sábado, 16 de dezembro de 2023

204-365

 


Alguns professores incentivam-nos a não ouvir gravações das músicas que estamos a estudar sem antes as amadurecermos no nosso estudo. Isto porque é muito comum ficarmos presos a determinada gravação, ou mesmo presos a interpretações nossas do passado. A interpretação que escolhemos fazer deve ter por base opções nossas, daquele momento, e não "vícios de audição". Devemos procurar, investigar, refletir, olhar para aquela partitura como quem a vê pela primeira vez, e olhar para nós mesmos sem interferência de memória: é a Verdade de quem somos, agora, que deve transbordar na interpretação, e é a Verdade que encontramos naquela música, naquele momento, que devemos abraçar.
No yoga, esse movimento é a purificação da memória: para termos uma interação profunda com o objeto, - seja uma coisa, uma pessoa, uma sensação - é preciso olhá-lo com o olhar puro, sem "cargas" de interações anteriores, sem pré-conceitos, sem expectativas. Devemos estar inteiros nessa interação, com presença, para que isso se torne uma interação de quem somos com o que o objeto da nossa interação é, agora. É um exercício exigente, desafiante, mas profundamente enriquecedor: olhar para aquela pessoa, aquele objeto, naquele momento, como ele se nos apresenta ali e não através dos véus do nosso julgamento ou expectativa que toldam a nossa visão. É como regressar a um livro ou um filme anos mais tarde: nunca são os mesmos, porque nós não somos os mesmos, o nosso olhar é outro, por isso, a percepção e a interação que se criam são outras. Purificar a memória é um esforço para criar essa Abertura: permitir-se olhar com o olhar de quem nunca viu e, assim, entrar num espaço desconhecido, novo.

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