quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Eu e o azul

Passou-se um ano. Os dias ora correm ora custam a passar, as semanas sucedem-se umas às outras com alguma desenvoltura. Os meses demoram-se. Mas passou-se um ano. Quase sem se dar por isso, mas dando-se por isso a cada dia. Desde o primeiro dia deste ano que passou, sempre me fez confusão o céu de São Paulo. Não sei explicar. A sério que não. Por mais que tente procurar as palavras certas, ou descrever o que sinto. Já o disse, e volto a dizer da melhor forma que consigo: sinto-o muito perto da cabeça, e vejo-o menos do que gostaria. Há muitos prédios, muita coisa, a cidade é toda muito. Só o céu não é tanto assim. Ou melhor, é, mas não consegue demonstrá-lo, não tem muito por onde espreitar. Ele tenta, aparece, esgueira-se por onde pode e, às vezes, dá um ar da graça, como, de forma grata, já o constatei. Mas os obstáculos são muitos e impetuosos. A minha alma sossegou quando, passado um ano, se viu debaixo do céu de Lisboa. Aqui ele tem a plenitude que eu me lembro de ver num céu. Parece que nos cobre toda a cabeça, como uma cúpula muito alta, arredondada, ora muito azul, ora desenhada pelo branco das nuvens.
 Consigo ver as cores que o pintam no pôr-do-sol e rever o meu tão adorado azul-do-final-do-dia-e-começo-da-noite. Aquele azul forte, escuro, pura energia para o meu espírito. Recordo os dias de treino de futebol no Estádio Universitário. Calhava nesse horário e era num espaço aberto onde céu era o que não faltava!.. Não raras vezes, sentava-me a contemplar aquela cor. Tornou-se a minha preferida. Respirava fundo, suspirava e sorria. Naqueles momentos, sentia-me parte de tudo, sentia-me um com tudo. Só por ver aquele azul, já valia a pena estar viva! Muitos anos se passaram sobre aqueles finais de tarde. Muita vida aconteceu e deixou de acontecer, mas aquele azul ficou comigo para sempre. Mesmo quando não o tenho, tenho-o por não o ter, por não o poder ver mas o ter cravado na memória. Foi em alguns finais de tarde em São Paulo que o percebi, que ainda o tinha comigo. Foi quando percebi a falta que me faz. Nesses finais de tarde o azul do céu quase conseguiu chegar ao mesmo tom. Aquele tom.  Fez-me sorrir na mesma. Não era o meu azul, mas era quase. Saiu da minha memória, por momentos, e quase se materializou. Fiquei feliz por ter um vislumbre dele. Aqui, em Lisboa, vejo-o inequívoco. Aqui via-o inequívoco todos os dias, e nem sempre lhe dei o valor que devia. Não me apercebi da falta que me fazia, até me fazer a falta que fez. E assim corre a vida, tantas vezes. A falta das coisas, das pessoas, nem sempre é sentida da mesma maneira. Há aquela falta que nos consome por dentro, que quase nos envenena e, passado um tempo, nos deixa como que anestesiados. Sentimos-lhe tanta falta que já nem sentimos, arrumamos isso em algum cantinho pouco acessível e tentamos deixá-la adormecida. Se, por algum acaso, acedemos ao que nos faz falta, acorda essa maldita dor da falta de forma violenta. Entra tudo em ebulição. Dói. É melhor quando não temos acesso ao que nos faz falta. Quase conseguimos esquecer. É a falta que sinto da Música. Numa comparação interessante, dizia-me uma grande amiga que é um bocado como a fome: há aquele momento em que sentimos tanta fome, tanta fome, que até dói a barriga. Se deixamos passar esse momento, por mágica, parece que a fome passa. Basta começarmos a comer para nos apercebermos da fome de leão que realmente tínhamos. Depois há aquela falta que piora com o passar do tempo. No início custa. Depois custa mais ainda. Depois habituamo-nos. Mas custa na mesma. Sempre. E muito. É a falta que sentimos das pessoas que amamos. Sentia-a lá durante todo o ano, e sinto-a, hoje, nestas semanas, aqui. E há aquela falta que nós não sabíamos que sentíamos. É a falta do azul. Quando o vemos é que percebemos a falta que nos fazia.

Passou-se um ano. Este ano não tive o meu azul. Tive as cores das minhas saudades, todas elas, diversas e variadas. Tive as sombras dos meus medos. Tive os tons inúmeros, variados e luminosos que preenchem a nossa vida quando temos a felicidade de partilhar todos os dias com a pessoa que amamos e escolhemos para ter ao nosso lado. Tive a cor inesgotável da minha - da nossa - esperança.
Este ano não tive o meu azul mas tive o azul dos teus olhos, nosso pequeno e adorado filho. Talvez lá atrás no tempo, a minha alma já pressentisse que o azul iria ser tão importante na minha vida. Não há azul como o dos teus olhos. Nem mesmo no céu de Lisboa.


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