sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Eu e os atalhos

É muito comum observar os alunos lidarem com alguns desafios de coordenação motora no piano: se quer tocar forte com uma mão, a outra mão quer segui-la, se quer tocar desligado numa mão, a outra quer segui-la, se tocamos com o polegar, a outra mão também quer tocar com o polegar. Isto acontece com todos nós, por uma simples razão: o nosso cérebro é um exímio especialista em poupar energia. Embora corresponda a apenas 2% do nosso peso corporal, consome cerca de 25% da energia, por isso, é essencial poupar. E qual é uma das melhores formas de poupar energia? Criar atalhos. No caso do piano, ao invés de dar uma ordem para uma mão e outra ordem para a outra mão, a maneira mais fácil de poupar energia é dar uma só ordem igual para ambas as mãos. O nosso cérebro cria atalhos a cada momento: tomamos banho e lavamos os dentes sem pensar muito nos gestos. Vestimo-nos e apertamos os ténis de forma idêntica todos os dias. Comemos a mesma coisa ao pequeno-almoço, fazemos os mesmos trajetos. Mas mais do que isso: pensamos e sentimos as mesmas coisas. Repetidamente. Dos cerca de 70000 pensamentos que temos por dia, 95% são inconscientes, ou seja, gerados de forma automática. Atalhos. Repetem-se dia após dia. Esses mesmos pensamentos, levam-nos a sentir as mesmas emoções. E, assim como uma mão seguir, inadvertidamente, o gesto da outra no piano não beneficia a nossa performance, muitos desses pensamentos automáticos também não nos servem. A boa notícia: é possível treinar de forma a dar ordens diferentes a cada mão no piano. O primeiro passo é trazer a nossa atenção para isso: que som está a ser produzido e que som seria o ideal a ser produzido? Com os pensamentos é a mesma coisa: o primeiro passo é reconhecer que pensamentos se passeiam diariamente na mente. Quais queremos deixar ali? Quais escolheríamos, idealmente, ter? Parece difícil? Os meus alunos dizem que fazer uma coisa com a mão direita e outra com a esquerda é impossível mas, após algumas aulas, o impossível começa a tornar-se possível...A pouco e pouco. Com treino.

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