sábado, 1 de agosto de 2015

Se essa rua fosse nossa




Mais uma iniciativa do Itaú Cultural. Mais uma boa iniciativa.
A criançada fica com uma parte da rua lateral do Itaú Cultural por sua conta! A trilha sonora é agradável, virada para os pequenotes, e as brincadeiras são à moda antiga: desde amarelinha a corrida de sacos, passando por pular corda e mais um monte de outras brincadeiras que fazem parte da infância de qualquer um de nós. Além das brincadeiras bem conduzidas por monitores que ali ficam toda a tarde, há apresentações de teatro ou música.
Para pequenos e graúdos matarem a fome, há foodtrucks ali estacionados para a ocasião. (No interior do Itaú Cultural também há opções nesse sentido).
Vale a pena ficar atento à programação e aproveitar "se essa rua fosse nossa" porque ali, por um pedacinho, é mesmo delas, das crianças, e a diversão é garantida!

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Eu e o mundo das crianças

Eu e o Mateus passamos um mês de férias em Lisboa.
No primeiro final de semana de regresso a São Paulo, fomos até ao Itaú Cultural para o evento "Se essa rua fosse nossa." Enquanto o observava a brincar e interagir com as outras crianças que ali estavam, pensei como o mundo das crianças é tão mais simples do que o nosso.
Em Lisboa, aproveitamos bem os dias quentes de verão para passear. Além das coisas óbvias como o jardim zoológico ou o oceanário, do que o Mateus mais gostou foi de brincar nos variados parques de lisboa. Em cada um deles, acabava por brincar com uma ou mais crianças, da idade dele ou não, menino ou menina. Brincou com portugueses e com estrangeiros, já que Lisboa está bem recheada de turistas. Entendiam-se sempre. Corriam, riam, interagiam. Em um dos dias, um menino perguntou-lhe que língua ele falava, se era inglês. Vi o ar intrigado do Mateus, correu para mim e segredou-me "mamãe, que língua eu falo?" Disse-lhe "português, filho, todos falamos português aqui, mas nós falamos com o sotaque daqui e tu falas com o sotaque do Brasil, falas português do Brasil." Ele arregalou os olhos e correu novamente para junto dos meninos. "Falo português do Brasil." Continuaram a brincar. Em outro dia, um menino perguntou-lhe "és brasileiro?" Novamente aquele olhar intrigado, como quem pensa "Boa pergunta!" Não ouvi a resposta e vi que continuaram na mesma correria e euforia de antes no escorrega do parque. Perguntei-lhe o que tinha respondido ao menino, e ele encolheu os ombros "Nada... Eu não sei", disse-me ele na maior descontração. Para ele não tem a menor importância se é português, brasileiro, sueco ou chinês. Tão pouco tem a menor importância qual a aparência ou a nacionalidade dos meninos com quem brinca. E tão menos ainda tinha importância para os outros qual a língua ou o sotaque dele.
No Itaú Cultural, o Mateus movia-se e interagia exatamente com o mesmo à vontade que em qualquer parque em Portugal. A mesma alegria, a mesma empolgação, a mesma excitação de estar num lugar que gosta, à procura da melhor forma de se divertir. O melhor de tudo é que percebi que a forma dele estar no mundo e a forma com que o vê melhora a minha: tanto me faz que seja em Lisboa ou em São Paulo...a alegria do Mateus é a minha, vê-lo feliz faz-me sorrir esteja eu em que ponto do globo estiver.
Simples, não?
Além de mais simples que o nosso, o mundo das crianças é também, muitas vezes, mais bonito. O menino com quem o Mateus mais brincou no Itaú, do nada, chegou ao pé dele e abraçou-o "´Tá brincando sozinho? Quer brincar comigo?" E assim começou uma tarde de diversão. No final da tarde, o menino chorava no colo da mãe "mas eu não quero ir embora ainda!" O Mateus, sabiamente disse-lhe, "Não fica assim não. O que importa é que a gente se divertiu." E seguimos para casa, à procura da próxima brincadeira.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Pérolas da língua portuguesa

Em Portugal também as temos e em larga escala. Note-se, por exemplo, o incorreto emprego do "s" nos tempos verbais da segunda pessoa do singular: "Oh Manel, fizestes o que te pedi? Comprastes as coisas no mercado?"
Dói nos ouvidos...

Ora aqui em São Paulo, também é comum ouvirmos pérolas por aí. A minha preferida é o "nimim". E perguntam-se vocês o que é esse tal de "nimim"? Aqui vai um exemplo:

"O cara derrubou a cerveja nimim!"


De difícil escrutínio, de início, esta variação de "em mim" permeia muitas das falas de quem é usuário de transportes públicos.

Parente desta pérola, encontramos uma outra, mais clássica ainda: a eterna dúvida "eu ou mim?"

"Me dá isso para mim fazer!"

"Para mim chegar lá vai ser difícil!"


Quando éramos crianças e alguém cometia este tipo de erro, havia sempre algum engraçadinho que dizia "Mim Tarzan, tu Jane."

Outra dificuldade que se encontra muito por aí é a conjugação dos verbos na primeira pessoa do plural. É comum ouvir-se "nós vai fazer assim..." ou "nós quer justiça!"

Em Portugal, é comum o erro inverso: "a gente vamos fazer..."

À parte as idiossincrasias da Língua Portuguesa nos dois lados do mundo, o importante é que a gente se entende e, mais do que nunca, como dizia o grande Pessoa: a minha pátria é a Língua Portuguesa - sempre que possível, a correta.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Eu e o Shine

O Shine foi para nossa casa em 2004. Lembro-me bem do ano porque era ano de Europeu: o Campeonato Europeu de Futebol que foi realizado em Portugal. O Shine era um bebezinho, bem pequenino, com barriga rosada e andar trôpego. Bamboleava enquanto tentava equilibrar-se o melhor possível nas quatro patas, curtas, demasiado curtas para a redonda barriguinha que quase tocava no chão. Nos dias dos jogos de Portugal, ele ficava, por momentos, com uma bandeira de Portugal enrolada ao pescoço. A casa enchia-se de gente - amigos do meu irmão, na maioria- e o Shine era o queridinho de todos. Não havia quem não se derretesse completamente a olhar para ele. Nas primeiras noites, quentes, dormia esparramado no chão ao lado da minha cama. Ofegava, com o calor, e eu ficava preocupada "será que ele está bem? será que esta respiração é normal?", quase como uma mãe fica quando leva o seu bebezinho para casa - sei-o agora que sou mãe. Naqueles dias de calor, escolhia o chão de azulejo da cozinha para dormir. Caminhava lentamente até lá e, de repente, parava: deixava as patas da frente deslizar para a frente e as de trás deslizar para trás e ali ficava, deitado ao comprido, totalmente esparramado no chão. Outras vezes escolhia o cantinho atrás da sanita para uma sesta. Anos depois, com ele crescido, enorme, olhávamos para aquele cantinho e pensávamos: "como é possível que ele algum dia tenha dormido confortavelmente ali atrás?"
O Shine era o nosso bebé. Ninguém se queria apegar muito a ele, porque a vinda dele para nossa casa foi em consequência de uma perda bem dolorosa: a do Soneca, um quase-Husky que tinha apenas 6 meses quando nos deixou. Mas como não se apegar? Eu e o meu irmão rendemo-nos imediatamente a ele. A minha mãe conseguiu resistir mais um pouco, mas também, inevitavelmente, acabou por ceder.
O Shine sempre foi um cachorro cheio de energia. Correr e brincar era com ele!.. Muito carinhoso, adorava estar perto de nós. Enquanto bebé, cachorro, acompanhou-me muito no meu estudo de piano. Era o meu fiel ouvinte, e com gosto próprio: algumas obras musicais, ele preferia ouvir de longe - ou fugir para longe...Mal começava a tocá-las, levantava-se na cama onde estava confortavelmente aninhado, olhava para mim com aquele ar de "outra vez isso?" e ia-se embora do quarto. Nunca foi sociável com outros cães, mas sempre recebeu toda a gente em casa com festas, pulos e mais pulos!
As palavras que li ontem à noite no meu e-mail não param de ressoar no meu pensamento "Maninha, o Shine morreu." Desabei em lágrimas. Não, não é possível!..Ele tinha 11 anos, mas estava bem. Continuava cheio de energia. Eu ia revê-lo daqui a pouco tempo. Não pode ser: eu não vou mais vê-lo! Nunca mais. Cada vez que aquelas palavras do e-mail ecoam dentro de mim, invade-me uma tristeza profunda. Visualizo cada uma delas como se relesse novamente o e-mail, e não as aceito. Tenho este sentimento de incredulidade a gritar dentro de mim. Não consigo acreditar que aquele maluco não nos vai receber aos pulos!..Que não vai ficar aninhado a dormir ao pé de nós enquanto vemos televisão. Que não vai ficar a olhar piedosamente para nós enquanto estivermos a comer alguma coisa que ele gosta e não vamos ouvir aqueles sons chorados como quem diz "olha para mim aqui, a portar-me tão bem", caso ele pensasse que nos estávamos a esquecer dele ou que a sua presença não estava a ser suficientemente notada.
Há quem não entenda, mas eu sinto como se tivesse perdido um membro da família. E custa estar longe. Às vezes estar longe é uma verdadeira merda, diga-se em bom português. As dores partilhadas, às vezes, parece que doem um bocadinho menos.
O Shine fez-se presente nos meus momentos de tristeza, pulou comigo nos meus momentos de alegria, fez-me companhia em momentos de solidão. Tirou-me do sério umas quantas vezes, preocupou-me em outras. Percebo hoje que o via em todos os cães aqui em São Paulo: quando fazia carinho em algum, era nele que pensava, era uma tentativa inconsciente de matar as saudades que sinto dele. Agora as saudades serão eternas e, como diz o Mateus, "nunca vou me esquecer do Shine, ele vai viver no meu coração para sempre."
Obrigada, Shine, por tanta coisa boa que trouxeste às nossas vidas. Isso faz qualquer dor valer a pena.

domingo, 12 de abril de 2015

Nós e o concerto

Hoje foi um dia muito especial para mim. Há tempo demais que eu não ia assistir a um concerto de música clássica. Hoje fui. Com um programa muito agradável e com uma coisa única em relação a todos os outros concertos que vi na minha vida: o meu filho estava comigo. Ele foi, pela primeira vez, ouvir um concerto com uma orquestra. Mal entramos na sala, observou atentamente os violoncelos espalhados pelo palco e a harpa.
Os músicos começaram a entrar no palco, e eu senti uma emoção profunda. Como se um velho e querido amigo que eu não visse há anos estivesse a aparecer diante dos meus olhos. Não, não eram eles ali, aquelas pessoas, aqueles músicos maioritariamente russos. Era a Música que eu estava a reencontrar. Eles começaram a afinar os instrumentos. Expliquei ao pequeno o que estava a acontecer, ainda emocionada perante aquela massa sonora disforme e que me é tão familiar.
Para ele, não foi nada de fantástico. Gostou, foi uma coisa diferente, mas não amou. Ainda assim, portou-se muito bem. O programa era "A bela adormecida (Tschaikovsky) e Peer Gynt (Grieg). Antes do concerto, contei-lhe as histórias de ambos (no próprio concerto havia uma espécie de apresentador que contava as histórias e falava sobre os instrumentos de orquestra). Isso ajudou a que mantivesse a atenção, uma vez que ia perguntando "qual parte da história é agora?" e, com certeza, ficava a imaginá-la enquanto ouvia a música. Ainda me fartei de rir no final, quando começaram a bater muitas palmas e o apresentador disse "se fizerem muito barulho, eles tocam mais uma", e o pequenote olha para mim com um ar de desalento "mais uma?!!" Lembrei-me dos nossos tempos de escola, de audições do coro, quando tínhamos o mesmo sentimento de "já está bom: enough is enough." O momento alto para ele (e para mim) foi o da "Gruta do Rei da Montanha" de Peer Gynt. Ficou entusiasmado não só por ser a parte da história em que participavam os trolls, mas também pela própria música. A mim, corriam-me as lágrimas pelo rosto. Senti aquele arrepio que me percorre a espinha e se difunde energicamente por todo o corpo quando a música é boa. Quando li "comer, orar e amar", uma passagem em particular chamou a minha atenção:  a descrição que Elizabeth Gilbert tenta fazer de uma experiência que viveu durante um momento de meditação. Uma experiência que a fez sentir mais perto do seu ser, mais perto da divindade:

"...posso sentir uma energia suave, azul, elétrica pulsando pelo meu corpo, em ondas. (...) Sua vibração vem da base da minha coluna."

A Música leva-me para lugares parecidos com esse. Leva-me para...dentro, para mais perto de mim mesma. Foi por isso que, após muito tempo sem tocar para ninguém, quando toquei uma peça há anos atrás para um grupo de amigos, senti uma emoção tão forte e reconfortante como...regressar a casa e, quem como eu vive longe do país de origem, sabe a emoção que é. Aquele suspiro "ahhhhhhhh: era este chão que me faltava!" Foi exatamente isso: senti-me em casa, em paz, porque a música, já dizia o meu professor, leva-nos aos cantinhos mais especiais e longínquos de nós mesmos. Sempre. Passe o tempo que passar sem que lhe demos a devida atenção. A nossa música nunca ninguém nos pode tirar.


domingo, 5 de abril de 2015

Conversas paralelas

No ônibus, um senhor conversava com o cobrador:

"Cara, em São Paulo a gente vê de tudo...Essa semana eu vi uma coisa que....nem sei, eu ´tou sem dormir bem há 3 noites."

"Que aconteceu?", pergunta o cobrador.

"Olha, ´tava eu lá, esperando o metrô. Eu mais umas 5 ou 6 pessoas, todos sentados. A gente viu que o metrô vinha vindo, e se levantou, e nisto, um dos moços que ´tava ali sentado... se joga na frente do trem."

"Cara!..."

"Pois é, puxa a vida, meu, eu não ´tou nem conseguindo dormir direito depois daquela cena. O moço ´tava ali, sentado, e se joga."

"E depois, parou tudo?"

"É, o trem ficou ali, vieram uns funcionários limpar tudo, recolher os pedaços. Cara: horrível, uma cena horrível!"

"Com certeza se jogou cornudo!", arrisca o cobrador.

"Sei lá, mulher pode mexer com a cabeça de um homem. Mas sei lá....o que faz uma pessoa se jogar assim? Que cena horrível. Já tinha ouvido falar de vários casos, mas nunca tinha presenciado uma coisa assim."


Lembrei-me do filme "Sunset Limited". O filme é um diálogo entre duas personagens: um totalmente céptico e outro de uma fé inabalável. O segundo salvou o primeiro de se jogar na frente de um trem e leva-o para sua casa. Não pretende deixá-lo sair dali antes de ter a certeza que não vai tentar repetir a façanha. É um filme que nos leva à reflexão. Muito interessante. Tão interessante que os dois lados da moeda se nos apresentam como válidos. Nos dois encontramos verdade. Ou, pelo menos, nos dois encontramos possibilidade. Porque isso da Verdade, na verdade, é bem relativo. A verdade é que cada um tem a sua. Mesmo que algumas pessoas se guiem pela mesma Verdade, cada um a construiu e a vivencia à sua maneira. Não há duas pessoas iguais e, se há Verdade, ou verdades, bom...não sei. A esta hora o senhor do trem tem muito mais respostas do que qualquer um de nós aqui. A nós, restam-nos as perguntas, a dúvida, a busca. Isso, em si mesmo, já nos leva a algum lugar: dentro de nós mesmos. E como é vasto esse lugar!..Uma vida inteira, por vezes, é pouco para o conhecer. Mas...vale a pena tentar!





Para quem quiser ler um pouquinho mais do diálogo de Sunset Limited:

http://www.imdb.com/title/tt1510938/trivia?tab=qt&ref_=tt_trv_qu