terça-feira, 31 de outubro de 2023

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Todos conhecemos o lugar-comum "temos que agradecer as coisas boas da nossa vida" mas, embora seja relativamente fácil fazer uma lista extensa com itens de todo o tipo, e refletir sobre a importância de cada um, nem sempre é fácil SENTIR essa gratidão. Perdemo-nos na meia dúzia de itens que (achamos que) faltam na nossa extensa lista, e é mais fácil sentir a falta (que achamos) que eles nos fazem do que a presença dos demais. Sim, sei que tenho que agradecer por ter saúde e comida no prato, mas aquela casa/férias/filho/carro/emprego/relação/X no banco... E a verdade é que há tantas coisas simples pelas quais deveríamos sentir uma profunda gratidão mas que só aprendemos a valorizar quando nos falham. Temo-las por banais, por garantidas. Nem as percebemos na nossa vida.
Hoje eu senti uma profunda e autêntica gratidão por poder atravessar uma rua com facilidade. Uma coisa que eu faço todos os dias, inúmeras vezes, de forma completamente automática. Por mais que já tenha pensado que atravessar uma rua é um desafio para algumas pessoas, nunca o tinha sentido na pele. Eu aguardava que o sinal ficasse verde para atravessar, enquanto observava um senhor do outro lado a fazer o mesmo. Com a diferença que ele tinha uma bengala na mão e estava visivelmente ansioso com os carros que passavam à sua frente. Eu atravessei, aproximei-me dele e perguntei se queria ajuda para atravessar. Ele agradeceu, explicou que só via vultos e não conseguia perceber os carros ao longe, apenas quando ja estavam ali próximo. O semáforo não era sonoro e ele não
conseguia perceber quando era seguro atravessar. Segurou no meu braço, e guiei-o até ao outro lado. "Deus a abençoe", disse-me, enquanto seguia o seu caminho procurando com a bengala o caminho desenhado em relevo na calçada. Eu voltei a atravessar a estrada para seguir o meu. Dei mais meia dúzia de passos e esperei novamente para atravessar outra estrada. Mas desta vez, como nunca na vida, com uma enorme sensação de gratidão no peito. Como se estivesse a ver cores e uma luz nova, grata por ter o privilégio de observar de forma tão clara tudo o que me rodeia, grata por ter o privilégio de me locomover com autonomia e facilidade. Não foi um pensamento, conclusão ou reflexão mas uma sensação inequívoca no corpo, que me preencheu o peito e me deixou os olhos marejados. A gratidão não é uma pensamento, mas um sentimento. Cultive-o.

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