O título não pretende ser um plágio mas uma vénia a esse grande livro desse grande escritor/cronista: As minhas aventuras na República Portuguesa (Miguel Esteves Cardoso). Neste humilde endereço, apenas um pouco de tudo, um pouco de nada, muito de mim.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2016
Eu e a sala São Paulo
Frequentei, com regularidade, durante alguns anos, a sala de concertos da Gulbenkian em Lisboa. Depois de anos aqui em São Paulo fui, finalmente, à Sala São Paulo há uns meses atrás. Arquitetura lindíssima. Impressiona já no exterior e, entrando na sala de concertos, é mais bonita ainda: uma harmoniosa mistura entre elementos modernos e elementos clássicos. Acústica privilegiada, orquestra (OSESP) muito, muito competente. Embora não traga tantos solistas renomados quanto podíamos ver na Gulbenkian, tem um programa bastante eclético e valoriza bastante a música contemporânea.
Ali, à espera de entrar na sala, senti-me na Gulbenkian outra vez. Muitas senhoras de mais idade, com os melhores vestidos e jóias para ir ouvir o concerto, senhores bem vestidos também, e muitos jovens, ora com calças jeans rasgadas e camisetas do Che Guevara, ora de calças sociais e camisa. Com certeza, grande parte daquelas senhoras, senhores e jovens, devem cruzar-se naqueles corredores e cadeiras quase todas as semanas. Já conhecem os rostos uns dos outros. Já conhecem os funcionários da bilheteria, pedem sempre o mesmo bolo ou salgado a acompanhar o café ou o chá, e seguem o mesmo ritual ao entrar na sala de concertos. Como acontece na Gulbenkian, talvez alguns deles apreciem mais o passeio e o encontro (quase) semanal com os amigos ali do que o próprio concerto em si. Comentam sobre os amigos em comum, sobre a família ou sobre os acontecimentos noticiados na semana. Chegada a hora de entrar para o concerto, despedem-se "até já, até já" e, no intervalo, em novo encontro, comentam sobre a primeira parte do concerto. Outros tantos, jovens, vão ali no intervalo do seu próprio estudo de música: vivem e respiram cada nota, emocionam-se, inspiram-se para continuar a melhorar, para não desistir. Prestam atenção a cada detalhe. Além de aproveitar o concerto, fazem dele uma aula. Sonham. Quando o concerto acaba, suspiram enquanto pensam "é isto que quero para a minha vida!"
Acústicas e arquiteturas à parte, de uma coisa sei: em todas as salas de concerto sentimos a mesma energia pulsante enquanto a música encobre o silêncio de cada pessoa ali sentada. O próprio silêncio é mais bonito numa sala de concertos. Ele é audível, perceptível: por instantes, podemos sentir que ele existe realmente. E a música...ah, a música, seja lá em que país for, é uma das coisas mais especiais e emocionantes com que a vida nos presenteou. Une, centenas de pessoas, na mesma energia, vibra, na sua forma particular, em cada um presente ali e faz-nos, inexplicavelmente, partilhar, por momentos, a nossa humanidade de uma forma única.
Obrigada, OSESP e sala São Paulo, pelos lindos momentos que me proporcionaram.
Estarei aí no próximo ano, várias e várias vezes!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário