quinta-feira, 11 de maio de 2023

104-365

 


Há vários anos que dou aulas de piano. Às vezes, os alunos contam-me que tentaram ensinar um familiar ou amigo a tocar alguma música e perguntam-me como tenho paciência para ensinar. "Tentei ensinar só esta parte, mas ela não conseguia fazer!" Eu acho que um grande desafio de ensinar é colocarmo-nos no lugar do outro. Quando já conseguimos fazer alguma coisa bem, às vezes perdemos a noção de como, um dia, aquilo também foi difícil para nós, e de quais eram as nossas dificuldades concretas. (Tive um professor que dizia que a única coisa que o separava de nós, alunos, era o tempo de prática e a experiência.) Colocarmo-nos no lugar do outro significa tentar perceber quais dificuldades está a enfrentar - mesmo quando, nós mesmos, nunca passámos por nada parecido - para, então, pensar e mostrar ferramentas que possam ajudá-lo. E esse, por si só, às vezes é um desafio: entender o que o outro não percebe, ou descobrir qual dificuldade motora está a bloqueá-lo. Como em tudo na vida, sem perceber onde está o problema, não é possível resolvê-lo. Outra questão importante é que nem todos aprendem da mesma forma, e nem todas as dificuldades se resolvem com a mesma solução. Além disso, todos temos o nosso tempo (de progressão, de maturidade, etc). Na aprendizagem, vale a sabedoria popular "cada um é como cada qual". Talvez a tal "paciência" seja necessária nesse aspecto: descortinar o que aquele aluno específico precisa de nós, adaptar a nossa forma de ensinar a cada um que está a aprender. Pessoalmente, acho muito estimulante passar o conhecimento adiante. Sempre gostei de partilhar com os outros o que me toca, o que me emociona, aquilo que me enriqueceu, de alguma forma. Fico muito feliz quando um aluno se encanta com a música, quando percebe que ela é uma nova linguagem à sua disposição para se expressar de forma autêntica ou, pelo menos, para se divertir genuinamente com ela.
Acho que a única coisa que realmente é desafiante no que diz respeito à paciência é tentar ensinar e motivar, quem não está minimamente interessado em aprender. Porque para quem tem motivação, é muito fácil acontecer o diálogo da aprendizagem. O difícil é quando encontramos uma barreira, uma falta de abertura. Às vezes, dá vontade de cruzar os braços, ceder. Mas, então, lembro-me que eu já estive exatamente naquele lugar, do outro lado da barreira. E hoje estou aqui. Então, continuo a dedicar-me, a entregar o melhor que posso e a tentar encontrar formas de aceder ao melhor de quem está do outro lado. E, não raras vezes, as barreiras caem, a troca acontece, e valeu a pena! 

Sem comentários:

Enviar um comentário