quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Nós e a festa da Achiropita


A festa da Achiropita realiza-se entre todas as sextas feiras e domingos do mês de agosto. No bairro da Bela Vista. Festa italiana num bairro em que os traços da forte imigração italiana perduram até hoje. "A cada esquina" há uma cantina italiana e, em cada rua, vivem descendentes de italianos. A própria casa que habitamos atualmente - e as que lhe são mais próximas -  foi erguida por um italiano: um dos bisavós do meu filhote.
No primeiro dia da festa era visível nas ruas próximas à 13 de Maio, onde ela se realiza, que era um dia diferente. Um formigueiro de gente nas ruas, vendedores ambulantes de todas as traquitanas que os miúdos gostam de pedir aos pais, as portas dos bares, cafés e afins tinham bancas com doces, principalmente espetadas de fruta coberta de chocolate ou aquelas maçãs caramelizadas que, em miúdos, a malta da minha geração comia na Feira Popular de Lisboa. Depois de caminhar alguns quarteirões, chegamos à festa propriamente dita. A longa rua totalmente decorada com pequenos enfeites brilhantes, a música alegre e festiva e, de ambos os lados da rua, as barracas montadas a vender todo o tipo de petisco, fez-me lembrar a festa dos Santos Populares em Lisboa. Um sorriso toma conta dos meus lábios e os meus olhos brilham ao ter um vislumbre de "casa". Suspiro. Quando se está longe, tudo o que nos remeta à pátria mãe aquece o nosso coração e, o meu, passeava alegre pela rua, bem acompanhado de quem mora nele: o pequenote impressiona-se com a quantidade de gente pela rua e salta para o colo do graúdo com quem sigo de mão dada em direção à barraca da fogazza. Dizem que é das melhores coisas da festa e a fila longamente serpenteada parece confirmá-lo. Com o pequenote já ao meu colo, chego ao fim da fila, e o rapaz diz-me que não teria precisado de ali estar: havia uma fila preferencial. (Regra geral, as filas preferenciais são bem mais respeitadas e eficazes que em Portugal.) Aprendemos a lição e, nos fins de semana seguintes, foi a essa fila - bem mais curta - que recorremos. Confirma-se: a fogazza é ótima! Uma espécie de calzone recheado com queijo e tomate. O esparguete à bolonhesa que experimentámos no fim de semana seguinte também. Até o pequenote - que nunca gosta de nada - aprovou! E do que ele mais gostou? Das barracas onde, por meio de qualquer jogo, se tentava ganhar algum boneco ou brinquedo. No último fim de semana o pai conseguiu: uma estrela azul, um carrinho com luzes e uma espécie de helicóptero movido a um balão.
Escusado será dizer que a festa é bem regada a cerveja e a outras bebidas típicas como o vinho quente - que eu não experimentei. Devido à forte procura das casas de banho dos restaurantes, cantinas e afins da rua, os estabelecimentos recorrem à prática de cobrar a utilização. A média é de um real para a masculina e dois reais para a feminina.
Conhecemos a amável e afamada no bairro pelos belos pratos italianos que confecciona, e já conhecida da família do meu marido, dona Celeste, portuguesa que vive em São Paulo desde menina. Diz-me que, apesar de ter vivido aqui toda a vida nunca quis obter a nacionalidade porque "eu continuo a ser mesmo é portuguesa!" Quem a ouve falar, no entanto, poderia jurar que é brasileira. Conta-me que não vai a Portugal há sessenta anos!  Digo-lhe que "Deus me livre e guarde de ficar tanto tempo sem lá ir! Eu vou, de certeza, já no próximo ano." Que esteve para ir algumas vezes, que quando finalmente se decidiu a ir com o marido, ele adoeceu. Acabou por falecer na sequência. Diz-me, entusiasmada, que vai, finalmente, no próximo Outubro. Chega a Lisboa, e parte novamente para São Paulo do Porto que, "assim dá para passear um pouco." Penso com os meus botões na emoção e felicidade que irá sentir e, talvez, por outro lado, na tristeza ou até desilusão, quando não a identificarem, à partida, como "alguém da terra", por causa do sotaque que adquiriu aqui. Desejo-lhe uma boa viagem e ela dá-me as boas vindas a "uma terra que é boa e também está no meu coração", acrescenta. Não foi só o sotaque que ganhou aqui: a simpatia e a alegria a transbordar para quem com ela contacta também.
O pequenote diverte-se e chega a casa estafado nos dias da festa. Dorme um sono tranquilo e merecido.
A festa acabou há duas semanas e ele continua a dizer, na sua forma muito particular: "acho que hoje vamos à festa da 'Chiopita."
Agora só para o ano, meu amor.

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