terça-feira, 4 de abril de 2023

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Esta semana recebi um vídeo de uma amiga com um excerto do filme "História de um Casamento" (excelente filme, por sinal, que encontram no Netflix), em que a advogada da personagem interpretada por Scarlett Johansson discorre sobre o sentimento de culpa e de obrigação de perfeição que recai sobre as mulheres. Afinal, diz ela, Maria era a mãe de Jesus: a virgem, perfeita, que deu à luz o filho de Deus, que estava lá na hora da morte do filho - "e onde estava o pai?" questiona a advogada.

Lembro-me perfeitamente da aula de piano em que o meu professor me falou sobre isto. Do complexo que nos persegue desde Eva. Somos descendentes dela, e ela é que instigou Adão a comer o fruto proibido - não, o pobre Adão não teve responsabilidade pela sua decisão... Caímos do Paraíso por causa de Eva e, inconscientemente, carregamos essa culpa no nosso ADN. Somos as pecadoras que merecemos sofrer e fazer todo o tipo de sacrifícios pelos outros - talvez para nos redimirmos da péssima influência que fomos para Adão e por termos condenado a raça humana a viver fora do Éden. Olhem à vossa volta. Os homens, em geral, são bem mais descomplexados. Para eles - talvez por uma questão genética e pelo contexto de sociedade patriarcal em que ainda nos movemos - é bem mais fácil dar-se o direito de pensar em si mesmos. Uma mulher tem que se desfazer em 2 ou 3 para dar conta de todos os recados, e ainda assim tende a achar que não é suficiente. Uma mulher sente a obrigação de colocar todos à sua frente como prioridade. No dia em que ousa pensar em si mesma primeiro, lá vem a famigerada culpa. Ser mulher nunca foi fácil. Temos de agradecer o tanto que outras mulheres de gerações anteriores à nossa já percorreram para que hoje tenhamos adquirido direitos e liberdades com que elas apenas sonhavam. Ainda há muito a  ser trilhado. E continuamos a ter o caminho mais difícil para percorrer: cá dentro, de desconstrução. Não, não temos de ser perfeitas em tudo. Não, não é egoísmo pensar em si mesma: é autocuidado - e é essencial se queremos cuidar dos outros (a história de colocar primeiro a máscara de oxigénio em si mesma para depois ter condições de ajudar os outros a colocar a sua). 

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