terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Eu e brincar

Eu não fui uma criança que brincasse muito. Ou melhor, não com as coisas que, normalmente, fazem parte do universo de uma menina ou, até mesmo, de uma criança pequena. Gostei de Barbie por, talvez, dois anos. Tinha a família toda - Barbie, irmã e Ken- e uma linda e enorme casa de madeira construída pelos meus pais e avô e que eu ganhei de um Pai Natal generoso. Troquei-os por Micromachines, Lego e alguns Pinypon - ou seria Playmobil?- com os quais também acho que não brinquei tanto assim. Adorava jogar Subbuteo e  brincar com pistas de carros - ficava furiosa quando perdia, amuava e dizia que nunca mais queria jogar! O Spectrum do meu pai também era um dos eleitos. Cruzava os dedos para ver se o jogo entrava. "Puxa, não foi desta..." O meu pai dizia-me que tivesse paciência. "Quem sabe agora?" Novos minutos de expectativa...Em alguns dias, não entrava mesmo. Depois de inúmeras tentativas, arrumávamos tudo outra vez, desiludidos. Outras vezes, a espera terminava em euforia "Entrou, entrou, entrou!!!"
Do que eu gostava mesmo, aquilo que me divertia por horas era fazer ginástica! Essa sim, embora não fosse propriamente uma brincadeira, era a minha favorita. A sala da nossa casa - a primeira, da Póvoa de Santo Adrião-, lembro-me como se fosse hoje, era um imenso ginásio na minha cabeça, e ali aconteciam enormes e importantes competições. Eu fazia as vezes de todas as ginastas: daquelas que eu queria que ganhassem, e das outras. O tapete da sala era o solo. O sofá pequeno era o salto de cavalo: eu corria, corria, e passava por cima dele para o outro lado das formas mais mirabolantes. A parte de trás do sofá grande que estava encostada à parede e tinha alguns centímetros de largura, era a trave: eu passeava ali por cima, dava uns saltinhos e imaginava que estava a fazer as acrobacias mais difíceis do código de pontuação. Só para as paralelas não tinha imaginação que chegasse. Era no chão que me imaginava agarrada à barra e a girar de um lado para o outro. No final, havia subida ao pódio, hino e bandeiras a erguer-se!
Já o meu irmão Pedro, sim, dominava a arte de brincar, daquela forma mais tradicional, como ninguém! Eu gostava de o observar a espalhar os carrinhos pelo corredor da casa, a criar diálogos e enredos elaborados com todos os personagens espalhados no chão do quarto dele. De vez em quando, ele percebia a minha presença, interrompia a fala de algum personagem e perguntava-me, um pouco irritado: "o que é que foi?..", seguido de um enternecedor "só estou a brincar..." Ele era tão especialista nessa arte de brincar que, qualquer peça de qualquer brinquedo que nós encontrássemos pela casa, era só recorrer a ele: "Pedro, sabes o que é isto?" Ele olhava, e logo enunciava minuciosamente de qual brinquedo aquilo fazia parte. Eu admirava a forma como ele brincava. Como eu disse, eu nunca fui muito disso de espalhar bonecos e pô-los a interagir uns com os outros. Eu...fazia ginástica e, com o meu irmão, jogava futebol, basquete, fazia cabanas ou jogava na Playstation.
O meu filho, Mateus, é como o tio: ama brincar e, como o tio, é um verdadeiro especialista nessa arte! Às vezes ouço-o a brincar e parece que estou a ver o meu maninho a brincar. Ele mistura playmobil com lego, constrói bases - leia-se casas - para todos e, para isso, utiliza o castelo, legos, casas do playmobil, blocos de madeira ou até mesmo o espaço por baixo da escrivaninha dele. Cria diálogos, faz efeitos sonoros ( de batidas, pancadas, quedas, sustos, etc) e até banda sonora - sim, ele entoa uma música estilo épico enquanto os super-heróis vão a caminho da missão ou depois de uma grande vitória deles. O Mateus gosta tanto de brincar que até nos jogos do videogame ele brinca. Passo a explicar: aqueles jogos de hoje que têm o chamado jogo livre, em que os personagens podem passear livremente por algum espaço do jogo e em que há pequenas missões para cumprir, ele gosta de inventar as suas próprias brincadeiras lá dentro. Não raras vezes eu fui companheira dele nesses momentos e ele inventou histórias das mais variadas: ele era o polícia e eu o ladrão, ou vice-versa, e um tinha de apanhar o outro; eu era a mãe e ele o filho e, com essa premissa, diversas peripécias aconteceram. É como se costuma dizer: o limite é a imaginação, e a do Mateus é bem prodigiosa. Neste mês que passou, de férias escolares dele, eu tenho a sensação que brinquei mais do que em toda a minha infância com este tipo de brinquedos. Passamos horas no quarto dele, com o que ele nomeou - ele adora esta palavra - "brincadeira infinita do Mine-ninja" (uma mistura de Minecraft com Ninjago) que, a cada dia que arrumávamos as coisas - para um cantinho do quarto, confesso, até para não estragar a brincadeira - dizíamos "amanhã: próximo capítulo!"
O capítulo de hoje, inclui o regresso às aulas do Mateus mas, com disciplina e organização, vamos garantir que ele continue a ter o tempo dele para cultivar este bem mais precioso que ele tem: ser criança. Vai ter o resto da vida para ser outras coisas, por isso, agora ainda é o momento de ele continuar com as suas "brincadeiras infinitas" que tanto o fazem feliz.


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