quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Eu e a ancestralidade

Um assunto que acho fascinante é a ancestralidade que vive em nós. Não a ancestralidade das histórias da nossa família ou cultura que guardamos na memória, mas aquela que está enraizada bem mais fundo: no nosso corpo.

Há formas de reagir que são comuns a todos nós, e que têm a sua raíz lá nos nossos ancestrais caçadores-colectores. Imagine que vivia lá na floresta, e tinha que sair à procura de comida. Andava lentamente pela floresta, atento a todos os sons. Afinal, a qualquer momento, poderia deparar-se com um predador. Por isso, é natural que, a cada farfalhar de folhas, disparasse um alarme de perigo. Fomos programados para antecipar coisas negativas. Ao andar pela floresta, e ao ouvir barulhos, os nossos ancestrais não poderiam dar-se ao luxo de pensar "não é nada, está tudo bem", porque isso poderia significar a sua morte. A primeira reação era "predador". Da mesma forma, ao deparar-se com um predador, desencadeava-se todo um processo de liberação de química que nos permitia direcionar toda a energia do corpo para lutar ou fugir: a energia era retirada de funções como a imunitária - inútil defender-se de um vírus se dali a poucos segundos poderia ser comido por um animal - para se focar em, por exemplo, nutrir os músculos para correr mais rápido e exercer mais força nos golpes. É o nosso tão e cada vez mais conhecido estado de stress. Quando se sente ameaçado, o corpo passa a atuar nesse estado para garantir a sua própria sobrevivência. Passado o perigo, o corpo liberava nova química que o devolvia à homeostase. (Como, atualmente, os perigos e ameaças estão, na maioria das vezes, na nossa cabeça, o corpo não entende quando a ameaça passou, e fica a operar nesse modo SOS indevida e prejudicialmente.) Como sobreviviam os que mais tinham estas capacidades, elas foram sendo passadas adiante às gerações seguintes.
Também instintos que temos, como proteger a região do umbigo quando nos assustamos ou achamos que vamos sofrer um embate...Porque essa é uma região extremamente letal do nosso corpo - não por acaso, era nesse ponto que os samurais, para salvar a sua honra, se esfaqueavam para cometer suicídio. O nosso corpo guarda memórias e sabedoria inata para as quais nem sempre temos abertura para ouvir e entender. Mas, dar passos nessa direção, pode ser profundamente libertador. Não só para nós, mas para todos aqueles para os quais, um dia, seremos os ancestrais. O que queremos passar adiante?

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