domingo, 24 de julho de 2016

Eu e a alegria que contagia

Há pessoas que fazem o seu trabalho com alegria e isso faz toda a diferença. Como é desagradável depararmo-nos com aquelas pessoas que parece que nos estão a fazer um favor a servir o café ou a vender o jornal, não? Devo admitir que, embora também existam por aqui, se vêem mais desses por Lisboa do que aqui por São Paulo. Pelo contrário, como é de salutar as pessoas que fazem o seu trabalho com um sorriso, com gentileza.
Há uma cobradora de ônibus com quem me cruzo, de vez em quando, nos meus trajetos. Acho notável a forma como ela faz questão de cumprimentar todos os que ali entram. Cumprimenta, sorri, deseja boa viagem. Apanha muita gente de surpresa. Posso dizer, sem qualquer sombra de dúvida, que a atitude dela, influencia a atitude que recebe de volta: as pessoas também cumprimentam, também sorriem. Alegria gera alegria, gentileza gera gentileza. O ônibus em que aquela senhora trabalha é o mais cordial e mais sorridente de todos! Eu admiro-a. Assim como admiro o condutor de ônibus que se esforça por travar devagar, principalmente quando choveu e está tudo alagado e sabe que a travagem vai levantar um monte de água que vai molhar quem está à espera do transporte.
Há semanas atrás aconteceu um episódio que também reflete essa alegria no trabalho, seja ele qual for. Aqui em São Paulo, é comum algumas pessoas entrarem nos ônibus para tentar vender todo o tipo de coisas: chocolates, balas (rebuçados), carteiras, canetas, ou mesmo pedir uma simples esmola. Se em Lisboa era comum ouvirmos no metro "alguém tem a possibilidade de me ajudar?", aqui ouvimos o célebre "pessoal, boa tarde, desculpem estar incomodando a vossa viagem. O meu nome é tal e venho aqui pedir...(e contam parte da vida, do que os levou ali)." Há semanas atrás, entrou um desses senhores no ônibus. Tinha para vender carteiras para guardar documentos. Vendia uma por X e duas por Y. O ônibus estava relativamente vazio. Silêncio. Ouvia-se apenas a explicação do senhor. No final, novo silêncio. E um desabafo dele "puxa, essa crise está brava mesmo!.. Ninguém compra nada..." Abriu um sorriso e continuou "Ahhhh, mas eu sou brasileiro e não desisto nunca!" (frase célebre por aqui). "Vamos lá, pessoal, eu não saio daqui enquanto não vender uma...uma carteira!.."Entram mais algumas pessoas no ônibus. "Olha só uma moedinha aqui no chão." continuou ele. "Já sei, eu vou dar uma carteira a quem me der uma moeda de um centavo!* Vamos lá, mais barato que isto vocês não encontram!" As pessoas no ônibus começam a esboçar sorrisos. "Quem dá um centavo? Vamos lá, melhor que isto, só de graça, pessoal!" Mais sorrisos dos passageiros. A energia dentro daquele ônibus foi mudando...A alegria daquele senhor, as suas piadas, as tentativas de interagir com as pessoas, foram contagiando todos. O senhor parou próximo a mim. Disse-lhe: "parabéns pelo seu trabalho: você faz tudo com alegria e isso contagia as pessoas." "Ah, tem que levar com alegria mesmo, né?", respondeu-me. "Olhe, eu vou ajudar você e levar uma dessas para o meu filho. Ele adora guardar os papéis dele, os desenhos. Vou levar uma." o senhor anuncia "Olha aí a primeira, pessoal! Vendi a primeira!" Depois de mim, mais 3 ou 4 pessoas compraram. Mais gente entrou no ônibus, que ficou relativamente cheio. O senhor continuou a fazer piadas, comentários bem humorados referindo-se à crise política, à vergonha da corrupção generalizada, e toda a gente ria. No final, despediu-se "Pessoal, muito obrigado pela vossa atenção! Quem vai trabalhar: bom trabalho. Quem vai descansar: bom descanso. Quem vai estudar: estude muito, mas muuuuito mesmo, senão, um dia, vão estar que nem eu aqui, batendo canela! Estudar é tudo! Vão com Deus, pessoal!"
Saí daquele ônibus com dois reais a menos, mas com boa disposição redobrada!



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* Não existem moedas de 1 centavo.

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