quinta-feira, 16 de novembro de 2023

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Quem vê um campeonato de ginástica e se encanta com a incrível flexibilidade demonstrada pelos ginastas, pode supôr mas nunca imaginar o sofrimento que está por trás da aquisição daquela habilidade. Não sei como funciona hoje em dia, mas quando eu praticava ginástica, havia uma parte do treino que era muito sofrida. Todas enfileiradas, em posição de abertura máxima de pernas, aguardávamos a vez de a treinadora "nos puxar". Íamos assistindo ao sofrimento das colegas, e antecipando o nosso "faltam três... faltam duas..." Chegava a nossa vez, a treinadora aproximava-se e empurrava o nosso tronco ou quadril contra o chão, forçando a abertura. (O mesmo processo acontecia para ombros e costas.) Eram poucos segundos. Pareciam uma eternidade. Prendíamos a respiração e hesitávamos entre a contração que o nosso corpo, instintivamente, queria fazer, e a descontração que era necessária para não criar uma força oposta que dificultava ainda mais a situação e poderia até gerar uma lesão. Sim, muitas vezes chorávamos de dor. Mas sabíamos que era "um mal necessário" para se atingir determinado fim. Para obter mais flexibilidade e ter performances cada vez mais belas e perfeitas, sabíamos que era preciso passar por aquele processo.

Até aos meus 17, 18 anos, mantive uma flexibilidade incomum. Com o passar dos anos, fui deixando de me exercitar, e fui perdendo a flexibilidade. Até que, desde o começo do ano passado, comecei a praticar yoga com muita regularidade. Aos poucos, a flexibilidade foi voltando. Mas, desta vez, sem forçar. No yoga, a evolução acontece na entrega: no respeito pelo corpo, na observação do corpo, na percepção de onde podemos "soltar", de como "soltar" e sempre, sempre, mantendo a respiração consciente, ampla. Essa, para mim, talvez seja a maior diferença: a leveza que a respiração consciente me traz, e que me permite encontrar conforto no desconforto, que também é um passo do yoga. Isso proporciona-nos usufruir do processo, curti-lo, e o processo acontece seguindo um fluxo e não forçando um resultado. O corpo vai cedendo, por si mesmo, vai encontrando formas de se soltar, caminhos para se ampliar. Sim, ainda há uma dose de dor envolvida, mas uma dor que deve ser apenas desconfortável, e nunca insuportável.
Hoje, com 42 anos, posso dizer que há mais de 20 não tinha esta abertura de pernas. E não digo isto para impressionar ninguém, mas para incentivar qualquer que seja o processo ao qual querem dedicar-se: abracem-no, curtam-no, acreditem que é possível, saibam que nada vos impede, e que não é preciso forçar a chegada ao resultado, mas entender como entrar no fluxo de lá chegar.

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