cá dentro, sabia que era por ali. Porque era ali que estava o meu coração.
E afinal o que será isso do amor?
Amor é só uma palavra. Tão redutora e abrangente como qualquer outra. Basta acrescentar-lhe mais uma e o seu conteúdo já muda substancialmente. Amor maternal. Amor fraternal. Amor-paixão. Amor paternal. Amor filial. Amor-próprio.
É só uma palavra. Tão fácil de dizer. Nem sempre tão fácil de descrever ou, muito menos, de demonstrar. Há quem a diga aos quatro ventos, vazia de conteúdo. Há quem a guarde para si, plena de tudo ao que ela tem direito.
Eu sou mais de escrever do que de dizer. Nunca tive jeito para me exprimir de viva voz. Foi preciso vir para longe para ganhar essa capacidade de dizer a quem amo: "adoro-te." Quando estamos perto, presumimos que eles sabem, percebem, que não é preciso dizer. Pois bem, não só é preciso dizer, como é importante e tão bom poder ouvi-lo. Eu digo ao meu filho todos os dias que o amo. Ele também me diz de vez em quando, sem, claro está, saber muito bem o que me está a dizer. Sabe que é qualquer coisa boa. As palavras vêm sempre acompanhadas de um carinho que, só por si, já valeria tudo. Há muitos tipos de amor, e nenhum é como outro qualquer, mas este, particularmente, o que se sente por um filho, é algo que ultrapassa tudo aquilo que se imagina que possa vir a ser. Só quando temos um filho podemos entender melhor o que os nossos pais sentem por nós. É o amor mais puro, incondicional e autêntico que se pode sentir. Toma conta do nosso coração, acomoda-se e ali fica aninhado no seu cantinho especial e vitalício. Intocável. É querer bem, é fazer o melhor, é querer ser mais. É transbordar gratidão e até alguma incredulidade quando olhamos para aquele rostinho. Custa a crer que cresceu em nós, que ele é parte de nós e nós somos inteiramente dele. É acreditar que, um dia, ele próprio vai olhar para nós e retribuir-nos, nem que seja uma parte, do orgulho imenso que sentimos em ser seus pais. É ter as prioridades dele como nossas. É querer dar tudo, ser tudo. É esquecermo-nos de nós próprios e, simultaneamente, ao existir de forma mais plena, mais completa, sermos muito mais nós próprios do que alguma vez na vida. Como se o coração fosse um puzzle onde cada coisa que amamos é uma peça que nele encaixa. Começamos a encaixar a peça que corresponde ao filho ainda antes de ele nascer, antes de o conhecermos. E, quando ele nasce, enquanto sentimos o click final da peça a encaixar no nosso coração, suspiramos longamente "ah, era isto que faltava e eu nem imaginava!" O amor é chegar a casa. É sentir que se pertence. É ter e querer ser no que se ama um porto seguro. É um salto de fé. Ama-se e pronto. Lá vamos nós de coração aberto e alma aos trambolhões, a aprender coisas sobre nós próprios que nem poderíamos sonhar! É no amor que mais nos encontramos, lá nos cantinhos ocupados pelas tais peças do puzzle. Sejam elas correspondentes a pais, filhos, o homem da nossa vida, irmãos, amigos ou a profissão que escolhemos, elas iluminam pedacinhos do nosso ser que, de outra forma, nos seriam totalmente desconhecidos.  É por isso que cada peça é diferente e tem o seu encaixe próprio: porque cada amor é único e insubstituível. E, por mais que se fale sobre cada um, o melhor mesmo é sentir e demonstrar. O melhor do amor é a sua manifestação e não a sua descrição. Posso dizer que amo música, mas isso são palavras ao vento. Só quando ouço música ou toco piano esse amor existe verdadeiramente. Na sua ausência também se manifesta, como se o encaixe da peça estivesse, momentânea e dolorosamente vazio.
É por amor que escolhi a Música.
É por amor que estou aqui.
É por amor que, um dia, vou regressar ao meu país.

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