terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Eu e os meus patrícios

Quando vivemos longe do nosso país, temos um sistema de alerta que dispara o sensor de aviso quando ouvimos uma palavra dita em português perto de nós. No meu caso, uma palavra portuguesa pronunciada no português de Portugal.
Sei que esse sensor não é exclusivo meu: já presenciei várias vezes aquele quase sobressalto quando olham repentinamente na minha direção e exclamam aquele "é portuguesa!" que, bem no finalzinho da palavra, tem um quê de interrogação. Como aquela senhora que estava com a filha pequena e entrou no mesmo elevador que eu. Depois do meu "boa tarde", com os olhos arregalados, disse o tal "é portuguesa?" e, em seguida, disse animada para a filha "olha, filha, a senhora também é portuguesa!" Fiquei a saber que vivia aqui há anos, que também é de lisboa, que vieram a trabalho. Falamos um pouco da experiência de viver aqui, partilhamos como foi difícil a adaptação no começo e de como acabamos por nos integrar bem aqui. Basta ouvir o mesmo sotaque, e parece que encontramos um primo distante ou um colega da escola que não víamos há anos e com quem, rapidamente, em 3 ou 4 frases, pomos a conversa em dia. Como aquela família que encontrei a passear na Oscar Freire, ou aquela senhora que levou os filhos ao parque e que diziam para as outras crianças "apanhei-te", por oposição ao "te peguei" deles, ou a simpática senhora que encontro na feira quase todas as sextas-feiras e me pergunta "está bem, filha? tudo bem?", como quem fala, zelosa, com uma prima ou uma sobrinha. Na primeira vez que nos encontramos, disse aquele mesmo "é portuguesa?" Perguntou de que cidade sou. "Lisboa". "Ah, então temos aqui uma alfacinha e uma tripeira!", respondeu-me com um sorriso cúmplice de quem sabe que ali, provavelmente, seríamos as duas únicas a saber o que isso significa. Há umas semanas atrás, conheci o marido dela. Vivem aqui há quarenta anos. O senhor contou-me que também é do Porto, que só foi a Lisboa uma vez e tenciona lá voltar para conhecer tudo a pé "que só andando a pé é que se conhece bem uma cidade", disse ele, sabiamente. Há também o senhor que vive aqui na rua e, no brasil, também há décadas, e me cumprimenta sempre "tudo bem, patrícia?"
Quando tenho estes breves encontros, fica a reflexão: não deixa de ser estranha a identidade que sentimos com "qualquer" português longe do nosso país quando, em Portugal, cruzamo-nos uns com os outros nas ruas todos os dias e mal nos olhamos nos olhos - assim como os brasileiros fazem uns com os outros aqui e, imagino, sintam a mesma identidade se se encontrarem em Portugal ou na China. Depois pensei: se uma mulher vivesse num mundo cheio de homens, quando encontrasse uma outra mulher, sentiria empatia. O Matt Damon, lá perdido em Marte, teria sentido empatia por qualquer ser humano que se cruzasse com ele. E, de uma forma mais realista e ainda mais flagrante: crianças sentem uma empatia natural por outras crianças. Veja-se a forma como, em cinco minutos de brincadeira no parque, parecem melhores amigos. A forma como, mesmo que seja em línguas diferentes, encontram uma forma de comunicar, brincar e se divertir. Talvez o que falte mais no mundo de hoje seja um pouco dessa empatia dos primeiros anos de vida que, por mil e uma razões, vamos perdendo ao longo do caminho.

Sem comentários:

Enviar um comentário