quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Eu e os tempos que correm



Esta frase estava colada num ponto de ônibus há umas semanas. Não resisti a fotografar. Esta desumanização sente-se entranhar na pele todos os dias em São Paulo: não só a vemos como, infelizmente, a vivenciamos. Temos medo de falar com estranhos, medo quando um estranho nos encara, medo se alguém nos pergunta as horas ou uma direção, fingimos não ver o mendigo a procurar comida no lixo ou o outro a dormir descalço no chão. Desviamo-nos deles, como se não fossem pessoas ali deitadas no chão. Seguimos o nosso caminho. Finjo não ver, mas sinto essa desumanização abater-se sobre mim, corroer a minha sensibilidade e todos os valores que prezo. Sigo em frente, e levo em cada passo seguinte o peso da impotência.
E no meio deste cenário, a semana passada presenciei o oposto. Estava à espera de um táxi. Avisto um. Está ocupado. Uma senhora desce do táxi e o taxista faz-me sinal de que está livre. Entro e ele começa a contar-me: "coitada dessa senhora...estava ali parada no ponto de ônibus lá atrás e um sem teto estava mexendo com ela. Não mexendo mexendo, sabe? Mas, claro, nenhuma mulher fica confortável naquela situação e eu vi que ela estava constrangida, então, falei "sobe aí que te deixo no ponto la na frente". Ela ficou me olhando, desconfiada. São os tempos que a gente vive, sabe? Ninguém confia em ninguém, ninguém acredita em ninguém. Ela me perguntou "mas eu vou entrar aí? Assim? Eu não tenho dinheiro não, moço". Eu falei para ela "não estou pedindo dinheiro, minha senhora, não vou lhe cobrar não. Fique tranquila. Eu vou fazer este caminho mesmo e não tenho nenhum cliente aqui no carro, então, posso deixar a senhora lá na frente, no próximo ponto. Para mim não faz qualquer diferença, e ajudo a senhora." Ela entrou, ainda meio desconfiada. Aí, no final, me agradeceu muito, e desceu aqui e a senhora entrou."
Fez uma pausa na sua história, e continuou: " Sabe, eu fico muito triste de ver o mundo em que a gente vive agora. Um mundo em que a gente não consegue nem fazer um gesto de bondade, pois é mal interpretado, um mundo em que toda a gente se olha de lado ou todo o mundo vira a cara para todo o mundo. Eu acho muito feio esse mundo aqui." Concordei. "É que a gente vê muita maldade por aí, eu sei. Entendo isso", continuou ele, "Mas...nem toda a gente é má, e nem tudo é mal intencionado. Ainda há gente boa por aí. Eu me lembro de um tempo em que se respeitava as mulheres, se respeitava as pessoas idosas, em que se dizia "bom dia" e "boa tarde". E mesmo neste tempo que a gente vive em que impera a maldade e a falta de educação, ainda há gente educada e que quer o bem dos outros."
Curiosamente hoje, no ônibus, sentei-me ao lado de uma senhora idosa que, a dada altura na pequena conversa que tivemos, disse-me "Eu sou de um outro tempo, menina. Eu sou de um tempo em que as pessoas eram bem educadas, gentis umas com as outras. Não foi sempre assim, sabe?"
Sei. Imagino. E embora nós não possamos resolver o problema ou ajudar todos os mendigos do bairro - que dirá da cidade inteira- , podemos, ao menos, ter pequenos gestos de solidariedade de vez em quando e atitudes cordiais o tempo inteiro. Eu, por exemplo, faço questão de dizer "bom dia" e "boa tarde" a todos os motoristas e cobradores de ônibus. É um gesto que muda o mundo? Nem de perto. É uma coisa absolutamente insignificante e banal, mas para cada um deles é uma vez a menos que foram ignorados e para mim, são pequenos nadas que me fazem continuar a ser eu mesma, mesmo neste mundo que nos impele a erguer muros bem altos e que nos distanciem de todos.

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