quarta-feira, 27 de setembro de 2023

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 Há tempo atrás, conversava com uma aluna (adulta) minha sobre o quanto as pessoas estão ocupadas em partilhar a vida em retalhos: a mostrar apenas as partes bonitas e agradáveis (o prato de comida no restaurante da moda, a paisagem na viagem, os filhos e marido/esposa perfeitos, o carro, a roupa, etc), e ignoram tudo o resto que faz parte da vida de qualquer pessoa (problemas, dificuldades, sofrimentos, desentendimentos, dúvidas,  rugas, gorduras-extra no corpo). Conversamos sobre o quanto isso é nocivo para todos nós. Porque no final, todos nos sentimos sozinhos nas dificuldades e até no processo de envelhecimento. Já que ninguém tem a coragem de dizer que dói mesmo, que correu mal, que está difícil, que há flacidez, cabelos brancos, rugas, que não sabe, quando é em mim que surgem esses sentimentos, parece que é só em mim. Nesta era das redes sociais, vivemos cada vez mais um mundo de aparências. Todos querem mostrar os seus paraísos particulares, sem mostrar as sombras, os lugares escuros. Todos receiam mostrar-se inteiros, como se assumir as dificuldades fosse uma fraqueza. Uma vez que ninguém fala das suas sombras, somos levados a crer que estamos sozinhos nesse lugar onde nem sempre a luz brilha. Mas a vida é dual e cíclica. Assim como todos temos qualidades e defeitos, assim como há dia e noite, também temos todo o tipo de sentimentos a coabitar dentro de nós. Então hoje, quero aproveitar para escrever aqui com todas as letras: não tenha medo nem vergonha das suas sombras. Não está sozinho. Às vezes não sabemos o que fazer, que caminho seguir, às vezes dói mesmo. Nem sempre as coisas correm como gostaríamos, nem sempre nos sentimos capazes ou bonitos o suficiente, as saudades apertam o peito, todos sentimos medo, o filho/a não é sempre perfeito/a, nem o marido/esposa, e nem nós. Nem sempre estou de bom humor, nem sempre tenho motivação para encarar a vida de frente, sinto medo, inseguranças, tenho dúvidas, começo coisas que não termino, procrastino, falhei com várias pessoas assim como muitos falharam comigo. Às vezes o dinheiro falta, a paciência esgota-se e o desânimo sobra. Mas, no auge dos meus 42 anos, percebo cada vez mais que todo esse espectro de emoções, incluindo medo, raiva, inveja, faz parte de se ser humano. A questão não é deixar de sentir essas coisas, reprimi-las ou fingir que elas não existem: é aprender a lidar com elas. O que quer que seja que ajude a processar as emoções e a criar uma pausa entre a sensação e a nossa resposta. Reconhecer a emoção que nos percorre o corpo. Acolhê-la. Perceber a sua origem. E depois, decidir conscientemente o que fazer com ela. A questão não é deixar de sentir as coisas, mas deixar de ser escravo dessas sensações. Procurar e desenvolver as ferramentas que melhor funcionarem para nós: terapia, hipnose, respiração consciente, exercício físico, yoga, meditação, escrita livre, exposição ao frio, medicação, medicinas ancestrais dos povos da floresta, corrida, contemplação da natureza, música, dança, entre tantas outras possíveis. Não tenha medo, não tenha vergonha. Não está sozinho. Aí nesse lugar onde está hoje, de alguma forma, todos já estivemos ou vamos estar. Só ninguém quer falar sobre isso, porque isso foge dos padrões do bonito, instagramável, bem sucedido. Mas a vida é tudo isto. A colcha de retalhos inteira, com todas as suas formas, cores e remendos. Tudo está em constante mudança. A sua luta e sua dor hoje, será a sua conquista e a sua força amanhã. Não está sozinho. Coragem. E se precisar de ajuda, peça. Fale. Não está sozinho. Nunca estamos.

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