domingo, 11 de junho de 2023

A caminho dos 42...(2)




Talvez a minha memória mais antiga seja relacionada à ginástica. Sentada no chão da sala enquanto a minha mãe passava a roupa a ferro em frente à televisão e eu, vidrada na televisão, a ver as competições de ginástica artística com ela. Eu sempre fui uma criança irrequieta, cheia de energia, não parava um minuto mas, em frente à televisão para ver ginástica, ficava hipnotizada e, dizem os meus pais, apontava para lá e dizia que queria fazer aquilo. Tinha 2, 3 anos de idade. Só quando tinha de 5 para 6 anos é que os meus pais me levaram ao Benfica para fazer testes para entrar na equipa. Naquele ginásio do qual me recordo bem - com os espaldares ao fundo, as paralelas e a cama elástica à direita, quase a travar a entrada para os balneários, a trave e solo no centro - começou um percurso de cerca de 7 anos de ginástica de competição. Depois de cerca de um ano no Benfica, ingressei no meu clube gímnico do coração, o Lisboa Ginásio Clube, ainda no edifício antigo, velhinho, mas que era, carinhosamente, a nossa segunda casa. Foram anos de muita paixão. Era, sem qualquer dúvida, a minha coisa favorita no universo! Eu vivia, respirava e sonhava ginástica. Lembro-me perfeitamente de torcer pela russa Yelena Shushunova nos Jogos Olímpicos de Seul em 1988 numa final eletrizante com a romena Daniela Silivas. Eu tinha 7 anos. Vi e revi a prova inúmeras vezes. Assim como as outras cassetes com campeonatos do mundo e da Europa que os meus pais e treinadora gravavam para mim. Sabia o filme sobre a vida da Nadia Comaneci praticamente de cor.
Foram anos de muita entrega e dedicação. De vitórias e derrotas, de dor, sacrifício e recompensa. De crescimento, de erros e aprendizagem. Aqueles anos na ginástica influenciaram muito a minha vida e o meu percurso. Talvez uma das coisas que mais contribuiu para a formação da minha personalidade. Foi ali que aprendi que para alcançar os nossos objetivos, é preciso tempo e muita disciplina. Aprendi que é preciso abdicar de certas coisas - por exemplo, viver anos em uma alimentação muito regrada - para alcançar outras - uma boa forma física e melhores resultados. Aprendi a procurar e perseguir a perfeição, mesmo sabendo que alcancá-la é uma utopia. Aprendi que para evoluir, é preciso perceber a forma mais eficiente de fazer as coisas e entender onde estão os erros - por exemplo, se caio para a frente, houve energia a mais, se caio para trás, faltou movimento. (Repetições "cegas", mecânicas, imponderadas, não são eficazes.) Aprendi que o nosso percurso é feito de fases boas e fases más, vitórias e derrotas, que cair faz parte, que dores são inevitáveis. Aprendi a conviver e lidar com o medo. Aprendi a apreciar a beleza e harmonia dos movimentos. Aprendi com os erros que cometi. Aprendi a não desistir. Sou grata por tudo o que vivi na ginástica. Guardo comigo a sensação de me equilibrar em prancha na trave, fazer gigantes nas paralelas, mortais e piruetas no solo. Se fechar os olhos, ainda sei exatamente que movimentos fazer, ainda sinto aquela liberdade de voar. Eu saí da ginástica aos 13, 14 anos, mas a ginástica jamais saiu de mim.

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