quinta-feira, 16 de novembro de 2023

184-365

 


Ao estudar yoga, percebo conexões inegáveis com a música. Desde logo na definição de yoga que Patanjali nos traz no começo do seu tratado Yogasūtra: "o Yoga é acessar a mente coração através da estabilização dos movimentos
da mente." (Tradução do Professor Caio Corrêa) Ou seja, mantendo uma qualidade da mente de completa entrega ao momento presente, atingimos um estado de yoga em que acessamos aquele lugarzinho especial de nós mesmos que identificamos como a nossa essência - e, comumente, se intui morar no nosso coração. Em raras ocasiões pude sentir-me tão perto desta definição como sentada a tocar piano. Quando superamos as questões técnicas e a mente fica tão focada naquele momento, conseguimos entregar-nos completamente a cada nota tocada, de tal forma que as notas deixam de existir: passamos a Ser cada nota tocada, e cada nota tocada é um pouco de nós. Estamos em cada uma delas, e cada uma delas toca-nos na nossa mais profunda essência. O que será isso se não samadhi? - tornar-se idêntico à sua essência. E esses momentos acontecem após um caminho. O caminho do yoga. Um caminho de muita disciplina, empenho, esforço continuado e persistente, mas feito com cuidado, zelo. Não pode ser um estudo automático, distraído, mas um estudo consciente, atento a cada som, a cada gesto, com devoção e amorosidade tentando perceber a cada momento qual a melhor solução possível para aquela situação. Aprender os gestos, as técnicas, para depois poder deixar a mente tão focada em um ponto só que tudo isso se desvanece. Não estudamos por obrigação, mas por devoção à Música, à Beleza, a algo maior que nós mesmos e que conseguimos acessar ali. Teremos obstáculos: a mente dispersa, outras vezes está mais letárgica, preguiçosa e outras entra em "piloto automático", num estudo incipiente e mecânico, sem conexão. Por vezes, a memória de um erro anterior, precipita um novo erro. Teremos medo, hesitações, dúvidas, desânimo e, outras vezes, excesso de confiança. Depois do trabalho feito, do empenho, é essencial não se prender ao desejo de um resultado final e nem sequer a qualquer resultado final que se obtenha, porque a única coisa que está sobre o nosso controle é a nossa ação, mas não o resultado dela. Entregar-se! Um momento após o outro. Pular de braços abertos no escuro: não há o que temer! Quanto mais mergulhamos, seja qual for o resultado, mais poderemos acessar quem realmente somos, em essência, mesmo que em breves vislumbres. Aos poucos, vamos cada vez mais reconhecendo-nos como nós próprios. E assim seguimos: no caminho. 

Sem comentários:

Enviar um comentário