quarta-feira, 21 de junho de 2023

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Há um conto budista de que gosto muito.

Um dia, o único cavalo de um camponês foge. Os vizinhos, ao saber da notícia, mostram o seu pesar "Lamento, que má notícia!" O camponês, calmamente responde "Não sei...Se é bom ou mau, veremos." No dia seguinte, o cavalo retorna trazendo com ele três cavalos selvagens. Os vizinhos comentam "Que boa notícia! Aumentou o número de cavalos!" O camponês responde "Não sei... Se é bom ou mau, veremos." No dia seguinte, o filho do camponês, ao tentar domar o maior dos cavalos, cai e fratura a perna. Os vizinhos lamentam "Que azar, que má notícia!.." O camponês, mais uma vez, responde calmamente "Não sei... Se é bom ou mau, veremos." Passado alguns dias, membros do exército chegam à aldeia para convocar todos os jovens para o serviço militar obrigatório para lutar na guerra. Ao ver o filho do camponês incapacitado na cama, dispensam-no de ir para a guerra. Os vizinhos comemoram "Que boa notícia! Seu único filho não vai ter de ir para a guerra." Com a serenidade de sempre, o camponês comenta "Não sei...Se é bom ou mau, veremos."

Este conto relembra-nos que tudo nesta vida é uma questão de perspetiva. Nada é objetiva e exclusivamente bom ou mau. Depende da nossa percepção e julgamento. Haja visto que há remédios que nos sabem mal ou são dolorosos, mas nos fazem muito bem, e há coisas que nos sabem muito bem e nos fazem muito mal. O que hoje é uma benção, pode tornar-se uma dor de cabeça amanhã. O que hoje é uma dor ou um desafio, pode tornar-se a nossa maior força. Perdemo-nos em juízos, conotações, constantemente a dividir o mundo em "bom" e "mau" e, muitas vezes, esquecemo-nos de que nada permanece. Nada é. Tudo está em constante movimento, mudança. Já dizia Camões "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". Muitas vezes, esse fluxo da vida foge à nossa compreensão. Como o camponês, que não podia supôr a sequência de acontecimentos que sucederiam na sua família. Assim como não vemos os átomos, a gravidade, o eletromagnetismo, há tantas e tantas outras leis da Vida que escapam à nossa percepção e entendimento. Mais do que compreender todos os porquês (que não estão ao alcance da nossa mente limitada), é necessário recordar que, por vezes, a porta que se abre leva a um beco sem saída, e a porta que se fecha abre uma janela com uma vista esplendorosa. É preciso treinar e ensinar a mente a manter-se estável tanto nas portas que se nos fecham como nas que se nos abrem. E continuar, seguir adiante. Afinal, tudo muda, e a vida é um enorme, imenso caminho a ser percorrido, cheio de portas e janelas, passagens secretas, becos sem saída, atalhos, campos abertos e surpresas, muitas surpresas. Não se detenha demasiado em algum detalhe do caminho. Quem estagna a examinar, perscrutar e julgar a árvore e o porquê de ela ser como é ou de estar onde está, perde a beleza da floresta. "Ao caminhar se faz o caminho." (Antônio Machado) Incontornavelmente, iremos deparar-nos com obstáculos, desafios, bençãos e recompensas. Que possamos abraçar as coisas boas e más que surgirem e, assim, transformar o caminho num lugar cheio de beleza e aprendizagem, porque é nos nossos passos e no nosso olhar que a beleza mora.

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