terça-feira, 31 de outubro de 2023

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Quando éramos crianças/adolescentes, todos os anos passávamos 15 dias do verão no Algarve (praia). Uma das coisas que eu mais gostava era do regresso a Lisboa. A cidade tinha outra cor. Embora pouco ou nada tivesse mudado na cidade em 15 dias, eu observava atentamente, como se jogasse o "jogo das diferenças" e prestava atenção a cada detalhe, a cada pequena mudança, como se visse a cidade pela primeira vez. Por isso, em cada regresso a casa, eu via outra cidade. Eram os mesmos caminhos, os mesmos edifícios, mas a cidade era outra para mim. Quando chegava a casa, a primeira coisa que fazia era sentar-me ao piano. Era uma experiência única. Duas semanas sem tocar, tornavam a sensação do toque diferente. Claro, tecnicamente, poderia ter os seus desafios, por estar "fora de forma", mas também havia um frescor, uma maior percepção de todas as sensações e, principalmente, do som. Algumas músicas que pareciam estagnadas antes das férias, depois daquelas semanas de ausência, ganhavam um nova compreensão, uma nova vida. "É necessário aprender e esquecer várias vezes uma obra para começar a entendê-la." (Alicia de Larrocha) Por vezes, ao estudar uma obra, entramos numa prática repetitiva, automática, cristalizada. Para que a interpretação tenha vida e seja autêntica, é preciso estar sempre atento a ela, a novas possibilidades que se nos apresentam, e não ficar preso àquelas que foram a nossa opção anteriormente.
Seja qual for a prática - música, yoga, escrever, desenhar, cozinhar,  conversar - é necessário uma entrega profunda, uma interação completa para que a experiência seja vivenciada no Presente, com plenitude. (E isto, já estava lá há milhares de anos atrás no Yogasūtra de Patanjali...)
É preciso tocar sempre como se fosse a primeira (e a última) vez.

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