quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Eu e a louça suja

Ontem estava a lavar a louça, e uma das frigideiras tinha resquícios de frango grelhado. Detergente na bucha: esfrega a panela. O detergente começou a transformar-se em espuma. Quanto mais esfregava, mais espuma surgia e, quanto mais espuma, menos eu percebia se a sujeira ainda estava na panela. Só quando passava a frigideira por água e olhava para ela, sem a espuma, conseguia vislumbrar onde, de facto, ainda era preciso limpar. Quando parecia estar limpa, passei, cuidadosamente, os dedos, e senti que ainda havia ali pequenos pedacinhos de sujidade, imperceptíveis à vista. Esfrega mais um pouco, passa pela água, observa novamente.

E assim é na vida: é preciso olhar para os nossos defeitos, dificuldades, desafios, tal e qual como eles são, sem espuma, sem máscaras, sem disfarces. Não adianta fingir que não existem, ou tentar disfarçá-los com todo o tipo de artifício. Por trás de tudo o que parece "livrar-nos" (das partes) de nós mesmos (que não queremos encarar), os "pontos escuros" ainda vão estar lá. Só quando os encaramos, podemos realmente percebê-los, e só quando os percebemos podemos cuidar deles. E, tal como na frigideira, por vezes, não é na primeira tentativa que o conseguimos fazer. É preciso trabalhar neles, e parar para observar. Deixar a espuma sair, e ver o que fica. Às vezes não basta olhar, é preciso sentir. Contemplar, refletir, perceber o que ainda há para trabalhar. Perceber de onde vêm. Com clareza. Porque a clareza abre caminhos: "eu sou assim" ou "eu não sou assim" são limitantes, mas discernir que não "somos assim", mas "estamos assim", abre todas as possibilidades de transformação. Posso estar "assim", "senão", "apesar", "diverso". É preciso substituir "ser" por "estar" e investir onde queremos estar em seguida. E continuar. Continuar sempre. Melhorar. Melhorar sempre.
(Quanto às manchas que não saem mais, por mais que se esfregue, basta conhecê-las, aceitá-las como são e não deixar que nos definam ou limitem.)

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