quarta-feira, 7 de junho de 2023

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Nunca sabemos qual frase ou conversa vai ficar connosco pra sempre. Algumas conversas que tive com o meu professor de piano na Faculdade, por exemplo, permanecem comigo. Em uma delas, ele falava-me sobre a intrínseca, inata e imutável necessidade que o ser humano tem de conexão. Fomos feitos para criar laços. Deu-me o exemplo dos moradores de rua. Excluídos de um convívio social, solitários, a grande maioria tem um fiel companheiro, a quem se dedica carinhosamente: um cão. Vejo isso diariamente. Moradores de rua que aconchegam o seu cão no seu colchão ou barraca, com quem dividem o cobertor e a pouca água e comida que têm, com quem brincam. A quem, visivelmente, entregam o seu amor e por quem se sentem amados.
Criar laços, dar e receber amor são, inequivocamente, necessidades básicas do ser humano. Não por acaso, nas chamadas zonas azuis - regiões em que há uma invulgar percentagem de pessoas centenárias - concluiu-se, em estudos, que um dos fatores que explica a longevidade dos seus habitantes é, precisamente, o senso de comunidade, o senso de pertencimento. Nas zonas azuis, além de as pessoas cultivarem hábitos saudáveis, como alimentação balanceada, exercício físico, boa rotina de sono, o grande diferencial é a comunidade: as pessoas estabelecem relações profundas de amizade entre si. Sentem-se amparadas e acolhidas. Têm com quem chorar e com quem rir. A vida é partilhada e ganha um novo sentido nessa partilha. Além disso, nessas comunidades, todos contribuem de alguma forma, todos se sentem parte de uma coisa maior. Isso também é essencial porque o ser humano encontra propósito. E o nosso propósito maior é servir. Pense bem: quando é que se sente mais realizado? Quando sente que, de alguma forma, contribuiu. E não é preciso ser uma contribuição extraordinária como descobrir a cura de uma doença, fazer voluntariado em um país mais desfavorecido ou doar uma enorme quantia de dinheiro para alguma instituição de caridade. Pode ser em gestos simples: preparou, carinhosamente, a refeição da família. Separou o lixo para a reciclagem. Partilhou um vídeo, um livro, um filme que vai ajudar ou inspirar outra pessoa. Foi gentil com alguém. Doou o seu tempo a alguém. Realizou o seu trabalho da melhor forma possível. Procura aprimorar-se, evoluir, ser "a mudança que quer ver no mundo" (Gandhi) e educar os seus filhos de forma a inspirá-los a fazer o mesmo. Pequenos gestos, por vezes, são uma enorme contribuição para quem nos rodeia. Nunca sabemos a diferença que uma simples palavra ou conversa pode fazer na vida de outra pessoa. O quanto vai reverberar no futuro. Ou um singelo sorriso - pode mudar o rumo de um dia! Numa sociedade aparentemente cada vez mais capitalista em que impera o egoísmo, ganância, egocentrismo, e o "cada um por si", ainda há muita, muita gente que, felizmente, cultiva outros valores. De acordo com a bonita filosofia Ubuntu "eu sou porque nós somos". Neste imenso mecanismo que é a Humanidade, somos todos pequenas engrenagens. Não há real separação entre nós, por isso, as ações de uns, refletem-se nos noutros. E o que mais nos torna humanos é as conexões que fazemos. O que mais nos preenche é a realização de servir aos outros. O que mais nos fortalece é seguir juntos. "Se quer ir rápido, vá sozinho; se quer ir longe, vá acompanhado." (Provérbio africano). (Talvez por isso, os habitantes das zonas azuis, cheguem "tão longe").

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