quarta-feira, 19 de junho de 2013

Os brasileiros e as manifestações

Tem sido uma semana intensa.  Aqui, acolá e acoli pelo Brasil inteiro - e até fora do Brasil - há manifestações contra o aumento da tarifa dos transportes públicos. Como moramos próximo à Avenida Paulista, que tem sido o palco principal das manifestações em São Paulo, temos convivido diariamente com o som incessante dos helicópteros que captam as imagens dos protestos. Eu diria que esse aumento da tarifa dos transportes foi apenas a motivação, a gota de água que fez transbordar a paciência dos brasileiros e os fez sair do descontentamento inerte para a demonstração ativa dos seus pontos de vista. As manifestações, todos os protestos, vão muito além da questão da tarifa dos transportes. É um protesto contra tudo o que vai ficando entalando na garganta do povo, esganada por tanta indignação e por um custo de vida quase insustentável para a grande maioria das pessoas. Num país em que falta quase tudo - educação e saúde pública de qualidade, segurança, infraestruturas que possibilitem um maior e melhor crescimento- e em que sobra corrupção, a organização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos choca muita gente. É bom para o país? Certamente terá o seu lucro. Mas o povo não precisa de estádios. Ainda para mais de estádios que, após esses eventos, pouca ou nenhuma utilidade vão ter. (Veja-se o exemplo do que aconteceu com o Estádio de Aveiro em Portugal, ou mesmo do Estádio do Algarve.) Do que se precisa é de escolas, hospitais, um transporte público mais eficaz, de não ter medo de andar na rua, de ter empregos com salários compatíveis com o custo de vida deste país, ou então de um custo de vida compatível com a realidade da grande maioria dos salários deste país. O preço das coisas aumenta a cada dia. Dou um pequeno exemplo: há três semanas comprei uma embalagem de papa para o meu filho por R$7,99. Esta semana deparei-me com uma alteração no preço: R$9,25. Diga-se que, só de si, R$7,99 por uma embalagem de papa é caro! O que dizer, então, do aumento? E já nem falo dos produtos na feira, no supermercado, ou ainda de roupa ou tudo o que seja artigos para criança. Não é à toa que quem tem a possibilidade de viajar para a Europa ou Estados Unidos, volta com as malas cheias de todo o tipo de coisas compradas lá. E note-se que quem tem a possibilidade de fazer essas viagens são pessoas de boa ou muito boa condição económica. Ainda assim, não hesitam em poupar (e bem!) na hora de comprar fora do país- e notem como é contraproducente: quem tem poder de compra, opta por comprar fora do país. Isto são apenas exemplos triviais do que aqui se passa (e fico-me por estas coisas mais simples: nem vou entrar no assunto da creche.) Do que se passa na realidade de quem vive aqui todos os dias, e não do que se passa na realidade dos relatórios de crescimento económico ou  quaisquer outras ferramentas políticas. A ideia que se vendia aos brasileiros e ao estrangeiro já não cola. Isto não é o mar de oportunidades que se pinta nos noticiários. Com certeza está bem melhor que a Europa e que muitos países mundo afora. Ninguém põe isso em causa. Só não está é tão bom quanto se tenta fazer crer. Mas ao que parece, o povo já não crê que vai ver: quer ver para crer. Está de olhos bem abertos, e saiu às ruas para mostrar que já não quer só ouvir conversa fiada. Quer concretizações visíveis, palpáveis, que façam a diferença no rumo deste país, destas pessoas. Um país que tem beleza natural, um povo acolhedor, recursos naturais riquíssimos, que tem tanto por fazer, tem a obrigação de fazer muito mais,de ser muito mais! É só seguir a direção certa.
Tal como Portugal, o Brasil não tem uma classe política que honre o seu país. É uma classe política que coloca o país a servi-la, a desmando dos seus interesses pessoais, e não, como deveria ser, que se coloca ao serviço do país. Mas, tal como em Portugal, as pessoas comuns estão a mostrar-se mais atentas, mais reivindicativas. Pena que, no meio de toda a multidão que simplesmente quer exercer os seus direitos democráticos, haja umas poucas dezenas que recorrem à violência, depredação e até saque. Notável o que aconteceu ontem em Brasília, e hoje na Avenida Paulista em São Paulo: tudo de forma absolutamente pacífica e ordeira. Só a força da massa humana, a energia eletrizante de dezenas de milhares de vozes a cantar o hino brasileiro. Assim os argumentos são ouvidos. Assim só dos argumentos se pode falar. E é isso que move todos os que caminham por aquelas ruas que, no dia a dia, são de trânsito intenso e nesta semana se transformaram em enormes passadeiras repletas de gente. Até onde vão caminhar? Qual o objetivo que as motiva neste momento?
Os próximos dias o dirão.
Uma coisa é certa: o que esperam alcançar no final do caminho é um futuro melhor. E uma coisa ninguém lhes tira: a esperança nesse futuro. É por acreditarem nele que continuam a dar cada passo. E enquanto caminham, com o vento da mudança a bater-lhes no rosto, o futuro aproxima-se, a pouco e pouco.

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