quinta-feira, 23 de novembro de 2023

193-365

 Normalmente, quando as crianças estão a aprender uma música nova, aprendem-na primeiro de mãos separadas. Ao aprender muito bem e ganhar confiança no caminho que cada mão tem que fazer, torna-se mais fácil no momento de as juntar. A probabilidade de uma atrapalhar o caminho da outra é menor. No entanto, depois de aprenderem a tocar a música de mãos juntas, se não houver uma manutenção do trabalho de mãos separadas - e isso vale para qualquer um de nós, não apenas as crianças -, ambas as mãos se tornam dependentes uma da outra: apenas sabemos o que a direita faz enquanto tocamos a esquerda, e vice-versa. Se tiramos uma das mãos da equação, a outra fica totalmente perdida. Por isso é tão essencial continuar a trabalhar de mãos separadas, para que cada uma esteja muito segura do que tem que fazer. Além disso, é extremamente importante cuidar de cada nota de cada mão para que a música tenha a melhor interpretação possível. Não adianta ter um excelente fraseado na mão direita, por exemplo, a expressividade requerida, se a mão esquerda não está a fazer o seu papel de acompanhamento com o mesmo grau de perfeccionismo. O meu professor dizia sempre "é preciso que o que é secundário esteja perfeito para que o que é principal possa 'aparecer' em plenitude". Com um acompanhamento descuidado e cheio de imperfeições, nenhuma melodia da mão direita pode soar corretamente.

Isso fez-me refletir em tantas coisas que funcionam da mesma forma na nossa vida. Por um lado, as dependências que criamos sem as questionar ou sequer as perceber, por vezes - tal como acontece com os alunos que nem se apercebem que já só conseguem tocar uma mão em função da outra. "Só funciono de manhã se tomar o meu café", "não passo sem o meu chocolate na TPM", e tantos outros incontáveis "só consigo/faço X se Y" na nossa vida, tantas coisas que vamos "atrelando" a outras. Por outro lado, a falta de cuidado e zelo que temos com certos aspetos da nossa vida e que diminuem a nossa qualidade de vida. Não adianta alimentar-se bem mas entupir-se de pensamentos negativos. Exercitar-se mas só comer comida industrializada. Meditar mas ser impaciente com os outros e não conseguir manter boas relações. Alimentar-se bem mas não cuidar da qualidade do sono. Todos esses pilares da saúde (alimentação, exercício, sono e momentos de silêncio/pausa), tanto os que nos parecem principais como os que nos parecem secundários, são essenciais na nossa vida. Como um todo. Assim como ambas as mãos e todas as notas têm a sua relevância na música. Fica a reflexão...

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